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segunda-feira, 23 de março de 2020

O Brasil de quarentena



No domingo retrasado (15/03), pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, chegaram a publicar um estudo alertando sobre as prováveis mortes pelo novo coronavírus no Brasil e na Nigéria. Aqui, de acordo com a projeção, poderá haver até 478 mil mortes.

Fato é que o negacionismo do governo Bolsonaro diante dos perigos do coronavírus pode ser considerado catastrófico. Pois, enquanto o mundo inteiro já colocava em prática medidas de contenção da pandemia, a exemplo da checagem da temperatura de passageiros em aeroportos, cancelamento de voos, fechamento de fronteiras, bares e restaurantes, além da proibição de aglomerações de até mesmo 15 pessoas, o nosso presidente incentivou que seus apoiadores fossem às ruas de todo o país em apoio à sua gestão e na defesa de ideias esdrúxulas, sem base constitucional, como o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Sem dúvida que a resposta da população não tem sido outra senão os panelaços quase diários que se repetiram no decorrer da semana, inclusive em bairros da classe média que havia sido decisiva em 2018 como formadora de opinião em favor da candidatura de Bolsonaro. E vimos uma ex-aliada,como a deputada Janaina Paschoal, uma das autoras do impeachment de Dilma, declarar seu rompimento com o presidente.

Atualmente, as secretarias estaduais de Saúde contabilizam 1.604 infectados em todos os estados brasileiros, sendo já 25 mortos no país, dos quais 22 foram no estado de São Paulo. Durante a semana que se passou, vimos medidas duras sendo tomadas como o isolamento de cidades, a suspensão de serviços diversos tanto público quanto privados, a orientação para as pessoas permanecerem em quarentena dentro das suas casas, detentos sendo liberados da permanência em estabelecimentos penitenciários, suspensão das aulas nas escolas e uma mudança na rotina de trabalho de milhões de brasileiros.

Em relação á soltura dos presos, achei que o Judiciário brasileiro poderia ter avançado mais nesse momento crítico, mas aplaudo de pé a iniciativa corajosa de um magistrado do STF. Pois, apesar do Plenário do STF haver derrubado a liminar do Exmo. Ministro Marco Aurélio, por haver entendido que o pedido apresentado ao Judiciário foge ao escopo da ADPF 347, na qual foi declarado o estado inconstitucional do sistema carcerário, achei brilhante as sugestões de medidas preventivas contra expansão da Covid-19 no sistema carcerário, seu entendimento me pareceu acertado e racional. Aliás, esses foram os oito pontos sugeridos na decisão do Nobre Julgador que poderiam ser considerados pelos juízes de execução penal diante da pandemia para a população carcerária:

a) liberdade condicional a encarcerados com idade igual ou superior a 60 anos, nos termos do artigo 1º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso);

b) regime domiciliar aos soropositivos para HIV, diabéticos, portadores de tuberculose, câncer, doenças respiratórias, cardíacas, imunodepressoras ou outras suscetíveis de agravamento a partir do contágio pelo Covid-19;

c) regime domiciliar às gestantes e lactantes, na forma da Lei 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância);

d) regime domiciliar a presos por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça;

e) substituição da prisão provisória por medida alternativa em razão de delitos praticados sem violência ou grave ameaça;

f) medidas alternativas a presos em flagrante ante o cometimento de crimes sem violência ou grave ameaça;

g) progressão de pena a quem, atendido o critério temporal, aguarda exame criminológico; e

h) progressão antecipada de pena a submetidos ao regime semiaberto.

Certamente que a soltura de presos, mesmo sem terem cometido seus crimes com violência e grave ameaça, causou polêmica, tendo sido as medidas criticadas pelas mentes mais conservadoras que se fecham no aspecto punitivo da pena e preferem ignorar os direitos humanos. Porém, é indiscutível que cadeias superlotadas e com condições precárias de higiene podem se tornar foco de surto devastador.

Tão preocupante quanto aqueles que se acham confinados nas penitenciárias, acamados em hospitais,orfanatos, asilos ou nas clínicas psiquiátricas, é a vida dos profissionais que prestam serviços essenciais nesses dias difíceis. Principalmente os que são da área da saúde, os quais precisam ser protegidos e melhor valorizados.

Neste último domingo (22/03), um técnico de enfermagem que compõe a diretoria do sindicato de servidores públicos municipais onde trabalho, apresentou a ideia de que lutemos para o adicional de insalubridade ser pago em grau máximo para os funcionários da saúde que estejam em contato com pacientes. E, ao ler sobre sua brilhante sugestão, não demorei a redigir a minuta de um ofício para que, eventualmente, seja apresentado ao Gabinete de Crise da Prefeitura daqui de Mangaratiba.

Ora, considerando que, no dia 20/03, o governo federal declarou transmissão comunitária do coronavírus em todo o pais, entendendo ser impossível rastrear como as pessoas foram contaminadas, e que o sistema de saúde poderá entrar em colapso já no mês de abril, há que se compensar o trabalhador por sua exposição a esse micro-organismo patogênico, com potencial para prejudicar a sua saúde de alguma forma.

É de conhecimento geral que o uso de luvas e de máscaras nunca será o suficiente para neutralizar o contágio do vírus, de maneira que o profissional exposto a risco biológico não somente tem direito a EPIs como a uma proporcional remuneração por insalubridade. E, ainda que o contato do servidor com pacientes nem sempre seja permanente, a análise deve ser feita sob o aspecto qualitativo da situação, lembrando que, de acordo com a Súmula 47 do TST, o fato de o trabalho em condições insalubres ser executado em caráter intermitente não é suficiente para afastar o direito ao recebimento do adicional em grau máximo que, na nossa legislação,é de 40%.

Tendo em vista que vivemos uma situação emergencial em que necessária a atuação de mais servidores laborando na área da saúde pública, a elevação do referido adicional torna-se medida justa e adequada capaz contribuir para o bom desempenho dos trabalhos nesses tempos difíceis, tornando-se uma oportunidade para que uma Prefeitura possa então valorizar tais profissionais, como de fato espera a sociedade civil nos seus aplausos a médicos, enfermeiros e demais agentes.

Para finalizar, importa dizer que um outro serviço público que será tão importante quanto a saúde trata-se da assistência social já que muitos autônomos, comerciantes ou prestadores de serviços contratados sem vínculos empregatícios não poderão mais trabalhar até que voltemos à normalidade. No entanto, esse apoio às pessoas necessitadas precisará ser prestado de maneira seria pelos governantes, devendo ser lembrado que, por ser 2020 um ano eleitoral, faltando agora pouco mais de 6 meses para votarmos nos futuros prefeitos e vereadores das nossas cidades, os mandatários que concorrerão à reeleição jamais deverão fazer dessa ajuda uma indução ou troca por votos.

Enfim, há muita luta pela frente e esse momento não deve servir para acomodações ou confiança cega nos governantes sendo certo que o controle social precisará ser redobrado para não haver negligências e nem violações de direitos.

Ótima semana a todos!

OBS: Imagem acima atribuída a Marcelo Camargo/Agência Brasil

2 comentários:

  1. Muito lamentável assistir a toda essa situação.
    Confesso que nunca levei fé no governo federal e nem votei "nele". Muito fácil perceber para quem ele governa. Para os grandes empresários, banqueiros e o governo norte-americano. Só nos resta torcer para tudo dar certo!

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    1. Fato é que o coronavírus está pondo os sistemas de saúde de todo o mundo à prova, sendo aterrorizante o que poderá ocorrer no Brasil onde os números dos casos do coronavirus têm dobrado a cada dois ou três dias de modo que poderemos ter milhões de infectados até o final de abril. Trata-se de um momento que requer maturidade, disciplina e união até que esse mal esteja controlado deixando de ser uma ameaça.

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