Na noite de ontem (11/07), por 50 votos a 26, o Plenário do Senado aprovou a tão polêmica reforma trabalhista (o PLC 38/2017) durante uma sessão que foi bem tumultuada. Com o resultado, várias mudanças deverão entrar em vigor no ordenamento jurídico pátrio, entre as quais os acordos coletivos que passarão a ter força de lei podendo se sobrepor a muitos direitos previstos na CLT.
Além disso, deverão ser sancionadas pelo Presidente da República as modificações introduzidas quanto à jornada de trabalho, às férias, à possibilidade do trabalho de mulheres grávidas/lactantes em locais insalubres, à obrigatoriedade no pagamento da contribuição, à regulamentação do chamado home office (trabalho em casa), ao tempo de intervalo para o almoço, à possibilidade do trabalho intermitente, ao reconhecimento de contratação de profissionais autônomos numa relação de exclusividade e continuidade, à criação de um banco de horas, etc. E foram estabelecidas novas regras sobre a questão processual trabalhista em que agora, o trabalhador não mais poderá faltar a até três audiências na Justiça do Trabalho e, caso perca a ação, terá que arcar normalmente com as custas do processo, pagando, inclusive, os honorários de sucumbência que são devidos aos advogados da parte vencedora. Inclusive, até o beneficiário da gratuidade de justiça também estará sujeito ao pagamento de honorários dos peritos sendo que quem agir com má-fé correrá o risco de sofrer uma multa de 1% a 10% sobre o valor da causa, não estando isento de indenizar a parte contrária.
Embora eu compreenda que o nosso país há tempos careça de uma legislação mais moderna e capaz de incentivar a formalização dos trabalhadores, assim como o processo na Justiça do Trabalho requer uma dose maior de seriedade e de equilíbrio entre as partes, eis que um erro grave foi cometido pelos nossos senadores, o qual viola de forma direta a Constituição Federal. Tratam-se dos danos morais! Isto porque a proposta impõe limitações ao valor a ser pleiteado pelo trabalhador, estabelecendo um teto para o pedido indenizatório. Ou seja, ofensas graves cometidas por empregadores deverão ser de, no máximo, 50 vezes o último salário contratual do ofendido (atualmente os juízes estipulam o valor em ações envolvendo danos morais).
Para a abordagem dessa delicada questão, devemos antes de mais nada fazer uma breve leitura do Texto Maior que é a Constituição brasileira em que o dano moral vem tratado nos incisos V e X do artigo 5º expondo ali os seus princípios basilares. Senão vejamos o que diz a Carta Magna, sendo meus os destaques em negrito na citação a seguir:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
Pode-se afirmar que, com a promulgação da Constituição da República de 1988, foi definitivamente finalizada qualquer dúvida remanescente a respeito da reparabilidade pelo dano moral que se tornou uma garantia dos direitos individuais. O citado item V veio assegurar a proporcionalidade não só no direito de resposta, mas também na "indenização por dano material, moral ou à imagem", tendo o constituinte distinguido de maneira expressa os prejuízos materiais dos morais, não obstando a cumulatividade desses direitos.
Assim, da mesma maneira que a indenização por danos materiais serve para reparar os danos emergentes e/ou a cessação dos futuros ganhos da vítima, deve a compensação pelos danos morais ser avaliada através da fixação de uma quantia capaz de computar os interesses não patrimoniais que foram lesionados. E aí para que de fato seja buscada uma justa defesa do interesse moral, torna-se impossível limitar o valor da indenização seja em que esfera for (relações trabalhistas, de consumo, de vizinhança, nos contratos de compra e venda entre particulares, nas atividade dos veículos de imprensa, no trânsito, etc).
Sobre o inciso X, estabeleceu o constituinte que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegura,do o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sal violação. E deste modo, todos os direitos individuais mencionados pelo dispositivo tornaram-se hipóteses indenizáveis em caso de lesão, independentemente de ter havido prejuízo patrimonial para a vítima e menos ainda quanto esta ganhava.
Alguém certamente poderá perguntar quanto valem a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem de um ser humano? Digo pois que tais valores jamais serão indenizáveis, mas o que deve ser buscado por meio da ação reparatória de danos morais é justamente uma justa e proporcional compensação de maneira que constitui até uma grande ofensa à dignidade do ser humano quando o legislador tenta limitar a quantificação do valor indenizatório. Principalmente se for segundo a condição econômica da vítima sendo que para um trabalhador de condição humilde o sofrimento poderá ser até muito maior do que, por exemplo, para um alto executivo de uma poderosa instituição financeira que é ocupante de um dos cargos da diretoria do banco.
Não tiro a razão de quem critique que a reparabilidade por dano moral às vezes acaba se transformando numa "indústria" capaz de levar o instituto a uma vulgarização da mesma maneira que a indevida caracterização das consequências dos ilícitos como "mero aborrecimento". Principalmente nas relações de consumo em que inúmeros são os casos levados ao conhecimento do Judiciário cotidianamente. Só que o mesmo não acontece na Justiça do Trabalho onde a aplicação do dano moral tem servido de freio contra graves injustiças praticadas contra o empregado, sobretudo no que diz respeito aos assédios e aos inúmeros constrangimentos existentes, de modo que se torna sobremodo injusto limitar o valor da indenização a 50 vezes o último salário contratual.
Sem querer fugir do assunto, lembro aqui da solução dada há uns onze anos atrás pelo Supremo Tribunal Federal quanto à aplicação do artigo 52 da Lei 5.250/67 - a Lei de Imprensa, o qual torna a responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou divulgação deveria ser "limitada a 10 (dez) vezes as importâncias referidas no artigo anterior", mas que veio a ser considerado como norma não recepcionada pela CF/88. Na ocasião, a 2ª Turma do STF negou provimento a recurso extraordinário interposto por um jornal condenado ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência da publicação de matéria ofensiva à honra de um candidato nas eleições. O recorrente alegava violação ao art. 5º, V e X, da CF, e pleiteava a redução do valor da condenação aos limites previstos nos artigos 51 e 52 da referida lei. Porém, no julgamento, levando-se em conta a fisionomia normativa da proteção do direito à integridade moral e da reparação pecuniária da ofensa, ficou entendido que o invocado artigo da Lei de Imprensa não poderia restringir direitos, liberdades e garantias constitucionais (leia AQUI a íntegra do relatório e do voto de 16 laudas do então ministro Cezar Peluso no RE n.º 447584).
Portanto, podemos concluir que a Constituição não contém qualquer disposição que limite o valor da indenização e o grau da responsabilidade civil do ofensor. Consequentemente, a equivocada extensão do valor indenizatório a no máximo 50 (cinquenta) vezes o último salário do ofendido, aprovada ontem pelos nossos senadores, caracteriza uma intervenção legislativa na disciplina dos direitos fundamentais, tornando-se algo contrário à Lei Maior e capaz de colocar em risco o substrato do direito fundamental à honra, à boa fama e à intimidade das pessoas.
Sobre outros pontos dessa reforma, alguns até mais importantes do que o dano moral, certamente ainda teria muito o que comentar para discutir suficientemente o assunto da modificação das leis trabalhistas no Brasil. E, embora seja simpático a uma flexibilização, considero que tudo foi feito às pressas e carecendo de um debate mais aprofundado com a sociedade, além de que muitas mudanças ocorreram mais ao sabor dos interesses dos patrões do que para modernizar as relações de trabalho. E só a sua aplicação vai mostrar a sua aceitação pela sociedade através das reações que poderão vir à tona.
OBS: Créditos autorais da imagem acima atribuídos a Marcelo Camargo/Agência Brasil, conforme consta em http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-07/por-50-votos-favoraveis-senado-aprova-texto-base-da-reforma-trabalhista
Venho visitar você e deixar um beijo amigo e carinhoso
ResponderExcluir.
( escrevi tema novo sobre o amor entre mulheres)
Olá, querida.
ExcluirPrimeiramente obrigado por sua visita a este blogue e pelos comentários, pedindo desculpas pela demora em respondê-la.
Li sua postagem tratando do relacionamento entre mulheres e o que penso a respeito é que a homossexualidade em geral, mesmo sendo algo fora do nosso convencional, precisa ser mais respeitada e compreendida. Afinal, há várias maneiras das pessoas amarem e, se um homem ou mulher sente por alguém do mesmo sexo o mesmo que os héteros sentem por uma pessoa do sexo oposto, há que se aceitar aquilo que não se encontra no padrão convencional da sociedade.
E por que não vermos alguma beleza num relacionamento homoafetivo quando há entre os companheiros respeito, cumplicidade, fidelidade e cuidados recíprocos?!
Como diz um trecho do livro bíblico de Eclesiastes,
"Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só, como se aquentará? E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa." (Ec 4:9-12)
Enfim, é assim que hoje encaro a importância das pessoas terem um relacionamento.
Beijos e ótima semana pra você.