Desde que vim morar em Mangaratiba, cidade do litoral sul do Rio de Janeiro, notei um comportamento que muito me decepciona. Trata-se do medo que a maioria das pessoas daqui sente em lutar abertamente pelos seus direitos perante as autoridades locais. Seja na qualidade de moradores e,, principalmente, como trabalhadores do Município, em que até os servidores da Prefeitura, ocupantes de cargo efetivo, compartilham desse sentimento.
Em seu artigo EDUCAÇÃO: O MEDO E O "INSTINTO DA TARTARUGA", publicado no sítio virtual Artigos.com, o escritor e jornalista Antonio de Andrade Lorena nos fala sobre um tipo de temor que pode ser estabelecido numa coletividade onde os dominadores buscam incutir nas pessoas o medo de situações reais ou imaginárias, o que acaba se tornando uma espécie de manipulação. Segundo o autor, os próprios cidadãos alimentam isso entre si:
"(...) Outro medo que precisa ser combatido com todas as forças, é o medo coletivo, em especial medo incentivado por outras pessoas. A sociedade precisa coibir aquelas pessoas que deliberadamente fazem a apologia do medo como modo de manipulação da sociedade, colocando medo nas outras, fazendo-as desistirem do exercício responsável e consciente de sua cidadania e criando sérios tumultos (...)"
Em suas breves colocações, a fim de explicar o comportamento dos que se tornam reféns do medo coletivo, Antonio de Andrade vai mais além e faz menção à metáfora da tartaruga a qual fora muito bem empregada por Nietzsche, citando-o em seu texto:
"(...) Desistindo de agir como cidadãos responsáveis, essas pessoas que aceitaram o medo incutido por aquelas outras pessoas, passarão a agir como as tartarugas fazem, diante de alguma situação, recolhendo a cabeça e as pernas para dentro da própria casca, para dentro do seu mundinho particular, fechando-se e evitando quaisquer contatos com a realidade do mundo, não enfrentando nada, não vendo nada da realidade onde vivem e em especial, as mudanças que poderiam realizar, não sentindo nada, não ouvindo nada, enfim, não querendo saber da nada. Esse agir das pessoas que acreditam nos seus próprios medos ou acreditam naqueles medos que outras pessoas procuram incutir nelas, é o agir com o 'instinto de tartaruga', conforme citado pelo filósofo alemão Friedrich W. Nietzsche (1844-1900) quando afirmava que 'a civilização ocidental educa os homens para desenvolverem apenas o instinto de tartaruga', onde cada um aprenderá apenas a defender-se, fechar-se ao mundo, recolhendo-se para dentro de si mesmo, omitindo-se de qualquer participação na realidade. E essas pessoas que acreditam em seus medos ou nos medos 'sugeridos' por outros, além de agirem com 'o instinto da tartaruga', irão agir também, como aqueles célebres três macaquinhos que não querem ver, não querem ouvir e nem falar, não querem participar de nada, omitindo-se de tudo. Pessoas que desistirão das possibilidades que teriam para ser atuantes no mundo em que vivem, deixando de utilizar o conhecimento, a autocrítica, deixando de agir para que as mudanças positivas ocorram em suas vidas ou na sociedade (...)"
A partir do mês passado, quando tomou posse o novo presidente do Sindicato dos Servidores do Município de Mangaratiba (SISPMUM), senhor Braz Marcos da Silva Marques, fui constituído por ele para organizar o departamento jurídico da entidade. Porém, tão logo comecei a atender o público, notei que até mesmo os trabalhadores associados manifestavam receio em lutar contra as injustiças praticadas pela Administração Pública Municipal em relação ao servidor. Pessoas vinham a mim e falavam "doutor, para todo efeito, ninguém saiba que estive hoje aqui falando com o senhor para não me perseguirem depois". Ou então falavam assim: "não posso aparecer porque temo que cortem a minha função gratificada que estou quase incorporando e ainda exonerem meu parente da Prefeitura pois ele é comissionado".
Confesso que todo esse sentimento de acovardamento muito me incomodou e, nesses quase dois meses de trabalho, não há um dia sequer em que deixo de defender o meu ponto de vista combativo em relação às injustiças cometidas pelos gestores públicos contra o funcionalismo. E, de fato, as pessoas vieram me relatar tanto ameaças reais como as imaginárias. Uma delas, por exemplo, dizia respeito às reclamações trazidas pelos técnicos de enfermagem de que a Secretaria Municipal de Saúde pretende aumentar a carga horária desses profissionais, sem qualquer aumento salarial ou pagamento de horas extras, contrariando mais uma vez ao que fora estabelecido no Edital do último concurso público.
Ao tomar conhecimento do fato, sem que me trouxessem qualquer prova de ato administrativo nesse sentido, orientei logo ao presidente do sindicato que não pode Prefeitura exigir do servidor o cumprimento de uma carga horária de trabalho semanal superior ao que fora estabelecido no Edital do certame. Isto porque as regras editalícias tornam-se "a lei do concurso", vinculando tanto a Administração quanto os candidatos às regras nele determinadas, havendo até jurisprudências neste sentido. E aí lhe enviei a ementa de um julgado favorável da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a respeito de um caso oriundo do Município de Duque de Caxias onde a funcionária de lá, com êxito, impetrou mandado de segurança a fim de evitar que aumentassem a sua carga horária.
Felizmente, tenho hoje um corajoso parceiro de luta ao meu lado que é o presidente desse sindicato, o qual também pastoreia uma congregação evangélica pentecostal na cidade. Juntos temos buscado ensinar as pessoas como exorcizar de suas mentes o medo, não se deixando levar por este sentimento negativo e que a muitos paralisa nas suas ações. Por isso, ao ler a parte final do texto de Antonio Andrade, achei bem inspiradoras as suas palavras e considero oportuno citá-las novamente nesta minha postagem, a qual direciono tanto para os servidores de Mangaratiba, outras categorias de trabalhadores e também para o cidadão em geral:
"(...) Vamos lá! Deixe os seus medos de lado! E não acredite naquelas pessoas que tentam incutir em sua cabeça certos medos, tentando manipular você, suas decisões, seus sentimentos e em especial, suas ações para as mudanças que você considera serem necessárias, à sua cidade, ao seu ambiente, aos grupos onde atua, ao Estado e ao país onde você tem orgulho de viver. Vamos lá, deixe os sentimentos de confiança e de entusiasmo desenvolverem-se dentro de você, e levante a sua cabeça com fé e com alegria, dando passos seguros em suas atividades diárias, em suas ações. Você pode! Você consegue parar de ter medos, reais ou imaginários! E em especial, você pode parar de agir com o 'instinto da tartaruga' (...)"
Assim, ao invés de deixarmos aflorar o nosso lado "tartaruga", creio que podemos despertar dentro de nós aquela onça adormecida, animal felino que ainda habita as selvas brasileiras. Claro que devemos ser prudentes e usarmos a nossa força com inteligência, mas a cautela a ser seguida numa estratégia de combate não pode jamais servir para embasar atos de acovardamento. Estes serão sempre injustificáveis.
Ótima tarde de terça-feira a todos e vamos à luta!
OBS: Imagem acima extraída de https://iguinho.com.br/canalnatureza/tartaruga.html
O problema é que a maioria tem medo de lutar pelos seus direitos! Simplesmente porque, o mundo se está a tornar muito violento! Lutar sim... mas sem violências! Gostei
ResponderExcluirBjos
Espero por si :)
Sim, Larissa. Também concordo que a luta deve ser sem violência. Ainda mais quando vivemos em regimes democráticos.
ExcluirObrigado por sua leitura e comentários.
Ótima noite de terça feira!
Bjs