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quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Entre a memória democrática e a necessidade de decisão: notas sobre o debate do terceiro mandato e o papel das instituições



O tempo, no Direito Eleitoral, não é apenas uma contagem de dias ou meses. Ele influencia a confiança das pessoas nas instituições, ajuda a criar estabilidade política e, quando se prolonga excessivamente, pode gerar dúvidas e insegurança. Por isso, revisitar a história de um processo importante não significa reabrir disputas, mas ajudar a sociedade a compreender o que está em jogo e quais valores constitucionais motivaram aquele debate.

No caso de Itaguaí, ainda nas eleições de 2024, já existia uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) proposta por pessoas e instituições que a lei expressamente autoriza a ajuizar esse tipo de ação. Em paralelo a isso, atuei como advogado e cidadão, apresentando uma notícia de inelegibilidade — que é um instrumento diferente da AIRC.

Esse esclarecimento é importante. A notícia de inelegibilidade é um direito de qualquer cidadão. Ela não é uma ação judicial, nem substitui o papel das partes legitimadas. Trata-se de um meio pelo qual o cidadão pode informar a Justiça Eleitoral sobre fatos ou situações que, em tese, podem contrariar as regras constitucionais e legais sobre quem pode ou não concorrer a um cargo eletivo. Ao fazer isso, o cidadão colabora com o funcionamento do sistema democrático, sem assumir protagonismo no processo.

Foi exatamente nesse espírito que apresentei a notícia de inelegibilidade: não para iniciar o processo, mas para acrescentar argumentos e reflexões jurídicas a um debate que já estava em curso, sempre dentro das regras do devido processo legal e do respeito às instituições.

Desde o início, o ponto central da discussão foi a possibilidade — ou não — de um terceiro mandato consecutivo. Mais do que uma questão formal sobre reeleição, o debate envolve um princípio essencial da República: a alternância de poder. A Constituição não busca apenas evitar repetições automáticas de mandatos no papel; ela pretende impedir que o poder político se concentre por tempo excessivo nas mesmas mãos, especialmente quando afastamentos, reconduções ou arranjos institucionais acabam produzindo continuidade prática sob aparência de mudança.

Esses argumentos foram expostos publicamente em textos anteriores neste blogue e também apresentados de forma técnica nos autos do processo. A ideia central sempre foi simples: a alternância de poder precisa ser real, e não apenas formal. Quando exceções se tornam permanentes, corre-se o risco de esvaziar o sentido republicano das regras eleitorais.

Com o andamento do caso, a discussão superou a primeira instância e chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Atualmente, o processo encontra-se no TSE, já analisado pelas instâncias anteriores, com manifestações das partes legitimadas e do Ministério Público Eleitoral, e com os recursos cabíveis apresentados. Do ponto de vista processual, trata-se de um processo maduro, que aguarda uma decisão definitiva sobre o mérito.

É natural que, durante esse percurso, surjam referências a decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas relacionados, como reeleição, continuidade administrativa e limites temporais do exercício do poder. Essas decisões são relevantes e merecem respeito, pois ajudam a orientar a interpretação da Constituição.

No entanto, decisões judiciais não se aplicam automaticamente a todos os casos. Cada situação precisa ser analisada à luz de sua realidade concreta. No caso de Itaguaí, não se discute apenas uma reeleição comum, mas uma trajetória específica de exercício do poder político, marcada por afastamentos e reconduções, que levanta dúvidas legítimas sobre a preservação efetiva da alternância de poder.

Em termos simples: não basta olhar apenas para a regra geral; é preciso examinar como ela se aplica à história concreta do caso. Generalizações não substituem a análise cuidadosa das circunstâncias reais.

Passado um tempo significativo desde o início da AIRC, o que se espera — independentemente de qual venha a ser o resultado — é uma decisão clara, bem fundamentada e compreensível para a sociedade. A previsibilidade democrática não significa escolher um lado, mas garantir que as decisões sejam tomadas com transparência, coerência e respeito aos princípios republicanos.

Este texto não tem o objetivo de pressionar tribunais nem antecipar conclusões. Ele busca, sobretudo, registrar a memória democrática de um processo que vai além de interesses individuais e reafirmar que a participação cidadã, quando exercida de forma responsável e dentro da legalidade, é parte essencial do Estado de Direito.

Quando o TSE proferir sua decisão, ela não resolverá apenas um caso específico. Ela também contribuirá para definir como a alternância de poder será compreendida e aplicada nos municípios brasileiros. É por isso que o tempo importa — e que a memória institucional, longe de ser um incômodo, é um elemento necessário para a democracia.

Quando a ruptura fala mais alto que a frase: advocacia, magistratura e a urgência do diálogo institucional



A frase atribuída a uma magistrada — “que se dane a OAB” — durante uma sessão de julgamento provocou forte reação corporativa, ampla repercussão midiática e pedidos de providências institucionais. 

O episódio, embora grave, não pode ser analisado apenas como um desvio individual de conduta ou um momento de destempero verbal. Ele exige uma leitura mais profunda, capaz de situá-lo no contexto de uma relação institucional cada vez mais tensionada entre magistratura e advocacia no Brasil.

Reduzir o caso a um embate personalista ou a uma disputa entre corporações seria um erro analítico. O que se revela ali é algo mais complexo: uma deterioração progressiva do diálogo institucional, em que o respeito formal permanece no discurso, mas se esgarça na prática cotidiana.


O risco da punição exemplar como resposta simplificadora

É legítimo que a conduta de magistrados seja apurada por corregedorias e, se for o caso, pelo Conselho Nacional de Justiça. A autoridade judicial, exatamente por ser autoridade, está submetida a deveres reforçados de urbanidade, autocontenção e respeito às funções essenciais à justiça.

Contudo, também é preciso cautela para que a resposta institucional não se converta em punição simbólica excessiva, orientada mais pela pressão pública do que por uma análise estrutural. 

A frase, embora inadequada, não surge no vácuo. Ela verbaliza — de forma imprópria — um sentimento que, silenciosamente, já circula em muitos ambientes forenses: a percepção de parte da magistratura de que a advocacia, sobretudo quando invoca prerrogativas, atua como entrave e não como garantia.

Punir sem compreender esse pano de fundo pode produzir alívio momentâneo, mas não resolve o problema. O conflito reaparece, talvez de forma menos explícita, porém mais corrosiva.


A autocrítica necessária da advocacia

Para que a defesa das prerrogativas seja respeitada, é indispensável reconhecer que a advocacia em alguns momentos também contribuiu para o desgaste de sua autoridade simbólica.

Em muitos contextos, o discurso das prerrogativas foi banalizado, invocado de forma automática, sem distinção entre violações reais e meros dissabores processuais. Em outros, confundiu-se firmeza técnica com beligerância pessoal, transformando a audiência em palco e o conflito em estratégia.

Obviamente, isso não justifica desrespeito algum, mas ajuda a explicar por que parte da magistratura passou a reagir com impaciência — quando não com hostilidade — a qualquer menção à OAB ou às comissões de prerrogativas.

Respeito institucional não se sustenta apenas na Constituição ou na lei. Ele se constrói também pela postura, pela técnica e pela credibilidade cotidiana.


O erro simétrico da magistratura

Se a advocacia precisa de autocrítica, a magistratura precisa de autocontenção. O juiz não pode permitir que a frustração cotidiana se converta em desprezo institucional. Quando isso ocorre, o problema deixa de ser individual e se torna sistêmico.

A autoridade judicial existe justamente para conter o poder, inclusive o próprio. Deslegitimar a advocacia — ainda que verbalmente — equivale a enfraquecer o contraditório, a ampla defesa e, em última instância, a confiança social no processo.

É nesse ponto que a advertência de Piero Calamandrei, em Eles, os Juízes, vistos por nós, Advogados, mantém impressionante atualidade:


“O juiz que não escuta o advogado corre o risco de não ouvir sequer a própria consciência.”


Não se trata de bajular a advocacia, mas de reconhecer que o dissenso é parte estrutural da justiça, não uma afronta pessoal.


Diálogo institucional como reconstrução — não como concessão

Falar em diálogo, aqui, não significa relativizar abusos nem diluir responsabilidades. Significa compreender que advocacia e magistratura não são polos inimigos, mas funções complementares, condenadas a conviver.

A reconstrução institucional passa por:


  • uma advocacia mais técnica, menos performática e mais estratégica na defesa das prerrogativas;
  • uma magistratura mais consciente do impacto simbólico de suas palavras e gestos;
  • e uma OAB que atue com critérios claros, evitando tanto a omissão quanto o corporativismo acrítico.


Calamandrei lembrava que a advocacia não existe para agradar o poder, mas para recordar-lhe os seus limites. Da mesma forma, a magistratura não existe para silenciar o conflito, mas para administrá-lo com civilidade e justiça.


Conclusão

A frase que motivou o debate é reprovável. Mas ela é, sobretudo, um sintoma. Punir o sintoma sem tratar a causa é insistir no erro.

O momento exige menos indignação performática e mais maturidade institucional. Respeito não se impõe apenas por sanções, nem se conquista por confrontos permanentes. Ele nasce do reconhecimento recíproco de funções, da técnica, da escuta e da contenção do poder.

Sem isso, novos episódios surgirão — talvez com outras palavras, outros protagonistas, mas com a mesma raiz: a incapacidade de diálogo entre aqueles que deveriam, juntos, sustentar a justiça.

Por que o Governo Federal deveria recusar a prorrogação da concessão da Ampla/Enel Rio e promover nova licitação em 2026



A recente discussão pública em torno da Enel Distribuição São Paulo e da possibilidade de caducidade de seu contrato por falhas graves na prestação do serviço coloca em xeque o modelo atual de prorrogação automática de concessões no setor elétrico. 

Em São Paulo, o Ministério Público Federal e a Justiça questionam o processo de renovação antecipada da Enel SP diante de frequentes interrupções de energia, falta de investimentos e indicadores alarmantes de desempenho, pedindo inclusive a suspensão de qualquer prorrogação até a conclusão da apuração das falhas graves.

Essa visão de crítica à renovação não é apenas um debate teórico: ela reflete uma compreensão crescente de que contratos públicos essenciais não podem ser prorrogados como mera formalidade se há sérios indícios de incapacidade institucional da concessionária de prestar serviços adequados.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, há um conjunto ainda mais robusto de elementos que agravam o quadro: reclamações massivas, multas de defesa do consumidor, grande volume de ações judiciais e uma sequência de decisões administrativas que revelam problemas sistemáticos de prestação de serviço pela concessionária que atua hoje no lugar da antiga Ampla. A seguir, os fundamentos para um posicionamento firme do MME contra a prorrogação do contrato de concessão da Enel RJ.


1. O contexto da prorrogação contratual no Brasil

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Ampla Energia e Serviços – Enel Rio protocolou em tempo hábil o pedido de prorrogação do seu contrato, que vence em 09/12/2026, junto à agência reguladora. A ANEEL chegou a recomendar ao MME a prorrogação antecipada da concessão da Enel RJ com base no cumprimento de critérios formais previstos em decreto vigente.

No entanto, essa recomendação não é vinculante para o MME, que possui discricionariedade para decidir pela renovação ou não com base em interesse público e análise de qualidade de prestação do serviço. A discricionariedade protege a administração de contrair obrigações quando há evidências claras de prejuízo ao interesse coletivo e, cumpridos os prazos legais, a decisão pela não prorrogação não gera obrigação de indenizar a concessionária. Pelo contrário, a própria legislação setorial prevê que, não havendo interesse em prorrogar, a concessão deve ser licitada.


2. A Enel Distribuição Rio como um dos maiores alvos de ações judiciais no RJ

Um dos dados mais expressivos que fundamentam a recusa à prorrogação é o elevado número de ações judiciais contra a Enel Distribuição Rio, que refletem conflitos recorrentes entre consumidores e a concessionária. Em 2023, pelo menos 25.524 ações foram ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis contra a Enel RJ, tornando-a a segunda empresa mais processada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ‑RJ) naquele ano — atrás apenas da Light, outra distribuidora local.

Esses processos não são litígios isolados, mas convergem sobretudo para temas relacionados à má prestação de serviço, cobranças indevidas, interrupções constantes de energia e descumprimento de obrigações contratuais essenciais.


Principais tipos de litígios que caracterizam padrão de falhas

Dados de sistemas nacionais de defesa do consumidor mostram que, nos últimos anos, a Enel Distribuição RJ apresentou:


  • 1.792 reclamações sobre cobrança de tarifas indevidas ou inesperadas,
  • 924 reclamações por irregularidade na medição,
  • 784 reclamações relacionadas a atendimento (SAC) inadequado ou não respondido,
  • 548 reclamações por interrupção ou instabilidade frequente no fornecimento,
  • 382 reclamações por cobrança por serviços não realizados ou atrasados.


Esse painel demonstra uma série sistemática de problemas estruturais na prestação do serviço, e não apenas falhas eventuais.


3. Problemas de atendimento, descaso e reincidência

Além dos números brutos, reclamações individuais amplificam o diagnóstico de incapacidade gerencial da concessionária. Existem registros em plataformas públicas de consumidores com cobranças abusivas reincidentes mesmo após decisões judiciais favoráveis e com tratamento inadequado no atendimento ao cliente. Outro exemplo relatado é a inclusão incorreta de nomes em cadastros de crédito que a própria concessionária foi condenada a retirar, sem que a situação fosse resolvida adequadamente, apontando descaso administrativo.

Esses episódios, além de indicar repetição dos problemas, sinalizam possível deficiência no cumprimento de ordens judiciais e administrativas, o que compromete ainda mais a confiança do consumidor e do poder público na capacidade da concessionária de melhorar seus serviços.


4. Ação de órgãos federais e estaduais de defesa do consumidor

Em 2024, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aplicou uma multa de R$ 13 milhões à Enel RJ por “interrupções de serviço público essencial e demora no restabelecimento” — um reconhecimento federal de que a concessionária não cumpriu padrões mínimos de qualidade.

No âmbito estadual, o Procon‑RJ tem instaurado diversos processos sancionatórios importantes, motivados por reclamações em cidades como Campos dos Goytacazes, Maricá, Arraial do Cabo, Macaé e Casimiro de Abreu, que já geraram multas superiores a R$ 12,5 milhões.

Essas medidas administrativas reforçam que não se trata de percepções isoladas, mas de problemas amplamente reconhecidos por órgãos de proteção ao consumidor.


5. Reclamações por interrupções e instabilidade no fornecimento

Interrupções constantes de energia, oscilações de tensão e demora para restabelecimento foram algumas das principais queixas registradas no sistema nacional de defesa do consumidor no período 2022‑2024. Essas falhas, quando persistentes, não apenas geram transtornos — podem comprometer serviços essenciais, pequenos negócios, sistemas de saúde e segurança pública, configurando de fato uma falha na prestação de serviço público essencial.


6. Argumentos jurídicos contra a prorrogação antecipada

Discricionariedade administrativa e interesse público

A Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) e o regime regulatório permitem que o poder concedente e seus agentes reguladores exerçam discricionariedade na decisão de prorrogar ou não um contrato de concessão, desde que a decisão seja fundamentada em interesse público e na análise técnica.

Ao recusar a prorrogação, o MME pode, com segurança jurídica, fundamentar a decisão em critérios de qualidade do serviço, volume de litígios, prejuízos aos consumidores e histórico de sanções administrativas sem que isso gere obrigatoriedade de indenizar a concessionária — pois, no cená­rio de recusa, a lei remete à licitação pública como forma de escolha do próximo concessionário.


Direito à competição e interesse dos consumidores

A opção por nova licitação em vez de prorrogação afronta o interesse público em promover concorrência e melhores condições para os consumidores. Uma licitação aberta com critérios objetivados e metas de qualidade permitiria selecionar um concessionário que demonstre:


  • capacidade técnica mais robusta;
  • compromissos claros de investimento em infraestrutura;
  • planos de atendimento emergencial e contingência;
  • mecanismos eficazes de satisfação do consumidor.


Esse modelo tem potencial para elevar a prestação do serviço a níveis compatíveis com os padrões esperados para um serviço essencial, algo que repetidas ações, reclamações e sanções indicam que a atual concessionária não tem conseguido oferecer de forma satisfatória.


7. Cronograma e viabilidade de nova licitação em 2026

O contrato da Enel RJ vence em dezembro de 2026 e, conforme os prazos legais, a não prorrogação implica a necessidade de licitação da concessão. Como não houve a decisão de prorrogar, há tempo suficiente para preparar um processo licitatório completo, transparente e competitivo, sem interrupção do serviço, uma vez que a legislação prevê o trâmite para troca de concessionário em tempo hábil.

Além disso, o arcabouço legal atual permite que a concessionária atual continue no exercício da função até a conclusão do processo licitatório, evitando qualquer descontinuidade do serviço, mas sem vincular o MME à renovação automática.


Conclusão

A discussão sobre a prorrogação do contrato de concessão da Ampla Energia e Serviços – Enel Distribuição Rio vai muito além de um exame formal de cumprimento de prazos.

👉 Os problemas estruturais e recorrentes na prestação do serviço no Estado do Rio de Janeiro, manifestados em milhares de ações judiciais, centenas de reclamações sistematizadas, multas aplicadas por órgãos federais e estaduais e um quadro de insatisfação generalizada dos consumidores configuram uma base sólida para recusar a prorrogação antecipada do contrato.

👉 A decisão de não prorrogar é discricionária, juridicamente segura e não exige indenização à concessionária, e ainda abre caminho para uma nova licitação em 2026 que possa trazer inovação, concorrência e, sobretudo, qualidade de serviço para milhões de consumidores do Rio de Janeiro.

Em suma, não prorrogar o contrato da Enel RJ significa exercer o interesse público, valorizar os direitos do consumidor e promover um serviço de energia elétrica mais eficiente, competitivo e confiável para todos os municípios atendidos.

A Lacuna Feminina na Política Brasileira e o Cenário Presidencial de 2026



O cenário político brasileiro para 2026 apresenta um fenômeno pouco debatido, mas fundamental: a ausência de nomes femininos competitivos nas pesquisas presidenciais atuais

Se olharmos para os levantamentos recentes, perceberemos que, mesmo entre candidaturas de centro e centro-esquerda, os principais nomes citados nas pesquisas ainda são masculinos. Isso cria uma lacuna estratégica que pode transformar o jogo político do país, abrindo espaço para lideranças femininas que consigam projetar seus nomes nacionalmente.




Essa lacuna não se trata apenas de uma questão simbólica ou de representação. Ela indica uma oportunidade concreta de construir novas narrativas políticas, capazes de atrair eleitores que buscam renovação, diversidade de pensamento e alternativas à polarização PT vs. Bolsonaro.


O cenário atual: nomes femininos e pesquisas

Atualmente, figuras como a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, aparecem como potenciais candidatas de centro ou centro-esquerda, mas há restrições estratégicas e eleitorais:


  • Pré-candidatura própria poderia comprometer a reeleição estadual e dispersar votos, especialmente em uma eleição já polarizada entre Lula e o bolsonarismo.
  • Composição de chapa como vice em candidaturas competitivas masculinas surge como alternativa interessante, permitindo visibilidade nacional sem comprometer mandatos estaduais.
  • Mesmo nomes de destaque, que não estão diretamente vinculados ao PT ou à esquerda tradicional, enfrentam o desafio de construir narrativa própria sem recorrer à agenda identitária ou feminista de forma exclusiva.




Essa situação deixa clara a falta de figuras femininas estruturadas para disputar o Palácio do Planalto com competitividade, criando uma lacuna estratégica para lideranças capazes de ocupar esse espaço.


Heloísa Helena e a oportunidade da Rede

Entre os nomes femininos de relevância nacional, Heloísa Helena (HH) se destaca. 

Ex-senadora e ex-candidata presidencial em 2006 pelo PSOL, HH retorna à Câmara como suplente de Glauber Braga em 2026, o que a projeta novamente no cenário político nacional.

Mesmo com pouco tempo de pré-campanha e um mandato estimado até meados de junho de 2026, HH possui algumas vantagens estratégicas:


  • Independência política: Não está vinculada diretamente ao PT, ao PSOL ou a outras forças maiores, podendo atuar como terceira via de esquerda.
  • Imagem consolidada: Reforça narrativa de coerência e compromisso com pautas sociais e éticas, sem depender de polarizações existentes.
  • Base de nicho sólida: Eleitores urbanos, jovens e femininos podem ser mobilizados, especialmente em capitais e regiões urbanizadas.




Heloísa Helena poderia usar a Rede Sustentabilidade, mesmo dentro da federação PSOL‑Rede, como plataforma para candidatura presidencial. Isto porque a legislação e sua interpretação permitem que partidos federados tenham candidaturas divergentes, desde que cumpridos os registros eleitorais e respeitadas normas internas. Ou seja, HH poderia ser candidata própria sem mudar de legenda, mesmo com PSOL integrando a federação do seu partido e apoiando Lula.


Estratégia de impacto no cenário eleitoral

A entrada de HH ou de outro nome feminino pela Rede apresenta impactos importantes:


  1. 1º turno:

    • Funciona como terceira via, fragmentando votos centristas e parte do eleitorado urbano anti-Lula.
    • Mesmo com visibilidade limitada, projeta a Rede e fortalece a marca partidária.
  2. 2º turno (Lula x Bolsonarismo):

    • Se HH não apoiar Lula, ela pode reduzir parcialmente sua margem de diferença para o segundo colocado, mantendo a sua coerência política e independência, embora não alteraria o resultado vitorioso.
    • Apoio condicional ou neutro poderia maximizar o impacto estratégico, preservando visibilidade sem comprometer aliados da esquerda.
  3. Fortalecimento da Rede:

    • A candidatura independente de HH ofereceria visibilidade nacional ao partido, permitindo maior negociação de palanques regionais e coligações futuras.
    • Serviria para construir uma identidade política própria, diferenciando a Rede do PT e até mesmo do PSOL.


Lacuna feminina como oportunidade estratégica

A ausência de nomes femininos competitivos revela um vácuo político no Brasil de 2026. Esse espaço pode ser ocupado de forma estratégica por líderes femininas:


  • Não apenas representando pautas identitárias ou feministas, mas discutindo questões nacionais de forma global e pragmática, sem abandonar atenção às minorias.
  • Criando alternativa independente à polarização entre PT e Bolsonaro, fortalecendo uma terceira via de esquerda ou centro-esquerda.
  • Aproveitando momentos de fragilidade ou desgaste dos principais candidatos masculinos para conquistar visibilidade e influência política.


HH, por exemplo, caso caminhe um pouco em direção ao centro, mas sem deixar a esquerda, poderia se tornar a terceira força de referência, projetando o seu nome para futuras eleições e influenciando decisivamente o debate político de 2026.


Considerações finais


  • A lacuna feminina nas pesquisas presidenciais brasileiras não é apenas um dado estatístico, mas uma oportunidade estratégica para lideranças femininas construírem relevância nacional.
  • Candidaturas independentes, como pode ser a de HH, representam visibilidade, projeção e influência, mesmo sem expectativa real de vitória no primeiro turno.
  • O espaço está aberto para lideranças femininas de esquerda ou centro-esquerda que saibam articular independência, pragmatismo e capacidade de mobilização eleitoral.


Em 2026, quem conseguir ocupar esse espaço de forma estratégica não apenas fortalece sua própria carreira, mas também reescreve parte do cenário político brasileiro, trazendo diversidade, renovação e protagonismo feminino à disputa presidencial, tornando o debate político até mais interessante.

Senado aprova PLP “Descongela Já”: vitória dos servidores e próximos passos



O Senado Federal aprovou, em 16 de dezembro de 2025, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 143/2020, conhecido como “Descongela Já”, que restabelece pagamentos de direitos suspensos de servidores públicos durante a pandemia de Covid‑19. A aprovação representa uma importante vitória histórica para os servidores de todo o país, fruto de anos de mobilização e reivindicação.


O que é o PLP 143/2020?

Durante a pandemia, a Lei Complementar nº 173/2020 estabeleceu a suspensão de progressões e pagamentos de adicionais por tempo de serviço (anuênios, quinquênios, triênios e licenças-prêmio), conforme o art. 8º da LC 173/2020, até 31 de dezembro de 2021.

Importante destacar que a LC 173/2020 não interrompeu a contagem do tempo de serviço para aposentadoria, que continuou sendo contabilizada normalmente, conforme o art. 4º da mesma lei. O que ficou suspenso foram apenas os pagamentos desses adicionais e benefícios salariais.

Desse modo, o PLP 143/2020, aprovado pelo Senado, busca:


  • Restaurar o pagamento retroativo de anuênios, quinquênios, triênios, licenças-prêmio e demais adicionais suspensos.
  • Garantir que os servidores recebam as diferenças relativas a férias e 13º salário que também foram afetadas pelo congelamento.
  • Assegurar que os direitos sejam pagos com correção monetária, preservando o valor real do benefício.


A luta dos servidores

O PLP 143/2020 é resultado da mobilização contínua de servidores públicos de todo o país, que usaram sindicatos, associações e canais de diálogo com o Legislativo para reivindicar justiça. Entre as ações da categoria destacam-se:


  • Reuniões e audiências públicas com parlamentares.
  • Pressão para que emendas restritivas fossem retiradas, garantindo amplitude da restituição.
  • Campanhas de conscientização sobre os impactos financeiros e profissionais do congelamento.


Essa mobilização foi determinante para a aprovação com ampla maioria, consolidando uma vitória significativa para toda a categoria.


Servidores que ingressaram com ação judicial

Para aqueles servidores que já ajuizaram ação judicial visando o recebimento das parcelas suspensas:


  • O PLP 143/2020 não prejudica ações em andamento.
  • Pode, inclusive, fortalecer a posição do servidor, caso a administração pública não realize o pagamento ou estabeleça parcelamento.
  • Servidores com ações perdidas ou suspensas também podem se beneficiar da lei, que passa a garantir formalmente o direito de requerer os valores retroativos.


Próximos passos: protocolo do requerimento administrativo

É recomendável que todos os servidores protocolem formalmente um requerimento no ente público em que trabalham, assim que a lei for sancionada e publicada. Isso garante:


  1. Solicitação formal de apuração e pagamento das diferenças de anuênios, quinquênios, triênios, licenças-prêmio, férias e 13º salário.
  2. Interrupção da prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/1932, que conta a partir do vencimento de cada parcela devida.
  3. Comprovação documental para eventual ação judicial, caso o ente público não cumpra o pagamento voluntariamente.


O protocolo deve ser completo, detalhando os valores ou períodos afetados, e é recomendável enviar tanto em meio físico quanto digital, quando disponível.


Expectativas quanto à sanção

Com a aprovação no Senado em 16 de dezembro de 2025, o PLP segue para sanção presidencial. Espera-se que o Executivo sancione a lei, permitindo que os servidores iniciem imediatamente os protocolos administrativos e garantindo o pagamento retroativo dos adicionais suspensos.


Conclusão

A aprovação do PLP “Descongela Já” representa uma conquista histórica para os servidores públicos, fruto de mobilização e perseverança. Agora, é fundamental que cada servidor esteja atento à publicação da lei e protocolar formalmente seus requerimentos administrativos, garantindo a proteção de seus direitos e assegurando o recebimento integral das diferenças remuneratórias.


📷: Waldemir Barreto / Agência Senado.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Por que dar tempo à ciência antes de colonizar Marte?


NASA / Divulgação


A ideia de colonizar Marte fascina a humanidade há décadas. Ela reúne ciência, imaginação, tecnologia e um legítimo desejo de futuro. No entanto, entre o entusiasmo e a responsabilidade existe uma pergunta que precisa ser feita com calma: não estamos apressando um passo que deveria ser dado apenas mais adiante?

Este texto propõe uma reflexão racional e acessível sobre por que uma colonização efetiva de Marte precisa de mais tempo, tanto em nome da ciência quanto da segurança humana.


Marte não é apenas um destino — é um arquivo

Marte é o planeta mais parecido com a Terra que conhecemos. Há bilhões de anos, teve água líquida, atmosfera mais densa e condições que, ao menos em tese, poderiam ter favorecido o surgimento de vida microbiana.

Justamente por isso, Marte é um arquivo natural único. Ele nos permite responder a uma pergunta fundamental:


O que acontece com um planeta semelhante à Terra quando sua história toma outro rumo?


Se contaminarmos Marte cedo demais — com microrganismos terrestres, resíduos biológicos ou ambientes artificiais — esse arquivo se torna ambíguo. Qualquer descoberta futura poderá ser questionada: é marciana ou fomos nós que levamos?

Dar tempo à ciência significa ler esse arquivo com cuidado antes de alterá-lo para sempre.


A expectativa de vida em Marte é baixa — mas não irrelevante

É importante ser honesto: hoje, a expectativa de encontrar vida ativa em Marte é baixa. Não se fala em plantas, animais ou ecossistemas. A hipótese mais plausível é a de vida microbiana antiga ou, no máximo, residual no subsolo.

Mas, do ponto de vista científico, basta uma única descoberta inequívoca para mudar profundamente nossa compreensão da vida no universo.

Perder essa possibilidade por precipitação não seria ousadia — seria descuido.


Colonizar não é o mesmo que visitar

Enviar humanos a Marte para missões temporárias é uma coisa. Colonizar, no sentido real da palavra, é outra completamente diferente.

Colonização implica:


  • Presença humana contínua
  • Infraestrutura permanente
  • Produção de alimentos
  • Reprodução humana
  • Ambientes fechados que inevitavelmente vazam para o exterior


A partir desse ponto, a contaminação biológica deixa de ser um risco e passa a ser um fato consumado.

Por isso, a pergunta correta não é “se” Marte será contaminado, mas “quando estaremos prontos para aceitar isso conscientemente”.


A segurança humana ainda não está garantida

Além da ciência, há um fator frequentemente subestimado: a vida humana.

Uma missão a Marte envolve cerca de três anos fora da Terra, sem possibilidade de resgate rápido. Hoje, ainda não dominamos plenamente:


  • Proteção eficaz contra radiação cósmica
  • Medicina de longo prazo fora do ambiente terrestre
  • Cirurgias complexas em isolamento total
  • Impactos psicológicos extremos do confinamento prolongado


Não se trata de coragem ou pioneirismo. Trata-se de não transformar seres humanos em experimentos irreversíveis.

Esperar não é covardia — é maturidade.


O risco é assimétrico

Este é um ponto-chave:


  • Se colonizarmos Marte cedo demais, podemos perder ciência para sempre.
  • Se esperarmos mais algumas décadas, não perdemos a chance de colonizar.


Em outras palavras: o custo do erro existe apenas em um dos lados.

A prudência, nesse caso, não é conservadorismo. É simplesmente a decisão mais racional.


Um horizonte mais responsável

Muitos cientistas e analistas defendem hoje um caminho gradual:


  • Até meados do século XXI: exploração robótica intensa, retorno de amostras, mapeamento profundo.
  • Entre 2040 e 2050: missões humanas temporárias, bases experimentais, sem colonização permanente.
  • Final do século XXI ou início do século XXII: decisão consciente sobre colonização, já com conhecimento, tecnologia e marcos éticos mais sólidos.


Esse ritmo não atrasa o futuro — ele o torna viável.


O futuro não exige pressa, exige responsabilidade

A Lua sempre estará lá. Marte também. O que pode não estar é a oportunidade de fazer essa escolha de forma lúcida.

A história humana mostra que civilizações raramente erram por falta de ousadia. Elas erram por confundir capacidade técnica com maturidade histórica.

Dar tempo à ciência antes de colonizar Marte não é negar o futuro.

É garantir que, quando ele chegar, não seja construído sobre perdas irreversíveis.


OBS: Este texto não é um manifesto contra a exploração espacial, mas um convite à reflexão: explorar, sim — colonizar, quando estivermos prontos.

Minha solidariedade ao Padre Júlio



Em meio a debates recentes, manchetes apressadas e interpretações muitas vezes reducionistas, torna-se necessário recolocar o foco onde ele sempre deveria estar: na trajetória, nos valores e no testemunho público e pastoral do Padre Júlio Lancellotti. Mais do que reagir a episódios pontuais, o debate exige profundidade, contexto e responsabilidade, especialmente quando envolve figuras cuja atuação transcende conjunturas imediatas.

Há décadas, o Padre Júlio dedica sua existência pastoral ao cuidado dos mais vulneráveis — pessoas em situação de rua, famílias invisibilizadas, homens e mulheres tratados como descartáveis por uma sociedade que, não raras vezes, naturaliza a exclusão e banaliza o sofrimento. Trata-se de uma atuação contínua, pública e coerente, construída no cotidiano, longe de holofotes ocasionais e de conveniências circunstanciais. Seu trabalho não nasceu de conveniências políticas nem de modismos ideológicos, mas de uma opção ética e cristã clara: estar ao lado de quem mais sofre.

Ao longo dos anos, essa atuação lhe rendeu reconhecimento nacional e internacional, mas também resistência, ataques e incompreensões. Isso não é novidade. Toda prática que confronta estruturas de desigualdade e indiferença tende a incomodar. Ainda assim, sua coerência sempre foi marcada pelo compromisso com o diálogo, com a legalidade e com a própria Igreja da qual faz parte.

Decisões internas de instituições — religiosas ou não — fazem parte de sua dinâmica própria e devem ser analisadas com responsabilidade, sobriedade e respeito à complexidade institucional que as envolve. A leitura apressada desses movimentos, sobretudo quando mediada por manchetes de forte impacto, tende a produzir mais ruído do que esclarecimento. Transformar tais decisões em narrativas de confronto absoluto ou silenciamento definitivo empobrece o debate e obscurece aquilo que realmente importa: o legado construído ao longo de uma vida inteira de serviço.

Mais do que reagir a fatos pontuais, é preciso resistir à tentação de reduzir pessoas a episódios. O Padre Júlio não se resume a uma manchete, a uma controvérsia momentânea ou a interpretações apressadas. Ele representa uma prática concreta de fé traduzida em ação, acolhimento e defesa intransigente da dignidade humana.

Em tempos marcados por polarização, ruído informacional e disputas narrativas, apoiar o Padre Júlio é, sobretudo, afirmar valores. É reafirmar que justiça social não é radicalismo, que solidariedade não é ameaça e que o compromisso com os mais pobres não deveria ser alvo de suspeição, mas reconhecido como expressão legítima de humanidade e ética pública. É reafirmar que justiça social não é extremismo, que solidariedade não é ameaça e que o cuidado com os mais pobres não deveria ser objeto de suspeita, mas de reconhecimento.

Que o debate público seja conduzido com mais responsabilidade, menos espetáculo e maior compromisso com a verdade e a complexidade dos fatos. E que não se perca de vista aquilo que realmente importa: a vida dedicada ao serviço, à fraternidade e ao Evangelho vivido na prática.

Minha solidariedade ao Padre Júlio Lancellotti e a todos que seguem acreditando que dignidade humana não é favor, é direito.