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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Governar de perto: a proposta que pode aproximar o cidadão das decisões e transformar o poder local



Num país de dimensões continentais, acostumado a ver decisões tomadas longe da realidade das comunidades, avança o debate sobre um novo modelo de gestão pública: a governança territorial de proximidade. Em outras palavras, uma forma de trazer o governo para mais perto das pessoas, permitindo que cada bairro, distrito ou região tenha voz e responsabilidade direta sobre as prioridades do lugar onde vive.

A proposta parte de um diagnóstico simples e conhecido por todos: a distância entre o problema e a solução dificulta a política pública. Em muitos municípios brasileiros, especialmente aqueles com grande extensão territorial ou forte diversidade interna entre zona urbana e área rural, a população sente-se pouco representada e pouco informada sobre o andamento de obras, serviços e investimentos. Somam-se a isso promessas que se repetem a cada ciclo eleitoral, prazos que se perdem, prioridades que mudam sem aviso e decisões tomadas sem diálogo.

É justamente nesse ponto que surge o conceito de Núcleos Territoriais de Gestão Local — estruturas permanentes de participação, deliberação e acompanhamento das ações públicas, implantadas dentro das próprias comunidades.

Diferente do que muitos poderiam imaginar à primeira vista, essa proposta não cria mais um ente político, não aumenta a máquina pública e não inventa novos cargos eletivos. O objetivo é outro: tornar a gestão municipal compartilhada, transparente e territorializada, com metas claras e prestação de contas.

Na prática, cada núcleo teria:


  • um conselho eleito pela comunidade;
  • um coordenador técnico escolhido por processo de seleção pública;
  • um orçamento previamente definido para o território;
  • contratos de gestão com metas, prazos e indicadores;
  • acompanhamento e divulgação de resultados de forma aberta.


Isso significa que, em vez de esperar indefinidamente pela solução de um problema ou pela realização de uma obra, a comunidade participa da escolha da prioridade, monitora o processo e acompanha a execução. A política pública deixa de ser um anúncio e passa a ser um compromisso com endereço certo.

Experiências recentes de descentralização administrativa em grandes cidades brasileiras, bem como modelos de governança regional e participativa, sinalizam que a proximidade entre decisão e território gera melhores resultados — tanto na execução de obras quanto na sensação de pertencimento e confiança.

Em um cenário nacional marcado pelo cansaço com promessas não cumpridas e pela crescente desconfiança nas instituições, governar com proximidade pode ser a chave para reconstruir a relação entre cidadão e poder público.

Mais do que um novo desenho administrativo, trata-se de uma nova cultura política, em que o governo deixa de ser um espectador distante e passa a dividir responsabilidade com quem conhece a realidade no detalhe: a própria comunidade.

Se o século XX foi o século da centralização e da burocracia, o século XXI aponta para a colaboração, a transparência e a participação com resultado.

Governar de perto pode não ser apenas uma proposta — pode ser o caminho mais natural para um país que deseja ser mais justo, mais eficiente e, acima de tudo, mais democrático.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

No calor da manhã — o protesto que não se repetiu

 

📷: Luciana Whitaker/Folhapress


Rodrigo apertou os cadarços dos tênis surrados, sentiu o suor começar a formar gotas finas na nuca — era verão carioca e o calor se misturava à urgência que pulsava em seu peito. Vinha de Juiz de Fora, tinha 17 anos, estava de férias na casa de familiares antes de voltar à escola, e carregava dentro de si a chama da indignação que só se acende quando se acredita ser jovem demais para aceitar o mundo como está.

Na noite anterior, a TV mostrara os rostos encapelados de companheiros — secundaristas, operários, jornalistas, sindicalistas — antes da BVRJ; a polícia, a repressão; o grito contra a privatização da PQU. “Petróleo, para os brasileiros!”, “Essa fábrica não se vende!”, “Não à entrega do patrimônio nacional!”. Rodrigo dormiu mal, com o som das buzinas, sirenes e vozes no ouvido. Ele queria estar lá.

De manhã, após tomar o café preparado por sua avó, pegou um ônibus da linha 422 rumo ao Centro do Rio — a mistura de empolgação e nervosismo formava um nó na garganta. Imaginou faixas tremulando ao vento, gente cantando, pedindo direitos, segurando cartazes com tinta borrada de esperança. Quando chegou à porta da antiga BVRJ, porém, apenas silêncio. O portão estava fechado. A rua parecia normal — gente apressada, comércio abrindo, três ou quatro guardas conversando de costas para o prédio. Nem sombra de cartaz. Nem rastro de angústia ou convicção coletiva.

Rodrigo engoliu o desapontamento. Uma parte dele esperava a repetição do rabioso dia anterior; outra parte, conformou-se. “Talvez o ato tenha acabado — ou atracado em outro lugar.” Respirou fundo. O calor dava vertigem.

Foi quando os viu: dois jornalistas encardidos, com gravadores e câmeras — luzes brutas, microfones apontados. Uma delas se aproximou com tom de voz grave:

— Você é o único manifestante? — perguntou, já ligando a câmera.

Rodrigo ergueu os olhos. Estava sozinho. Por um instante, sentiu vergonha — e ao mesmo tempo, uma estranha determinação floresceu dentro dele. Não estava ali apenas para a multidão: ele estava ali para si mesmo, para sua consciência juvenil, para a inquietação que latejava.

— Sim — disse, com firmeza — Vim acreditando que haveria protesto hoje. Quero ser parte dessa luta.

A câmera clicou. A sirene distante de um carro de polícia. O vento trazia um ruído abafado de buzinas e o tilintar de garrafas passando por mãos apressadas. Rodrigo olhou para o prédio — as janelas espelhadas, o concreto ao sol forte — e por um segundo acreditou em cada grito que ouvira na noite anterior.

No fundo da mente, voltou à imagem de Barbosa Lima Sobrinho — a voz forte, o punho levantado nas páginas dos jornais, denunciando a “entrega do patrimônio nacional”, chamando a população ao despertar. A lembrança de sua combativa coerência, seu olhar altivo e incisivo, lhe deu força. Imaginou-o falando, naquele andar mais alto: “Não permitiremos que vendam nosso futuro como se fosse mercadoria”. E pensou também em Leonel de Moura Brizola — na época governador do estado do Rio no último ano de seu segundo mandato, que estava deixando rastros de escolas, de políticas sociais e educação pública, embora o país seguisse uma onda neoliberal que vendia suas estatais a pleno vapor após o impeachment de Fernando Collor.

Rodrigo ficou ali. A câmera gravava. O silêncio ao redor era espesso — o tipo de silêncio que cala multidões, mas revela coragens. Sem cartaz, sem bandeira, sozinho.

Ele pensou: “Se não há ato, farei o meu.” E permaneceu, imóvel, sob o sol, como figura isolada de resistência.


Anos depois — memória, mudança e convicção

Hoje, mais de 30 anos depois, Rodrigo revisita aquela manhã. Ao longe, os prédios da antiga BVRJ foram transformados, o país mudou, a PQU deixou de ser estatal. A economia se abriu, novos atores privados chegaram — o Brasil buscou modernizar-se. Com a maturidade, ele aprendeu a ver nuances, balanços positivos, transformações necessárias. Ele, que jovem sonhara com protestos de massas, compreende que a privatização trouxe para alguns setores investimentos, reestruturação, talvez eficiência.

Contudo, de pé diante da memória, Rodrigo não tem arrependimentos. Ele honra aquele instante — o momento em que, sozinho, levantou sua voz contra a indiferença, quando preferiu estar presente a seguir como espectador. A câmera gravou um “protesto solitário”, mas para ele foi a confirmação de uma verdade: que todo ato de consciência, mesmo isolado, é legítimo.

Ele sorri — não por nostalgia, mas por reconhecimento. Reconhecimento da própria juventude, da própria coragem, da própria autonomia.

E conclui, com serenidade: fez o que devia fazer, guiado por uma chama interior. E essa chama, mesmo acesa em solidão, nunca se apagou.


📝 Nota Informativa



Barbosa Lima Sobrinho (foto) nasceu em 22 de janeiro de 1897, no Recife. Formado em Direito, em 1917, cedo enveredou para o jornalismo, integrando veículos como o Jornal do Brasil. Trabalhou como redator político e editor-chefe, mantendo-se ativo durante décadas. Presidiu a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) por longos períodos — de 1926‑27, 1930‑32, e novamente entre 1974 a 1977 e 1978 a 2000. Foi um incansável defensor da soberania nacional, dos direitos democráticos, e um crítico ferrenho das privatizações indiscriminadas: na década de 1990, quando o país vivia a onda de vendas de estatais, Barbosa se posicionou publicamente contra essa política, denunciando o que considerava “entrega” do patrimônio público.

Já a Petroquímica União (PQU) foi uma empresa estatal brasileira do setor petroquímico que, no início dos anos 1990, tornou-se alvo do programa de privatizações do governo federal. O leilão que a alienou ocorreu no contexto de venda massiva de estatais, em busca de modernização e capital privado para investimentos. A venda visava abrir o seu capital, transferir controle para um consórcio ou investidores privados, e desligar o Estado das operações industriais da empresa. No longo prazo, para muitos analistas e para o mercado, essa desestatização representa um marco de reestruturação econômica brasileira — ainda que, na época, suscitasse resistências, críticas e intensos debates sobre soberania nacional, emprego, controle social e passivos ambientais.

Quanto a Leonel de Moura Brizola — de fato, em janeiro de 1994 ele era o governador do estado do Rio de Janeiro: exerceu seu segundo mandato de 15 de março de 1991 até 2 de abril de 1994.

Finalmente, em relação à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro — BVRJ — foi uma das mais antigas instituições de mercado de capitais do Brasil, criada ainda no século XIX. Por décadas, concentrou boa parte das negociações de títulos e ações, especialmente no século XX. Porém, a partir da década de 1970, perdeu relevância para a bolsa de São Paulo; após sucessivas crises e queda no volume de negócios, teve seu pregão de ações encerrado em 2000. Em 2002, a BVRJ foi formalmente incorporada pela BM&F, e as negociações de ações passaram a ser centralizadas na B3 (via fusões e consolidações do mercado financeiro). Hoje, seu prédio histórico permanece como símbolo da antiga BVRJ — e, embora a instituição esteja extinta como praça de pregão, ocasionalmente retorna à memória pública quando se discute a retomada de uma bolsa no Rio de Janeiro. Recentemente (2024), foi aprovada lei municipal que visa criar — ou reativar — uma nova bolsa de valores para a cidade, mas esta nova instituição será distinta, embora carregue a simbologia da antiga BVRJ. 

A prisão que embaralha o tabuleiro político do Rio

 


A deflagração da operação que levou à prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, adiciona não apenas um capítulo à longa série de turbulências institucionais do estado, mas inaugura um período de absoluta incerteza política, capaz de alterar tanto o clima na Guanabara quanto o tabuleiro eleitoral rumo a 2026.

Historicamente, o Rio de Janeiro convive com instabilidade envolvendo seus governadores — já foram mais de uma dezena afastados, presos ou cassados direta ou indiretamente desde a redemocratização — porém o epicentro dessa vez não está no Executivo, e sim no núcleo de articulação do Legislativo, que vinha sustentando politicamente o Palácio.

Se a prisão se consolidar, o processo de sucessão interna da ALERJ passa a ser decisivo. Uma demora na articulação para substituição pode produzir um vácuo de poder interpretado de diferentes formas: para alguns, oportunidade de reorganização; para outros, risco de paralisia institucional e insegurança jurídica.


A sucessão e o tabuleiro de Castro

O governo Cláudio Castro enfrenta seus próprios dilemas, inclusive um processo sob análise no Tribunal Superior Eleitoral que, caso avance, pode alterar completamente o quadro. A interdependência entre Palácio Guanabara e ALERJ era sustentada por um arranjo político construído nos últimos anos.

Com a detenção do presidente da Casa, o sistema de contrapeso vira incerteza. O que era base, vira dúvida. O que era aliança, vira cálculo.

Os interlocutores do governador tendem a defender a tese da continuidade por preservação institucional: “prende-se o indivíduo, mantém-se o acordo”. Mas política real não se move apenas por fidelidades discursivas — ela se move por projeção de poder.

E o poder, neste momento, está oscilando.


E como isso impacta as eleições de 2026?

A crise abre espaço para reconfigurações narrativas. Os grupos situacionistas tentarão incorporar o discurso de normalidade institucional: “nada muda, o sistema funciona”.

Já setores que se colocam como alternativa tendem a explorar a exaustão pública com esquemas, delações, operações e prisões que se repetem como uma liturgia da política fluminense.

É inegável que esse momento pode favorecer quem já estava em vantagem nas pesquisas pelo simples fato de que os holofotes tendem a se voltar para o Executivo e suas soluções. Entretanto, a crise nunca é monopólio de um polo ideológico — ela se torna ambiente fértil tanto para quem já lidera quanto para quem precisa demonstrar que o modelo todo está esgotado.

Para a chamada “política tradicional”, a estratégia costuma ser minimizar: “Fato isolado, seguimos em frente”.

Para quem se opõe ao arranjo Bacelar-Castro, o discurso poderá se intensificar: “não são peças, é a estrutura”.


O Rio de Janeiro diante de sua encruzilhada

O Rio vive a contradição de ser um estado com potência econômica, cultural e geográfica — e, ao mesmo tempo, com governabilidade fragilizada pela captura de interesses, pela dependência de acordos e pela reincidência das mesmas práticas que atravessam partidos, governos e décadas.

Se o presidente da ALERJ é preso, se o governador é julgado, se as bases se rearranjam sem a sociedade ser ouvida, o problema deixa de ser momentâneo para se tornar sistêmico.

E aqui a narrativa não é apenas sobre a queda de um, mas sobre a insistência de um modelo que opera como se tudo fosse negociável — exceto a transformação.

A crise atual expõe mais uma vez o que a população fluminense já sente na pele: não se trata de trocar nomes, mas de enfrentar o pacto de poder que produz essas crises em sequência, como se fossem eventos naturais.

Talvez a verdadeira pergunta para os próximos dias não seja quem assume, mas quem consegue representar um projeto que não dependa desse ciclo. Quem não trate a corrupção como um defeito individual, mas como uma consequência de um sistema fechado, oligárquico e blindado à participação real.

O Rio de Janeiro só romperá esse ciclo quando surgir — ou quando se fortalecer — uma alternativa que enfrente o que está por trás do enredo, e não apenas seus personagens.

Porque, se a política segue como palco, o povo continua como plateia.
E já passou da hora de substituir o roteiro, e não só os atores.

Por que apoio a criação do Parque Natural Municipal do Mangue de Itacuruçá?



Mesmo não tendo participado da audiência pública realizada em 18 de novembro, sinto-me na obrigação, como cidadão, de manifestar o meu apoio público à criação do Parque Natural Municipal do Mangue de Itacuruçá. 

A proteção formal dos manguezais de Itacuruçá não é apenas uma medida local: é um passo necessário para preservar serviços ambientais essenciais, proteger modos de vida tradicionais e fortalecer a vocação turística da nossa Costa Verde.

Os manguezais são ecossistemas costeiros únicos — berçários de peixes e crustáceos, filtros naturais da água, amortecedores de tempestades e sumidouros de carbono. Sua importância ecológica e socioeconômica está bem documentada por órgãos oficiais e estudos especializados; proteger essas áreas equivale a proteger a segurança alimentar, a pesca artesanal e a resiliência das comunidades costeiras.

A iniciativa da Prefeitura de Mangaratiba, que promoveu uma consulta pública em Itacuruçá como etapa do processo de criação do parque, é exatamente o tipo de política participativa que queremos ver ampliada: estudos técnicos, diálogo com moradores e aproveitamento do conhecimento local para um plano de manejo justo e eficaz. Essa transparência e esse diálogo são fundamentais para harmonizar conservação e uso sustentável.

Não podemos esquecer que o Brasil já sofreu historicamente com a supressão da vegetação costeira — restinga e manguezais foram e são alvo de ocupações, aterros e obras irregulares — o que provocou perda de biodiversidade, erosão e problemas de qualidade de água. Recuperar e proteger o que resta da vegetação costeira é, portanto, também uma reparação ambiental e um investimento em futuro.

Além do valor natural, Mangaratiba e toda a Costa Verde têm uma vocação turística consolidada: praias, ilhas, Mata Atlântica remanescente e patrimônios culturais que atraem visitantes do Brasil e do exterior. 

Vale acrescentar também que a criação do Parque do Mangue de Itacuruçá pode ser um motor de turismo sustentável — com trilhas regulamentadas, observação de aves, educação ambiental e turismo de base comunitária — que valorize o patrimônio natural em vez de degradá-lo. A própria política turística do estado reconhece a Costa Verde como região de alto valor natural e turístico.

É legítimo sonhar alto: se Angra dos Reis e Paraty foram reconhecidas pela UNESCO como sítio misto — cultura e natureza — por sua excepcional combinação de patrimônio histórico e áreas naturais, por que não avançarmos para que Mangaratiba e sua costa também sejam tratados, regionalmente, como patrimônio natural de valor internacional? Essa ambição exige planejamento, investimento em saneamento e proteção conjunta dos ecossistemas costeiros, mas está alinhada com aquilo que a região já oferece em termos de biodiversidade e atração turística.

Por fim, apoio a criação do Parque porque é uma ferramenta prática: uma Unidade de Conservação bem desenhada possibilita fiscalização, educação ambiental, pesquisa científica e arranjos de governança que incluam os pescadores e moradores locais — permitindo que a conservação caminhe junto com a dignidade do trabalho tradicional. Apoio a proposta mesmo não tendo ido à audiência; estarei atento às próximas etapas e me comprometo a apoiar iniciativas que garantam recursos, fiscalização e participação social.

Se você também se preocupa com o futuro de Itacuruçá, compartilhe esta mensagem e acompanhe os canais oficiais da Prefeitura para participar das próximas etapas da consulta pública. Preservar o mangue é preservar nossa identidade, nossa alimentação e nosso futuro econômico — é escolher desenvolvimento com responsabilidade ambiental.


📷: Foto divulgada no portal da Prefeitura de Mangaratiba na internet.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Bicentenário do nascimento de D. Pedro II

 


No dia 2 de dezembro de 1825, nascia no Paço Imperial de São Cristóvão — no Rio de Janeiro do Brasil-Império — o príncipe que viria a se tornar D. Pedro II. Filho de D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina de Áustria, o menino trazia no berço os nomes e as expectativas de uma nação jovem, ainda em formação. Quando seu pai abdicou em 1831, com apenas cinco anos de idade, Pedro foi proclamado herdeiro — assumindo a coroa, de fato, pouco tempo depois, por um golpe político que antecipou sua maioridade.

Entretanto, não é a cerimônia monárquica que desejo celebrar aqui — e sim o que aquele nascimento simbolizou: o começo de uma história no Brasil marcada por transformações profundas, modernização e alguma ambição de progresso. Mesmo para quem, hoje, vê no republicanismo um caminho de justiça e igualdade, avanço este que não abro mão, é possível reconhecer que o Brasil sob Pedro II colheu frutos estruturais importantes.


📈 O Brasil se ergueu — politicamente e economicamente

Sob o reinado de D. Pedro II, abriu-se uma era relativamente longa de estabilidade política e institucional, notável no contexto latino-americano da época. A economia brasileira, centrada na agroexportação, encontrou no café seu grande motor: o produto se consolidou como principal item de exportação nacional, impulsionando um crescimento vigoroso. Esse dinamismo econômico permitiu a ampliação das receitas públicas, a emergência de novas elites e o surgimento de classes médias urbanas — um alicerce para o Brasil emergente.

Para permitir que a economia se expandisse e o país se integrasse de fato — não apenas geograficamente, mas institucionalmente —, foram traçadas ferrovias, melhorados portos, instaladas linhas telegráficas e fomentada a infraestrutura de transportes e comunicação. A malha ferroviária, os correios, os telégrafos, os portos — todos esses elementos técnicos e logísticos constituíram a base de um Brasil conectado e mais moderno, um Brasil disposto a romper com a imobilidade colonial e atrasada.


🏫 Cultura, ciência e ideias: a aposta num Brasil de futuro

D. Pedro II era, acima de tudo, um homem erudito. Desde muito jovem, foi preparado para reinar com uma educação ampla — artes, línguas, ciências, humanidades — e, ao longo do reinado, manteve vivo esse espírito de curiosidade e aprendizado. Sob seu patrocínio, o Brasil ampliou investimentos em educação, cultura e ciência — sinais de uma nação que buscava mais do que lucros imediatos: buscava alma, identidade, progressos civilizatórios.

Esse empenho contribuiu para tornar o país menos atrasado em termos relativos, elevando a aspiração coletiva, valorizando idéias, incentivando debates, ciências e artes. Mesmo que a alfabetização permanecesse limitada, iniciativas e instituições educacionais floresceram — um passo (ainda que pequeno) rumo a um Brasil mais letrado, culto, menos dependente exclusivamente da lógica agrária.


⚖️ Escravidão, imigração e os limites de um tempo — com ganhos sociais e contradições

Durante o reinado de D. Pedro II, começou um processo, ainda que lento e imperfeito, de desmonte da escravidão no Brasil. A importação de novos escravos foi formalmente proibida em 1850 com a Lei Eusébio de Queirós, assinada sob o governo imperial. Depois vieram outras leis progressistas — a Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885) — até a abolição definitiva, ainda que sob regência de sua filha, com a Lei Áurea (1888).

Embora muitos críticos justos apontem os limites dessa transição — a demora, a resistência da elite agrária, as injustiças sociais herdadas —, esse conjunto de medidas representa uma guinada moral e histórica: o Brasil começou a se aproximar de um ideal de liberdade, dignidade e direitos humanos. Para um republicano consciente, há grande valor simbólico e real em ver esse país inaugurando a era da liberdade formal, mesmo que a igualdade concreta ainda estivesse distante.

Além disso — para suprir a força de trabalho e seguir com a economia cafeeira — o país passou a incentivar a imigração europeia, integrando novos povos, culturas e realidades ao solo brasileiro. Isso contribuiu também para a formação de uma sociedade mais diversa, plural e aberta a transformações.


🌎 Um Brasil que se projetava — na diplomacia, na geopolítica, no reconhecimento internacional

Durante o Segundo Reinado, o Brasil não foi uma colônia desacreditada, mas um ator emergente no concerto das nações. Sob Pedro II, o país viveu momentos difíceis — como a Guerra do Paraguai (1864–1870) — mas também demonstrou capacidade militar, diplomática e administrativa. A consolidação das fronteiras, a modernização das forças armadas, o esforço por manter a unidade nacional em um contexto continental turbulento… tudo isso contribuiu para que o Brasil começasse a entrar no século XX não mais como um território fragmentado ou periférico, mas como uma nação com pretensões, ambições e identidade.


🤔 Um legado para a República — reconhecimento dos avanços e superação das contradições

Hoje, vivendo sob a forma republicana, podemos olhar para o nascimento e o reinado de D. Pedro II com olhar crítico — reconhecendo contradições, injustiças e os limites da monarquia. Mas também com gratidão histórica: muitos dos alicerces institucionais, econômicos, culturais e sociais do Brasil contemporâneo foram lançados ou refinados nesse período.

O Brasil que se imaginava durante aquele reinado — diverso, conectado, voltado para a educação e o progresso — não foi um paraíso, mas foi um terreno fértil. Daquelas ferrovias que cruzavam o país aos diálogos científicos e culturais fomentados nos salões, dos riscos de guerra à ousadia diplomática, da lenta abolição à entrada de imigrantes, forjou-se uma nação complexa, plural, em construção.

Que possamos, como republicanos, reconhecer os méritos do passado — não por nostalgia fácil, mas com consciência histórica — e levar adiante os valores de liberdade, justiça social e desenvolvimento civilizatório, honrando aqueles esforços, corrigindo suas falhas e olhando sempre rumo ao futuro.


📷: Retrato de D. Pedro II, feito em 1875, por Delfim da Câmara (1834 - 1916), quando o monarca tinha 49 anos.

Eleições Gerais de 1945 — 80 anos de um marco para a democracia brasileira


Registro de eleitores em fila para votar em São Paulo


Em 2 de dezembro de 1945, o Brasil viveu um de seus momentos mais emblemáticos: as primeiras eleições gerais realizadas sob os princípios da democracia, com voto popular, livre organização partidária, disputa multipartidária e fiscalização judicial. Essas eleições — para presidente da República, senadores e deputados — são consideradas por historiadores como o início da verdadeira experiência democrática no país.


O contexto: Fim do autoritarismo e pressões por liberdade

Nos anos anteriores, o país vivia o regime conhecido como Estado Novo — instaurado em 1937 por Getúlio Vargas, que dissolveu o Congresso, extinguiu os partidos, suspendeu a Justiça Eleitoral e fechou o sistema institucional de representação popular.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o repúdio global aos regimes autoritários, cresceu no Brasil a pressão por retorno ao regime democrático. Representantes das Forças Armadas, preocupados com a permanência de Vargas no poder, promoveram sua deposição em 29 de outubro de 1945 — golpe que restabeleceu condições para eleições livres. O governo foi assumido interinamente por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, encarregado de conduzir o pleito.

Poucos dias antes, o governo — já acuado — havia assinado a Lei Constitucional nº 9/1945 e o Decreto‑Lei nº 7.586/45 — restauração da Justiça Eleitoral e abertura ao multipartidarismo, fundamentais para tornar o pleito de dezembro viável e legítimo.


O pleito de 1945: Eleições e resultados

No dia 2 de dezembro, milhões de brasileiros — homens e mulheres — foram às urnas. Pelo voto secreto e sob a supervisão da Justiça Eleitoral, escolheram o presidente da República e os membros do Congresso Nacional.

O vencedor da disputa presidencial foi Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD), que recebeu 3 251 507 votos.

Além disso, a nova configuração partidária — fruto da redemocratização — incluiu diversas legendas, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o União Democrática Nacional (UDN), o Partido Comunista entre outros — demonstrando pluralidade de ideias e a representarão de diferentes setores da sociedade.


O significado histórico: recomeço da democracia e esperança coletiva

Para historiadores e analistas políticos, as eleições de 1945 representaram mais do que a simples escolha de governantes: inauguraram a chamada Quarta República Brasileira, um período de experiência democrática que duraria até 1964. A nova Constituição promulgada em 1946 refletiu os valores liberais e democráticos emergentes, e restabeleceu os direitos políticos, a pluralidade partidária e o poder de representação popular.

Esse pleito também simbolizou o reingresso do cidadão brasileiro no centro da vida política do país: pela primeira vez, com liberdade de escolha real, multipartidarismo, voto secreto e participação mais ampla. A expectativa de muitos era de que o Brasil finalmente encontrasse um caminho de paz, justiça e participação popular — valores que continuam a fundamentar nossa democracia.


Por que celebramos 80 anos depois

Hoje, ao completar 80 anos desde aquele 2 de dezembro de 1945, é válido recordar o quão caro foi reconquistar o direito ao voto e à representação. Esse marco histórico nos lembra que a democracia não é algo garantido — é fruto de lutas, rupturas e escolhas coletivas.

Celebrar essa data é reafirmar nossa responsabilidade como cidadãos: de defender instituições, garantir participação, valorizar a pluralidade e cultivar o respeito à vontade popular. Em tempos de polarizações e tensões, lembrar o passado fortalece nossa consciência de que a democracia brasileira tem raízes profundas — e que depende continuamente de nós para sobreviver e se consolidar.

Além de 5 bilhões de anos



O laboratório era silencioso, exceto pelo zumbido do núcleo quântico. Entre fios luminosos e painéis flutuantes, Dra. Mara Liang e Dr. Joren Kael ajustavam a última calibragem da máquina de tempo. Não era apenas uma máquina — era a ponte para o futuro, para eras que nenhum humano jamais ousara imaginar.

— Pronta? — perguntou Joren, os olhos brilhando de ansiedade.
— Pronta — respondeu Mara, respirando fundo. — Nosso destino… é 5 bilhões de anos.

Um toque no painel, uma explosão de luz azul e eles se viram catapultados através do tempo. Cada segundo que passava era um milhão de anos comprimido, o universo se desenrolando à velocidade da mente.


Era 1: O futuro próximo (10 milhões de anos)


Primeiro, a Terra ainda era reconhecível. As florestas tropicais cobriam continentes que começavam a se unir novamente em um supercontinente chamado Amasia. Os oceanos se reorganizavam, criando mares longos e estreitos. Mara olhou para Joren:

— Olha… as marés são mais fracas. A Lua se afastou tanto que mal toca os oceanos.
— E os dias… — disse Joren, observando o céu. — Estão mais longos. Quase 25 horas.

Pequenos grupos humanos, descendentes dos nossos tempos, haviam aprendido a viver em harmonia com os novos ciclos. Mas Mara sabia que isso era apenas o começo.


Era 2: 500 milhões de anos


A Terra já não era mais a de hoje. Os continentes se fundiram em uma massa única, e vastos desertos ocupavam o interior. Mara e Joren apareceram no topo de uma montanha que antes fora oceano, agora seca, rachada pelo calor intenso.

No horizonte, torres de cidades humanas se erguiam como pequenos oasis de tecnologia. A humanidade havia se adaptado: estufas gigantes, cidades subterrâneas e luz artificial controlando os ciclos de sono.

— A civilização ainda existe — murmurou Joren. — Mas parece… fragmentada.
— Cada ramo evoluiu de forma diferente — respondeu Mara. — Humanos adaptados à gravidade intensa, humanos biomecânicos… talvez até inteligências digitais independentes.

A diversidade era impressionante, mas a unidade estava fragmentada.


Era 3: 1 bilhão de anos


O calor do Sol já se fazia sentir. Os oceanos evaporaram, e a superfície da Terra estava coberta por desertos radioativos. Mara e Joren flutuavam dentro de um habitat orbital, uma esfera de vidro e titânio protegida por escudos solares.

— A Terra está moribunda — disse Joren. — Não há mais água líquida, nenhum sinal de vida complexa.
— Mas olhe — disse Mara, apontando para as órbitas externas. — Humanos sobrevivem. Colonizaram luas geladas, planetas distantes, sistemas binários. A vida continua… só que fora do planeta.

Eles viram habitats artificiais gigantes, cidades flutuantes orbitando estrelas moribundas, e naves cruzando lentamente para outros sistemas. A humanidade havia se tornado civilização galáctica, dispersa e resiliente.


Era 4: 4,5 bilhões de anos


O Sol estava prestes a engolir a Terra. Mara e Joren observaram o núcleo da estrela crescendo, expandindo-se em uma gigantesca bola de fogo. A Terra, agora apenas um esqueleto de rochas secas, brilhava sob o fogo do Sol.

— É… o fim da Terra — disse Joren, em silêncio.
— E o começo do resto — disse Mara, com um sorriso triste. — A humanidade está em sistemas distantes, galáxias próximas, espalhada por estrelas que ainda brilharão por bilhões de anos.

No espaço, eles viram civilizações humanas entrelaçadas com inteligências artificiais, sondas autorreplicantes viajando para sistemas vizinhos, e naves intergalácticas partindo em direção a Andrômeda.

— Somos pequenos — disse Joren. — Mas sobrevivemos.


Era 5: 5 bilhões de anos


Eles se aproximaram do ponto final da viagem: a Terra não existia mais como mundo habitável. Mas, olhando para a galáxia, viram uma civilização espalhada entre milhares de sistemas, vivendo e prosperando longe da morte do Sol.

Mara suspirou:
— Não é mais a Terra… mas somos nós.
— Somos o último sol da humanidade — disse Joren, olhando as estrelas. — E o primeiro de muitos futuros.

A máquina de tempo cessou seu zumbido. Eles haviam testemunhado o fim e a eternidade. A galáxia era agora o lar da humanidade, e o futuro não tinha limites.


PARTE II: O JULGAMENTO DOS VIAJANTES


Quando Mara Liang e Joren Kael foram encontrados, eles flutuavam entre as colunas de energia de uma nave autônoma que patrulhava os limites do setor Orión Extremo. Seus trajes de proteção temporal ainda brilhavam com o resíduo da passagem pelos éons, e os sensores avançados registraram algo que nenhuma inteligência da galáxia havia visto antes: humanos do início da expansão planetária.

Eles foram imediatamente transportados para a Estação de Detenção Interestelar nº 42, orbitando uma estrela morta no sistema de Epsilon Eridani. Pouco tempo depois, receberam a notificação: seriam processados pela Quarta Turma Julgadora do 1° Tribunal Galáctico, por violarem o Pacto Interestelar, que proíbe viagens temporais não autorizadas.

— Nós… não sabíamos da lei — disse Mara, olhando para Joren, que mantinha a calma, apesar do impacto do anúncio.

— Sabíamos que isso poderia acontecer… — respondeu ele, mas havia uma centelha de esperança.


1. A Corte se reúne


A Quarta Turma Julgadora consistia de cinco juízes lendários:


1. Desembargador-presidente Callen Vorath — conhecido pela interpretação rígida da lei galáctica.

2. Juíza Lyra Tenebris — especialista em ética temporal e jurisprudência cósmica.

3. Juiz Arkon Drel — veterano em disputas interplanetárias.

4. Juíza Nivara Solen — defensora da preservação de espécies e ecossistemas alienígenas.

5. Juiz Thales Vryn — rigoroso e pragmático, com ampla experiência em colonização estelar.

O promotor era uma IA avançada chamada Xerion-9, programada para argumentar com lógica impecável e ausência total de empatia:

> “Mara Liang e Joren Kael violaram o Pacto Interestelar. Não importa a intenção. O tempo é lei. A sociedade galáctica exige punição.”

O advogado dativo, nomeado pelo desembargador Vorath, era Dr. Kael Rynn, um renomado especialista em direito temporal e ética intergaláctica.


2. O julgamento


O caso tornou-se um fenômeno midiático: transmissões via rádio, hologramas e fluxos neurais conectaram milhões de cidadãos da galáxia para assistir. Cientistas desejavam estudar os dois viajantes, para compreender como humanos do passado primitivo sobreviveram em eras tão distantes.

O julgamento começou. Kael Rynn levantou-se:

— Meritíssimos, meus clientes iniciaram sua viagem há mais de dois milênios antes da instituição do Pacto Interestelar. Prosseguir em sua jornada no futuro distante não pode ser interpretado como desobediência consciente. Eles não tinham como conhecer leis que não existiam.

Xerion-9 replicou com precisão fria:

— Ignorar o Pacto Interestelar, mesmo sem conhecimento prévio, representa risco existencial. O precedente não pode ser ignorado.

Cada juiz pronunciou seu voto, analisando o caso sob perspectivas distintas:

Callen Vorath — “Mesmo sem intenção, o ato existe. Punição é necessária.”

Lyra Tenebris — “A consciência não pode ser um argumento. A lei temporal é absoluta.”

Arkon Drel — “Não há precedente. Mas a sociedade exige proteção contra anomalias temporais.”

Nivara Solen — “Há mérito ético na defesa, mas o risco de alteração da evolução interestelar é real.”

Thales Vryn — “O julgamento deve ser firme para preservar ordem temporal.”

O veredito: condenados.

Mara e Joren foram transportados para a colônia penal de Plutão, orbitando o planeta gelado, enquanto Kael Rynn preparava recurso imediato ao Supremo Tribunal Galáctico.


3. Supremo Tribunal Galáctico


No Supremo, o caso foi julgado pelo ministro Alexander Veyrin, conhecido por sua visão pragmática e compreensão profunda da ética temporal:

— Em momento algum Mara Liang e Joren Kael poderiam ter conhecimento das leis do Pacto Interestelar — declarou Alexander. — Não houve contato temporal possível com a civilização que promulgou as normas.

> Veredito: absolvição unânime.

Os viajantes foram libertos, indenizados por danos temporais e estresse existencial, mas receberam restrição clara: proibido regressar ao passado, sob pena de nova ação legal.


4. Novos caminhos


Diante da liberdade, a galáxia lhes ofereceu duas opções: (i) viver em um planeta semelhante à Terra de 5,2 bilhões de anos atrás, com grandes répteis, mantendo sua responsabilidade de não alterar a evolução natural; (ii) ser professores na Esfera Universitária Joviana, uma estação científica em órbita de Júpiter, transmitindo conhecimento e história da humanidade primitiva para gerações galácticas.

Mara olhou para Joren:

— Você prefere ensinar… ou caminhar entre os gigantes do passado?

— Talvez ambos — respondeu Joren, sorrindo. — Mas, por enquanto, vamos aprender a respeitar o tempo.

E assim, dois humanos do início da expansão planetária receberam uma segunda chance, navegando entre eras e mundos, agora cientes da responsabilidade de preservar a linha temporal e a evolução do universo.