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Conversa com o avô em abril de 2019, Brasília/DF |
Na vida, todos nós somos como passageiros de um trem sem sabermos quando será o nosso desembarque ou de quem está na nossa companhia.
Soube hoje (16/11), através de um recado de minha mãe transmitido no final da noite de ontem, por meio de um áudio no WhatsApp, que o meu avô, Georges, faleceu aos 91 anos na tarde de sexta-feira, estando internado num hospital de San José, capital da Costa Rica.
Infelizmente, a sua saúde não vinha nada bem desde 2022 para cá, pouco antes de se tornar um nonagenário. E, já no final da década passada, ele não demonstrava tanto entusiasmo com a vida, após ter passado dos 80.
Tive o privilégio de ter os meus quatro avós vivos até à idade adulta. O primeiro a partir foi o paterno Sylvio, em maio de 2005, aos 87 anos. Depois, se foram as duas avós Darcília (paterna), aos 89 anos, e Marisa (materna), aos 76, respectivamente em setembro de 2011 e no mês de março de 2012. Ou seja, há mais doze anos não perdia alguém da família que fosse muito próximo.
Com o meu avô Georges, o qual na infância aprendi a chamar de "vovô grego", em razão de sua nacionalidade de origem familiar (embora houvesse nascido no Egito), meus primeiros contatos foram em suas visitas ao Brasil. Aqui ele havia residido durante anos, mas passou a rodar pelo mundo na época em que trabalhou para uma multinacional estrangeira, a SGS.
Depois de morado em tantos lugares pelos continentes europeu, africano e americano, passou cerca de um terço de seu tempo terrestre na Costa Rica. Lá ele desfrutou da aposentadoria, porém vinha regularmente ao Brasil ver as filhas e os netos, assim como também viajava à Grécia enquanto sua irmã ainda era viva.
Se na infância esse avô foi mais uma visita ocasional, recordo que, entre a primeira metade dos anos 90 e até o começo da década passada, chegamos a nos corresponder frequentemente por meio de cartas até os serviços dos Correios de ambos os países ficarem precários quanto à entrega postal. Pela internet, a gente nunca se comunicou, exceto quando ele usou o celular de minha mãe para atender algumas chamadas pelo WhatsApp, pois meu avô jamais aceitou aderir às tecnologias digitais e, pelo que sei, nunca criou sequer uma conta de e-mail e nem chegou a ter smartphone, por motivo de opção própria.
Enquanto a minha mãe morou no Rio de Janeiro até 2014, era lá onde eu o encontrava em suas visitas ao Brasil de uma ou duas vezes por ano, quase sempre em abril, mês do aniversário dela. Costumava hospedar-se num hotel na região da Cinelândia, onde cheguei a vê-lo por algumas vezes saindo cedo daqui de Mangaratiba.
Entretanto, era mais na residência de minha mãe onde a família se reunia, quer tivesse sido quando ela morou em Niterói, até o fim do século XX, ou na casa de vila da avenida Engenheiro Richard, no Grajaú, Zona Norte do Rio. Muitas vezes, costumávamos almoçar em algum restaurante e ele quase sempre tirava um tempinho para dar uma volta com o neto e poder conversar exclusivamente.
Quando mamãe mudou-se para Brasília, em 2015, tivemos alguns encontros na capital federal. Em abril de 2016, fui com a minha esposa Núbia e tia Giselle passar um pouco mais de duas semanas lá. Foi quando comemoramos meu aniversário de 40 anos juntos, ainda em sua companhia antes que retornasse para Costa Rica.
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Parte da foto de abril de 2016, em Brasília |
Recordo que, na ocasião, isto é, há pouco mais de oito meses e meio atrás, a saúde do meu avô estava muito bem. Caminhávamos quase toda manhã pelo Parque Vivencial, ali perto no Lago Norte, e também saíamos todos de carro para passear pela cidade ou almoçar em algum restaurante.
A última vez que estive com o meu avô foi em abril de 2019, também numa visita a Brasília. Ele estava já um pouco curvado, perto de completar os seus 86 anos, porém muito lúcido como sempre esteve, até falar com minha mãe pela última vez no domingo (10/11).
De certo modo, a pandemia contribuiu para interromper o convívio familiar, mas o meu avô ainda retornou ao Brasil umas poucas vezes depois do período de afastamento sanitário. Só não tive foi a oportunidade de vê-lo nestas últimas ocasiões até que, há uns dois anos atrás, ele perdeu a autonomia para se locomover.
Por própria opção, vovô não quis morar com ninguém da família de modo que os seus dois últimos anos foi residindo numa casa de idosos lá mesmo em San José. Quem passou a visitá-lo foi a minha mãe, presente nos seus aniversários de 90 e 91 anos, comemorados em maio.
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Comemoração do aniversário de 91 anos em maio de 2024, Costa Rica |
De certo modo, ela já estava preparada psicologicamente para essa perda, sem saber se veria outra vez o pai num próximo natalício ou quando pudesse voltar à Costa Rica. Aliás, ele já dizia não querer mais estar vivendo aqui neste mundo devido às más condições de saúde.
Mesmo sem ter sido tão presente em minha vida como foram meus outros três avós que partiram antes, posso dizer que mantive contato com esse avô por mais de 40 anos. Aliás, fui o seu primeiro neto e, mesmo milhares de quilômetros distante, fiz parte de mais da metade de sua existência.
Por certo, o trem das nossas vidas terrenas continua seguindo, porém com um passageiro a menos. Passaremos pelas próximas estações sem sabermos quando será o próximo desembarque ou embarque, bem como se algum outro viajante desconhecido do comboio se aproximará de nós fazendo companhia durante o percurso, ou quiçá permaneça até à despedida.
Considerando que a chegada em si é o que, talvez, menos importe, o aprendizado que tenho obtido, ao longo desses meus 48 anos, é que possamos manter o foco na imprevisível e surpreendente viagem da vida.
A seguir, compartilho um texto de Clarice Lispector (1920 - 1977), uma saudosa escritora nascida na Ucrânia, mas que escolheu o Brasil e Rio de Janeiro para viver, reproduzindo aqui a postagem de hoje da minha mãe em seu perfil numa das redes sociais, embora sem nada haver compartilhado acerca do falecimento:
"… Às vezes, a vida nos ensina que as coisas mais preciosas são aquelas que não têm preço.
É o cheiro do café pela manhã, o som suave da chuva batendo na janela, ou o brilho de um pôr do sol que, por um instante, faz o tempo parar.
As coisas mais simples têm uma força silenciosa.
Elas nos lembram que, no meio do caos, o que realmente importa não é aquilo que podemos acumular, mas os momentos que podemos sentir.
A simplicidade guarda em si um tipo de magia.
É na gargalhada sem motivo, na flor que desabrocha no meio do concreto, no abraço apertado de alguém que amamos. São esses detalhes que nos fazem perceber que não precisamos de muito para nos sentirmos completos.
A vida passa depressa, e a beleza está em aprender a desacelerar, a enxergar o que está sempre diante de nós, mas que tantas vezes esquecemos de valorizar.
No final, não são as grandes conquistas que definem nossa história, mas os pequenos gestos, aqueles que talvez ninguém veja, mas que preenchem a alma..."
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Encontro em família no parque do palácio do Catete, Rio, em setembro de 2017 |
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Visita ao Memorial JK, em setembro de 2018, Brasília |
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Refeição de comemoração dos meus 40 anos em abril de 2016, Brasília |
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Em 2011, no Rio de Janeiro, aos 78 anos |
OBS: Georges Nicolas Phanardzis nasceu em 27/05/1933, no Egito. De origem familiar grega, chegou ao nosso país na década de 50 em que se consorciou em primeiras núpcias com Marisa de Albuquerque, com quem gerou dois filhos, Luís Augusto e Myrian. De uma segunda união, teve Giselle. Viveu no Brasil durante por muitos anos e passou as suas últimas décadas de vida na Costa Rica, onde faleceu no dia 15/11/2024, aos 91 anos.