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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Por que apoio a criação do Parque Natural Municipal do Mangue de Itacuruçá?



Mesmo não tendo participado da audiência pública realizada em 18 de novembro, sinto-me na obrigação, como cidadão, de manifestar o meu apoio público à criação do Parque Natural Municipal do Mangue de Itacuruçá. 

A proteção formal dos manguezais de Itacuruçá não é apenas uma medida local: é um passo necessário para preservar serviços ambientais essenciais, proteger modos de vida tradicionais e fortalecer a vocação turística da nossa Costa Verde.

Os manguezais são ecossistemas costeiros únicos — berçários de peixes e crustáceos, filtros naturais da água, amortecedores de tempestades e sumidouros de carbono. Sua importância ecológica e socioeconômica está bem documentada por órgãos oficiais e estudos especializados; proteger essas áreas equivale a proteger a segurança alimentar, a pesca artesanal e a resiliência das comunidades costeiras.

A iniciativa da Prefeitura de Mangaratiba, que promoveu uma consulta pública em Itacuruçá como etapa do processo de criação do parque, é exatamente o tipo de política participativa que queremos ver ampliada: estudos técnicos, diálogo com moradores e aproveitamento do conhecimento local para um plano de manejo justo e eficaz. Essa transparência e esse diálogo são fundamentais para harmonizar conservação e uso sustentável.

Não podemos esquecer que o Brasil já sofreu historicamente com a supressão da vegetação costeira — restinga e manguezais foram e são alvo de ocupações, aterros e obras irregulares — o que provocou perda de biodiversidade, erosão e problemas de qualidade de água. Recuperar e proteger o que resta da vegetação costeira é, portanto, também uma reparação ambiental e um investimento em futuro.

Além do valor natural, Mangaratiba e toda a Costa Verde têm uma vocação turística consolidada: praias, ilhas, Mata Atlântica remanescente e patrimônios culturais que atraem visitantes do Brasil e do exterior. 

Vale acrescentar também que a criação do Parque do Mangue de Itacuruçá pode ser um motor de turismo sustentável — com trilhas regulamentadas, observação de aves, educação ambiental e turismo de base comunitária — que valorize o patrimônio natural em vez de degradá-lo. A própria política turística do estado reconhece a Costa Verde como região de alto valor natural e turístico.

É legítimo sonhar alto: se Angra dos Reis e Paraty foram reconhecidas pela UNESCO como sítio misto — cultura e natureza — por sua excepcional combinação de patrimônio histórico e áreas naturais, por que não avançarmos para que Mangaratiba e sua costa também sejam tratados, regionalmente, como patrimônio natural de valor internacional? Essa ambição exige planejamento, investimento em saneamento e proteção conjunta dos ecossistemas costeiros, mas está alinhada com aquilo que a região já oferece em termos de biodiversidade e atração turística.

Por fim, apoio a criação do Parque porque é uma ferramenta prática: uma Unidade de Conservação bem desenhada possibilita fiscalização, educação ambiental, pesquisa científica e arranjos de governança que incluam os pescadores e moradores locais — permitindo que a conservação caminhe junto com a dignidade do trabalho tradicional. Apoio a proposta mesmo não tendo ido à audiência; estarei atento às próximas etapas e me comprometo a apoiar iniciativas que garantam recursos, fiscalização e participação social.

Se você também se preocupa com o futuro de Itacuruçá, compartilhe esta mensagem e acompanhe os canais oficiais da Prefeitura para participar das próximas etapas da consulta pública. Preservar o mangue é preservar nossa identidade, nossa alimentação e nosso futuro econômico — é escolher desenvolvimento com responsabilidade ambiental.


📷: Foto divulgada no portal da Prefeitura de Mangaratiba na internet.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Bicentenário do nascimento de D. Pedro II

 


No dia 2 de dezembro de 1825, nascia no Paço Imperial de São Cristóvão — no Rio de Janeiro do Brasil-Império — o príncipe que viria a se tornar D. Pedro II. Filho de D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina de Áustria, o menino trazia no berço os nomes e as expectativas de uma nação jovem, ainda em formação. Quando seu pai abdicou em 1831, com apenas cinco anos de idade, Pedro foi proclamado herdeiro — assumindo a coroa, de fato, pouco tempo depois, por um golpe político que antecipou sua maioridade.

Entretanto, não é a cerimônia monárquica que desejo celebrar aqui — e sim o que aquele nascimento simbolizou: o começo de uma história no Brasil marcada por transformações profundas, modernização e alguma ambição de progresso. Mesmo para quem, hoje, vê no republicanismo um caminho de justiça e igualdade, avanço este que não abro mão, é possível reconhecer que o Brasil sob Pedro II colheu frutos estruturais importantes.


📈 O Brasil se ergueu — politicamente e economicamente

Sob o reinado de D. Pedro II, abriu-se uma era relativamente longa de estabilidade política e institucional, notável no contexto latino-americano da época. A economia brasileira, centrada na agroexportação, encontrou no café seu grande motor: o produto se consolidou como principal item de exportação nacional, impulsionando um crescimento vigoroso. Esse dinamismo econômico permitiu a ampliação das receitas públicas, a emergência de novas elites e o surgimento de classes médias urbanas — um alicerce para o Brasil emergente.

Para permitir que a economia se expandisse e o país se integrasse de fato — não apenas geograficamente, mas institucionalmente —, foram traçadas ferrovias, melhorados portos, instaladas linhas telegráficas e fomentada a infraestrutura de transportes e comunicação. A malha ferroviária, os correios, os telégrafos, os portos — todos esses elementos técnicos e logísticos constituíram a base de um Brasil conectado e mais moderno, um Brasil disposto a romper com a imobilidade colonial e atrasada.


🏫 Cultura, ciência e ideias: a aposta num Brasil de futuro

D. Pedro II era, acima de tudo, um homem erudito. Desde muito jovem, foi preparado para reinar com uma educação ampla — artes, línguas, ciências, humanidades — e, ao longo do reinado, manteve vivo esse espírito de curiosidade e aprendizado. Sob seu patrocínio, o Brasil ampliou investimentos em educação, cultura e ciência — sinais de uma nação que buscava mais do que lucros imediatos: buscava alma, identidade, progressos civilizatórios.

Esse empenho contribuiu para tornar o país menos atrasado em termos relativos, elevando a aspiração coletiva, valorizando idéias, incentivando debates, ciências e artes. Mesmo que a alfabetização permanecesse limitada, iniciativas e instituições educacionais floresceram — um passo (ainda que pequeno) rumo a um Brasil mais letrado, culto, menos dependente exclusivamente da lógica agrária.


⚖️ Escravidão, imigração e os limites de um tempo — com ganhos sociais e contradições

Durante o reinado de D. Pedro II, começou um processo, ainda que lento e imperfeito, de desmonte da escravidão no Brasil. A importação de novos escravos foi formalmente proibida em 1850 com a Lei Eusébio de Queirós, assinada sob o governo imperial. Depois vieram outras leis progressistas — a Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885) — até a abolição definitiva, ainda que sob regência de sua filha, com a Lei Áurea (1888).

Embora muitos críticos justos apontem os limites dessa transição — a demora, a resistência da elite agrária, as injustiças sociais herdadas —, esse conjunto de medidas representa uma guinada moral e histórica: o Brasil começou a se aproximar de um ideal de liberdade, dignidade e direitos humanos. Para um republicano consciente, há grande valor simbólico e real em ver esse país inaugurando a era da liberdade formal, mesmo que a igualdade concreta ainda estivesse distante.

Além disso — para suprir a força de trabalho e seguir com a economia cafeeira — o país passou a incentivar a imigração europeia, integrando novos povos, culturas e realidades ao solo brasileiro. Isso contribuiu também para a formação de uma sociedade mais diversa, plural e aberta a transformações.


🌎 Um Brasil que se projetava — na diplomacia, na geopolítica, no reconhecimento internacional

Durante o Segundo Reinado, o Brasil não foi uma colônia desacreditada, mas um ator emergente no concerto das nações. Sob Pedro II, o país viveu momentos difíceis — como a Guerra do Paraguai (1864–1870) — mas também demonstrou capacidade militar, diplomática e administrativa. A consolidação das fronteiras, a modernização das forças armadas, o esforço por manter a unidade nacional em um contexto continental turbulento… tudo isso contribuiu para que o Brasil começasse a entrar no século XX não mais como um território fragmentado ou periférico, mas como uma nação com pretensões, ambições e identidade.


🤔 Um legado para a República — reconhecimento dos avanços e superação das contradições

Hoje, vivendo sob a forma republicana, podemos olhar para o nascimento e o reinado de D. Pedro II com olhar crítico — reconhecendo contradições, injustiças e os limites da monarquia. Mas também com gratidão histórica: muitos dos alicerces institucionais, econômicos, culturais e sociais do Brasil contemporâneo foram lançados ou refinados nesse período.

O Brasil que se imaginava durante aquele reinado — diverso, conectado, voltado para a educação e o progresso — não foi um paraíso, mas foi um terreno fértil. Daquelas ferrovias que cruzavam o país aos diálogos científicos e culturais fomentados nos salões, dos riscos de guerra à ousadia diplomática, da lenta abolição à entrada de imigrantes, forjou-se uma nação complexa, plural, em construção.

Que possamos, como republicanos, reconhecer os méritos do passado — não por nostalgia fácil, mas com consciência histórica — e levar adiante os valores de liberdade, justiça social e desenvolvimento civilizatório, honrando aqueles esforços, corrigindo suas falhas e olhando sempre rumo ao futuro.


📷: Retrato de D. Pedro II, feito em 1875, por Delfim da Câmara (1834 - 1916), quando o monarca tinha 49 anos.

Eleições Gerais de 1945 — 80 anos de um marco para a democracia brasileira


Registro de eleitores em fila para votar em São Paulo


Em 2 de dezembro de 1945, o Brasil viveu um de seus momentos mais emblemáticos: as primeiras eleições gerais realizadas sob os princípios da democracia, com voto popular, livre organização partidária, disputa multipartidária e fiscalização judicial. Essas eleições — para presidente da República, senadores e deputados — são consideradas por historiadores como o início da verdadeira experiência democrática no país.


O contexto: Fim do autoritarismo e pressões por liberdade

Nos anos anteriores, o país vivia o regime conhecido como Estado Novo — instaurado em 1937 por Getúlio Vargas, que dissolveu o Congresso, extinguiu os partidos, suspendeu a Justiça Eleitoral e fechou o sistema institucional de representação popular.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o repúdio global aos regimes autoritários, cresceu no Brasil a pressão por retorno ao regime democrático. Representantes das Forças Armadas, preocupados com a permanência de Vargas no poder, promoveram sua deposição em 29 de outubro de 1945 — golpe que restabeleceu condições para eleições livres. O governo foi assumido interinamente por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, encarregado de conduzir o pleito.

Poucos dias antes, o governo — já acuado — havia assinado a Lei Constitucional nº 9/1945 e o Decreto‑Lei nº 7.586/45 — restauração da Justiça Eleitoral e abertura ao multipartidarismo, fundamentais para tornar o pleito de dezembro viável e legítimo.


O pleito de 1945: Eleições e resultados

No dia 2 de dezembro, milhões de brasileiros — homens e mulheres — foram às urnas. Pelo voto secreto e sob a supervisão da Justiça Eleitoral, escolheram o presidente da República e os membros do Congresso Nacional.

O vencedor da disputa presidencial foi Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD), que recebeu 3 251 507 votos.

Além disso, a nova configuração partidária — fruto da redemocratização — incluiu diversas legendas, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o União Democrática Nacional (UDN), o Partido Comunista entre outros — demonstrando pluralidade de ideias e a representarão de diferentes setores da sociedade.


O significado histórico: recomeço da democracia e esperança coletiva

Para historiadores e analistas políticos, as eleições de 1945 representaram mais do que a simples escolha de governantes: inauguraram a chamada Quarta República Brasileira, um período de experiência democrática que duraria até 1964. A nova Constituição promulgada em 1946 refletiu os valores liberais e democráticos emergentes, e restabeleceu os direitos políticos, a pluralidade partidária e o poder de representação popular.

Esse pleito também simbolizou o reingresso do cidadão brasileiro no centro da vida política do país: pela primeira vez, com liberdade de escolha real, multipartidarismo, voto secreto e participação mais ampla. A expectativa de muitos era de que o Brasil finalmente encontrasse um caminho de paz, justiça e participação popular — valores que continuam a fundamentar nossa democracia.


Por que celebramos 80 anos depois

Hoje, ao completar 80 anos desde aquele 2 de dezembro de 1945, é válido recordar o quão caro foi reconquistar o direito ao voto e à representação. Esse marco histórico nos lembra que a democracia não é algo garantido — é fruto de lutas, rupturas e escolhas coletivas.

Celebrar essa data é reafirmar nossa responsabilidade como cidadãos: de defender instituições, garantir participação, valorizar a pluralidade e cultivar o respeito à vontade popular. Em tempos de polarizações e tensões, lembrar o passado fortalece nossa consciência de que a democracia brasileira tem raízes profundas — e que depende continuamente de nós para sobreviver e se consolidar.

Além de 5 bilhões de anos



O laboratório era silencioso, exceto pelo zumbido do núcleo quântico. Entre fios luminosos e painéis flutuantes, Dra. Mara Liang e Dr. Joren Kael ajustavam a última calibragem da máquina de tempo. Não era apenas uma máquina — era a ponte para o futuro, para eras que nenhum humano jamais ousara imaginar.

— Pronta? — perguntou Joren, os olhos brilhando de ansiedade.
— Pronta — respondeu Mara, respirando fundo. — Nosso destino… é 5 bilhões de anos.

Um toque no painel, uma explosão de luz azul e eles se viram catapultados através do tempo. Cada segundo que passava era um milhão de anos comprimido, o universo se desenrolando à velocidade da mente.


Era 1: O futuro próximo (10 milhões de anos)


Primeiro, a Terra ainda era reconhecível. As florestas tropicais cobriam continentes que começavam a se unir novamente em um supercontinente chamado Amasia. Os oceanos se reorganizavam, criando mares longos e estreitos. Mara olhou para Joren:

— Olha… as marés são mais fracas. A Lua se afastou tanto que mal toca os oceanos.
— E os dias… — disse Joren, observando o céu. — Estão mais longos. Quase 25 horas.

Pequenos grupos humanos, descendentes dos nossos tempos, haviam aprendido a viver em harmonia com os novos ciclos. Mas Mara sabia que isso era apenas o começo.


Era 2: 500 milhões de anos


A Terra já não era mais a de hoje. Os continentes se fundiram em uma massa única, e vastos desertos ocupavam o interior. Mara e Joren apareceram no topo de uma montanha que antes fora oceano, agora seca, rachada pelo calor intenso.

No horizonte, torres de cidades humanas se erguiam como pequenos oasis de tecnologia. A humanidade havia se adaptado: estufas gigantes, cidades subterrâneas e luz artificial controlando os ciclos de sono.

— A civilização ainda existe — murmurou Joren. — Mas parece… fragmentada.
— Cada ramo evoluiu de forma diferente — respondeu Mara. — Humanos adaptados à gravidade intensa, humanos biomecânicos… talvez até inteligências digitais independentes.

A diversidade era impressionante, mas a unidade estava fragmentada.


Era 3: 1 bilhão de anos


O calor do Sol já se fazia sentir. Os oceanos evaporaram, e a superfície da Terra estava coberta por desertos radioativos. Mara e Joren flutuavam dentro de um habitat orbital, uma esfera de vidro e titânio protegida por escudos solares.

— A Terra está moribunda — disse Joren. — Não há mais água líquida, nenhum sinal de vida complexa.
— Mas olhe — disse Mara, apontando para as órbitas externas. — Humanos sobrevivem. Colonizaram luas geladas, planetas distantes, sistemas binários. A vida continua… só que fora do planeta.

Eles viram habitats artificiais gigantes, cidades flutuantes orbitando estrelas moribundas, e naves cruzando lentamente para outros sistemas. A humanidade havia se tornado civilização galáctica, dispersa e resiliente.


Era 4: 4,5 bilhões de anos


O Sol estava prestes a engolir a Terra. Mara e Joren observaram o núcleo da estrela crescendo, expandindo-se em uma gigantesca bola de fogo. A Terra, agora apenas um esqueleto de rochas secas, brilhava sob o fogo do Sol.

— É… o fim da Terra — disse Joren, em silêncio.
— E o começo do resto — disse Mara, com um sorriso triste. — A humanidade está em sistemas distantes, galáxias próximas, espalhada por estrelas que ainda brilharão por bilhões de anos.

No espaço, eles viram civilizações humanas entrelaçadas com inteligências artificiais, sondas autorreplicantes viajando para sistemas vizinhos, e naves intergalácticas partindo em direção a Andrômeda.

— Somos pequenos — disse Joren. — Mas sobrevivemos.


Era 5: 5 bilhões de anos


Eles se aproximaram do ponto final da viagem: a Terra não existia mais como mundo habitável. Mas, olhando para a galáxia, viram uma civilização espalhada entre milhares de sistemas, vivendo e prosperando longe da morte do Sol.

Mara suspirou:
— Não é mais a Terra… mas somos nós.
— Somos o último sol da humanidade — disse Joren, olhando as estrelas. — E o primeiro de muitos futuros.

A máquina de tempo cessou seu zumbido. Eles haviam testemunhado o fim e a eternidade. A galáxia era agora o lar da humanidade, e o futuro não tinha limites.


PARTE II: O JULGAMENTO DOS VIAJANTES


Quando Mara Liang e Joren Kael foram encontrados, eles flutuavam entre as colunas de energia de uma nave autônoma que patrulhava os limites do setor Orión Extremo. Seus trajes de proteção temporal ainda brilhavam com o resíduo da passagem pelos éons, e os sensores avançados registraram algo que nenhuma inteligência da galáxia havia visto antes: humanos do início da expansão planetária.

Eles foram imediatamente transportados para a Estação de Detenção Interestelar nº 42, orbitando uma estrela morta no sistema de Epsilon Eridani. Pouco tempo depois, receberam a notificação: seriam processados pela Quarta Turma Julgadora do 1° Tribunal Galáctico, por violarem o Pacto Interestelar, que proíbe viagens temporais não autorizadas.

— Nós… não sabíamos da lei — disse Mara, olhando para Joren, que mantinha a calma, apesar do impacto do anúncio.

— Sabíamos que isso poderia acontecer… — respondeu ele, mas havia uma centelha de esperança.


1. A Corte se reúne


A Quarta Turma Julgadora consistia de cinco juízes lendários:


1. Desembargador-presidente Callen Vorath — conhecido pela interpretação rígida da lei galáctica.

2. Juíza Lyra Tenebris — especialista em ética temporal e jurisprudência cósmica.

3. Juiz Arkon Drel — veterano em disputas interplanetárias.

4. Juíza Nivara Solen — defensora da preservação de espécies e ecossistemas alienígenas.

5. Juiz Thales Vryn — rigoroso e pragmático, com ampla experiência em colonização estelar.

O promotor era uma IA avançada chamada Xerion-9, programada para argumentar com lógica impecável e ausência total de empatia:

> “Mara Liang e Joren Kael violaram o Pacto Interestelar. Não importa a intenção. O tempo é lei. A sociedade galáctica exige punição.”

O advogado dativo, nomeado pelo desembargador Vorath, era Dr. Kael Rynn, um renomado especialista em direito temporal e ética intergaláctica.


2. O julgamento


O caso tornou-se um fenômeno midiático: transmissões via rádio, hologramas e fluxos neurais conectaram milhões de cidadãos da galáxia para assistir. Cientistas desejavam estudar os dois viajantes, para compreender como humanos do passado primitivo sobreviveram em eras tão distantes.

O julgamento começou. Kael Rynn levantou-se:

— Meritíssimos, meus clientes iniciaram sua viagem há mais de dois milênios antes da instituição do Pacto Interestelar. Prosseguir em sua jornada no futuro distante não pode ser interpretado como desobediência consciente. Eles não tinham como conhecer leis que não existiam.

Xerion-9 replicou com precisão fria:

— Ignorar o Pacto Interestelar, mesmo sem conhecimento prévio, representa risco existencial. O precedente não pode ser ignorado.

Cada juiz pronunciou seu voto, analisando o caso sob perspectivas distintas:

Callen Vorath — “Mesmo sem intenção, o ato existe. Punição é necessária.”

Lyra Tenebris — “A consciência não pode ser um argumento. A lei temporal é absoluta.”

Arkon Drel — “Não há precedente. Mas a sociedade exige proteção contra anomalias temporais.”

Nivara Solen — “Há mérito ético na defesa, mas o risco de alteração da evolução interestelar é real.”

Thales Vryn — “O julgamento deve ser firme para preservar ordem temporal.”

O veredito: condenados.

Mara e Joren foram transportados para a colônia penal de Plutão, orbitando o planeta gelado, enquanto Kael Rynn preparava recurso imediato ao Supremo Tribunal Galáctico.


3. Supremo Tribunal Galáctico


No Supremo, o caso foi julgado pelo ministro Alexander Veyrin, conhecido por sua visão pragmática e compreensão profunda da ética temporal:

— Em momento algum Mara Liang e Joren Kael poderiam ter conhecimento das leis do Pacto Interestelar — declarou Alexander. — Não houve contato temporal possível com a civilização que promulgou as normas.

> Veredito: absolvição unânime.

Os viajantes foram libertos, indenizados por danos temporais e estresse existencial, mas receberam restrição clara: proibido regressar ao passado, sob pena de nova ação legal.


4. Novos caminhos


Diante da liberdade, a galáxia lhes ofereceu duas opções: (i) viver em um planeta semelhante à Terra de 5,2 bilhões de anos atrás, com grandes répteis, mantendo sua responsabilidade de não alterar a evolução natural; (ii) ser professores na Esfera Universitária Joviana, uma estação científica em órbita de Júpiter, transmitindo conhecimento e história da humanidade primitiva para gerações galácticas.

Mara olhou para Joren:

— Você prefere ensinar… ou caminhar entre os gigantes do passado?

— Talvez ambos — respondeu Joren, sorrindo. — Mas, por enquanto, vamos aprender a respeitar o tempo.

E assim, dois humanos do início da expansão planetária receberam uma segunda chance, navegando entre eras e mundos, agora cientes da responsabilidade de preservar a linha temporal e a evolução do universo.

Impeachment impede Witzel de disputar eleição em 2026, apesar de anúncio público

 


O ex-governador Wilson José Witzel voltou a sinalizar publicamente que pretende concorrer ao governo do Rio de Janeiro em 2026, conforme divulgado por veículos de imprensa. A declaração reacendeu o debate sobre sua situação jurídica — e, sobretudo, sobre a viabilidade real de uma eventual candidatura.

Do ponto de vista legal, porém, o cenário é claro: Witzel segue inelegível até 2029 em razão do impeachment aprovado pelo Tribunal Especial Misto em 30 de abril de 2021. A Lei da Ficha Limpa (LC n.° 135/2010), em sua redação atualizada, mantém em oito anos o prazo de inelegibilidade para agentes públicos que perdem o mandato por crimes de responsabilidade ou infrações político-administrativas. Por isso, a contagem se inicia na data da decisão que determinou o afastamento definitivo — no caso, abril de 2021.

Esse entendimento não é novo. Entre 2017 e 2018, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência aplicando o prazo de oito anos mesmo a cassações ocorridas antes da edição da Lei da Ficha Limpa, estendendo seus efeitos a mandatos posteriores. O objetivo era impedir que condenações por ilícitos eleitorais ou político-administrativos continuassem produzindo efeitos apenas formais, sem repercussão prática na elegibilidade.

À luz dessa interpretação, Witzel só recuperará os direitos políticos em 2029, o que inviabiliza qualquer participação no pleito estadual de 2026. A situação não difere, portanto, da eleição de 2022, quando sua candidatura foi impugnada e declarada juridicamente impossível.

Diante desse histórico, a nova manifestação de interesse eleitoral suscita questionamentos: trata-se de um projeto político real ou apenas de um movimento estratégico para recolocar seu nome no debate público? A dúvida se fortalece porque, juridicamente, não há qualquer brecha que permita sua participação na próxima disputa estadual — salvo se o impeachment fosse anulado judicialmente, hipótese que não encontra respaldo no cenário atual.

Enquanto o ex-governador busca espaço na mídia e nas redes, a legislação continua impondo limites objetivos. E, até aqui, eles são incontornáveis, conforme passo a detalhar adiante.


⚖️ A jurisprudência consolidada: a Ficha Limpa vale para “fatos passados”

Desde 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, no julgamento do RE 929670 (Tema 860), que a inelegibilidade de oito anos prevista na Ficha Limpa pode atingir candidatos condenados por abuso de poder eleitoral, mesmo que o fato imputado seja anterior à vigência da lei — desde que a condenação tenha transitado em julgado.

Em outras palavras: não existe “direito adquirido” à elegibilidade com base na antiga lei — a avaliação sempre considera a situação no momento do pedido de registro de candidatura.

Desde então, a jurisprudência eleitoral tem aplicado esse entendimento de modo consistente, reafirmando que a inelegibilidade é condição de elegibilidade, não sanção penal, o que permite sua incidência mesmo sobre condutas pretéritas.


📌 O caso concreto de Mário Tricano (Teresópolis): demonstração prática da aplicação da regra


  • Tricano foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições municipais de 2008. A condenação declarou sua inelegibilidade por 3 anos (na regra antiga), mas com a vigência da Ficha Limpa a inelegibilidade foi estendida para oito anos.
  • Mesmo tendo sido eleito em 2016 para prefeito, o seu registro de candidatura foi impugnado, e, com base na jurisprudência do STF (RE 929670), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve o indeferimento. Foi convocada nova eleição em 2018.
  • Essa decisão demonstra concretamente que a Ficha Limpa — com prazo de 8 anos — pode ser aplicada mesmo em casos em que a condenação precedeu a lei, e mesmo depois da eleição e diplomação do candidato: a inelegibilidade é apurada no momento do registro.


Portanto, o caso Tricano é paradigma prático de que o sistema judicial-eleitoral brasileiro não admite “contas antigas quitadas” como passaporte automático para reeleição ou nova candidatura.


❗ Por que o caso de Witzel se insere no mesmo padrão — e por que sua candidatura em 2026 é juridicamente inviável


  • Witzel foi cassado por impeachment/ perda de mandato — o que, como é pacífico na jurisprudência eleitoral e constitucional, implica inelegibilidade.
  • Com base no precedente do RE 929670 e na interpretação dominante da Ficha Limpa, a inelegibilidade de oito anos deveria contar a partir da decisão de cassação / perda de mandato.
  • Logo, se a perda efetiva do mandato de Witzel ocorreu em abril de 2021, o prazo de inelegibilidade se estenderia até abril de 2029 — bem além do pleito de 2026.
  • Dado o histórico jurisprudencial (como o de Tricano), a Justiça Eleitoral dificilmente admitiria o registro de sua candidatura — e seria coerente o indeferimento, com base no mesmo tipo de fundamentação já usada em casos anteriores.


🎯 Conclusão — O uso do exemplo de Tricano para evidenciar a inviabilidade

O precedente de Mário Tricano e a jurisprudência consolidada do STF mostram que a inelegibilidade por oito anos da Ficha Limpa é aplicada de forma retroativa e rigorosa, sempre que houver condenação ou cassação transitada em julgado.

Se isso valeu para um ex-prefeito de Teresópolis, com dolo eleitoral e decisão de Justiça Eleitoral, não há razão convincente para o TRE e o TSE tratarem diferentemente um ex-governador cassado por impeachment.

Logo, qualquer tentativa de candidatura de Wilson Witzel em 2026 estaria juridicamente fadada ao indeferimento pois qualquer adversário poderia requerer em cinco dias a impugnação do seu registro. 

Assim sendo, suponho que a mera intenção, nesse contexto, parece mais um gesto de autopromoção política do que um plano eleitoral com viabilidade real.


📷: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Quando o céu ficou verde...

 


Um conto sobre como seria nos dias atuais o novo Evento Carrington ocorrido em 1859...


I – O DIA EM QUE OS CELULARES SILENCIARAM


Era 17 de agosto de 2026, uma segunda-feira abafada no Rio de Janeiro, quando o mundo começou a estranhar coisas pequenas.


Nada grandioso, a princípio — apenas notificações que demoravam a carregar, vídeos que travavam, mensagens que não saíam do lugar.


Na casa dos Oliveira, a família de quatro pessoas começava a manhã como qualquer outra no bairro de Campo Grande, na Zona Oeste carioca.


João, 42 anos, analista de sistemas, tentava enviar um relatório para o seu chefe.


Ana, 40, professora de história, fazia café enquanto ouvia o rádio chiando.


Lívia, 16, reclamava que o Instagram não atualizava.


Pedro, 10, tentava assistir a um desenho, mas o streaming não conectava.


Às 10h47, o rádio da cozinha finalmente ganhou clareza suficiente para transmitir algo inteligível.


— “Interrompemos a programação… uma intensa tempestade solar está atingindo a Terra. Recomenda-se desligar equipamentos eletrônicos…”


O som oscilou, distorceu e desapareceu.


João franziu o cenho.


— Deve ser exagero. Isso já aconteceu antes.


Mas não daquele jeito.


Às 11h14, todos os celulares da casa apagaram mesmo com bateria cheia.

Às 11h20, a luz fez dois estalos secos e se foi.

Às 11h22, o mundo virou silêncio.


II – A TARDE EM QUE O CÉU FICOU VERDE


O calor pesava sem ventiladores e sem ar-condicionado. O bairro inteiro saiu às ruas. No céu, algo que ninguém esperava: faixas de luz verde e violeta tremulando como cortinas fantasmagóricas.


— Parece aurora boreal… mas aqui? — murmurou Ana.


As pessoas gravavam com celulares mortos, como se quisessem registrar um milagre. Outros, porém, gritavam:


— É o Apocalipse! É a ira de Deus!

— O mundo está acabando!

— As profecias se cumprem!


Nas ruas do calçadão de Campo Grande, pequenos grupos rezavam alto, outros discutiam, motoristas buzinavam presos no trânsito por semáforos apagados.


Às 17h, os jornais impressos distribuídos às pressas traziam a primeira manchete:


“EVENTO SOLAR SEM PRECEDENTES ATINGE A TERRA — PREVISÕES DE SEMANAS DE INSTABILIDADE”


João sentiu um frio no estômago.


— Se os transformadores queimaram… vamos ficar sem luz por muito tempo.


A noite foi um breu como não se via desde os apagões dos anos 2000.

Sem Wi-Fi, sem 4G, sem TV.

Uma família sentada à luz de velas, ouvindo o próprio silêncio.


Pedro perguntou:


— Pai… O que a gente faz agora?


João respondeu com o que tinha:


— A gente espera. Juntos.


III – A PRIMEIRA SEMANA: FILAS, FALTA DE NOTÍCIAS E A REALIDADE CRUA


Os dias seguintes foram um lento desmoronar da rotina moderna.


1. Bancos e dinheiro


Com os sistemas fora do ar, as agências abriram apenas para saques limitados. As filas dobravam quarteirões.


João passou 4 horas sob o sol até finalmente pegar R$ 300, o máximo permitido.


— Isso não dá nem para uma semana, pensou.


2. Mercados


Sem máquinas de cartão, o comércio só aceitava dinheiro físico. Prateleiras de água, arroz e enlatados começaram a esvaziar.


3. Internet


Só funcionava em trechos curtos e esporádicos, como um fantasma que aparecia e sumia.


A manchete do jornal de papel no terceiro dia dizia:


“SATÉLITES EM MODO DE SEGURANÇA — PREVISÃO DE SEMANAS PARA NORMALIZAÇÃO”


4. Serviços públicos


Nas repartições, caos.


Sem computadores.


Sem sistemas.


Sem atendimento.


Ana, professora, recebeu aviso escrito à mão: “Aulas suspensas por tempo indeterminado.”


5. Fanatismo nas ruas


Enquanto a energia não voltava, grupos cada vez maiores caminhavam com cartazes:


— O FIM ESTÁ PRÓXIMO!

— A LUZ DO CÉU É UM SINAL!

— BRINCARAM COM DEUS NO CARNAVAL E OLHA SÓ O RESULTADO!


Ana observava preocupada.


— Esses momentos sempre trazem gente assim…


João completava:


— É medo. O medo cria profetas...


IV – O RETROCESSO TECNOLÓGICO E AS ADAPTAÇÕES


Com os dias passando, as famílias começaram a improvisar.


A casa dos Oliveira voltou a práticas antigas:


- cozinhavam no fogão a gás, economizando o pouco que restava;

- guardavam água em baldes;

- anotavam gastos em caderninhos;

- usavam velas e lanternas;

-conversavam mais.


Certo dia, Ana colocou um livro nas mãos de Lívia.


— Já que a internet não volta… tenta esse aqui.


Era “O Sol é Para Todos”.


Lívia começou relutante, mas foi tomada pela história. Em poucas horas, estava absorvida.


Pedro passou a brincar na rua com crianças do bairro, como nos anos 90. E João e Ana passaram a caminhar juntos no fim da tarde, conversando sobre a vida que tinham esquecido de viver.


Sem a torrente infinita de notificações, era como se o mundo tivesse diminuído a velocidade.


V – NOTÍCIAS DOS JORNAIS: O PROGRESSO LENTO


Ao longo das semanas, as manchetes se sucediam:


“Rede elétrica do Sul do país ainda apagada”

“Mercados internacionais entram em colapso: bolsas fechadas por falta de conectividade”

“Recorde de auroras em latitudes tropicais continua”

“Especialistas falam em 6 meses para recuperação total dos satélites de comunicação”


No entanto, a vida encontrava rotas alternativas:


- Rádio a pilha virou tesouro.

- Mensageiros de bicicleta reapareceram.

- Feiras de troca cresceram.

- Igrejas organizaram distribuição de comida.

- Bibliotecas improvisadas surgiram em praças.

- Pessoas mais velhas voltaram a se corresponder por meio de cartas.


VI – UM RAIO DE LUZ


No 32º dia desde a tempestade, às 21h14, a lâmpada da sala dos Oliveira piscou. Estava fraca e tremida, porém viva.


A família inteira correu para a sala.


— Voltou! — gritou Pedro.


— Nem acredito! — chorou Lívia.


A energia veio por alguns minutos e caiu. Nos dias seguintes, voltou em ciclos irregulares, mas era o sinal de que o pior havia passado.


A internet? Essa só voltaria semanas depois, lenta, instável e capenga.


Quando finalmente o serviço da operadora de telecomunicações retornou plenamente, João abriu o celular… e o deixou na mesa.


— Estranho...


— O quê? — perguntou Ana.


— Senti que não preciso mais dele o tempo todo.


Ana sorriu.


— Talvez tenha sido isso que essa tempestade veio ensinar.


Eles se abraçaram enquanto o céu noite afora ainda guardava resquícios distantes de verde e roxo.


Afinal, o mundo não tinha acabado. Apenas tinha aprendido a respirar de novo.


VII – EPÍLOGO


Meses depois, quando tudo se normalizou, os jornais publicaram balanços duros:


- trilhões em prejuízos;

- satélites perdidos;

- apagões históricos;

- colapso temporário de mercados;

- semanas de caos urbano.


Entretanto, os noticiários também mostraram algo inesperado:


- O maior aumento de empréstimos de livros desde 1990.

- O renascimento de clubes de leitura.

- O aumento na convivência familiar medida por pesquisas sociológicas.


João, Ana, Lívia e Pedro não esqueceram essa experiência. Na estante, mantiveram uma caixa com velas, um rádio a pilha, cadernos, livros e um bilhete escrito por todos:


“Na próxima tempestade solar, lembre-se: o que salva é a nossa luz interior.”


📝Nota de Esclarecimento Histórico

O evento solar descrito neste conto é inspirado no Evento Carrington, a maior tempestade geomagnética já registrada pela humanidade. Ele ocorreu entre 28 de agosto e 2 de setembro de 1859, tendo seu pico observado em 1º de setembro, quando o astrônomo britânico Richard Carrington testemunhou uma intensa explosão solar acompanhada de uma ejeção de massa coronal extremamente veloz.

Cerca de 17 horas depois, a onda de partículas carregadas atingiu a Terra com força inédita, produzindo auroras intensas visíveis até em baixas latitudes, como Cuba, Havaí e o norte da América do Sul. Os sistemas de telégrafo, a tecnologia de comunicação mais avançada da época, sofreram danos severos: cabos superaqueceram, faíscas surgiram, alguns equipamentos chegaram a pegar fogo e operadores relataram choques elétricos. Em diversas regiões, os telégrafos continuaram funcionando mesmo desligados, devido às correntes induzidas pela tempestade.

Embora a sociedade de 1859 fosse pouco dependente de eletricidade, o fenômeno deixou claro o potencial destrutivo de uma tempestade solar dessa magnitude. Hoje, com nossa grande dependência de satélites, redes elétricas e sistemas digitais, eventos desse tipo são monitorados constantemente por agências espaciais, pois um novo episódio semelhante poderia causar transtornos muito maiores do que os observados no século XIX.

Terrenos Urbanos Abandonados e o Direito à Cidade: Por que o Município deve poder utilizá-los de forma temporária



O abandono de terrenos urbanos sem muro, sem cerca e sem manutenção adequada é um problema cada vez mais presente no cotidiano das cidades brasileiras. Esses espaços, deixados à própria sorte, tornam-se verdadeiros pontos de descarte irregular de entulho, lixo e restos de poda. A consequência direta é o aumento de vetores de doenças, proliferação de insetos, degradação ambiental e insegurança para a população.

Diante desse cenário, compartilho no final do artigo a minuta sugestiva de uma proposta legislativa que autoriza o Município a ocupar, utilizar e manter temporariamente terrenos urbanos desprotegidos e abandonados, após devida notificação ao proprietário. Trata-se de uma ideia que não apenas se harmoniza com a legislação vigente, como também concretiza princípios constitucionais fundamentais.


A função social da propriedade: um dever constitucional

A Constituição Federal é clara: a propriedade urbana deve cumprir sua função social (art. 5º, XXIII, e art. 182). Isso significa que o direito de propriedade não é absoluto; ele está condicionado ao interesse coletivo e às necessidades da vida urbana.

Um terreno abandonado, sem cerca, acumulando lixo e trazendo risco à vizinhança, não cumpre função social alguma. Pelo contrário, viola o direito à saúde, à segurança e ao meio ambiente equilibrado — todos igualmente protegidos pela Constituição.

Portanto, permitir que o Município intervenha temporariamente para garantir limpeza e uso adequado não é invasão de propriedade, mas concretização de um comando constitucional.


O Estatuto da Cidade respalda a medida

O Estatuto da Cidade (Lei Federal n.° 10.257/2001), que regulamenta a política urbana no Brasil, reafirma que:


  • o uso do solo deve favorecer o bem coletivo;
  • o Município tem instrumentos para garantir que imóveis urbanos ociosos ou sem função sejam integrados ao interesse público;
  • o planejamento urbano deve prevenir degradação ambiental, riscos sanitários e desordem urbana.


A proposta de lei municipal que autoriza o uso temporário de terrenos urbanos abandonados está em perfeita sintonia com esses dispositivos. Inclusive, o Estatuto prevê mecanismos mais duros — como o IPTU progressivo e a desapropriação sancionatória. Em comparação, o uso temporário é uma medida muito mais moderada e proporcional, limitada no tempo e condicionada ao interesse público imediato.


Princípios jurídicos que embasam a iniciativa

A proposta se apoia em diversos princípios fundamentais do direito administrativo e urbanístico, entre eles:

1. Princípio da função social da propriedade: O interesse coletivo prevalece quando a propriedade causa danos à coletividade.

2. Princípio da supremacia do interesse público: O Município tem o dever de agir para proteger a saúde pública, o meio ambiente e a ordem urbana.

3. Princípio da prevenção: A Administração deve evitar que situações de risco — como terrenos que acumulam lixo ou servem de criadouro para vetores — se agravem.

4. Princípio da legalidade e proporcionalidade: A medida é legal, baseada em autorização legislativa, e proporcional, já que prevê notificação prévia e preservação do direito de propriedade, permitindo a retomada a qualquer momento pelo dono.

5. Princípio da eficiência: É irracional que o Município gaste recursos constantemente para limpar áreas privadas abandonadas, sem possibilidade de responsabilizar o proprietário. A lei resolve isso ao permitir rateio dos custos e o uso adequado do espaço.


Benefícios diretos para a população

A autorização para uso temporário de terrenos urbanos abandonados traria diversos benefícios concretos:


  • redução de pontos de descarte irregular;
  • diminuição da proliferação de insetos e vetores de doenças;
  • maior sensação de segurança nos bairros;
  • possibilidade de transformar áreas ociosas em hortas comunitárias, jardins, espaços de convivência ou estacionamentos provisórios;
  • economia de recursos públicos pela cobrança dos custos ao proprietário negligente.


Ou seja: ganha a cidade, ganha o meio ambiente e ganha o interesse coletivo.


Uma medida moderna e alinhada ao direito urbanístico

Diversas cidades brasileiras e estrangeiras já discutem ou implementam políticas semelhantes, pois compreenderam que o espaço urbano abandonado é sinônimo de retrocesso. O município contemporâneo exige dinamismo, cuidado e responsabilidade compartilhada.

A sugestão de proposta de lei não retira a propriedade de ninguém! Apenas garante que, quando o proprietário não cumpre seu dever mínimo de manter o terreno fechado e limpo, o Município possa agir em defesa da saúde e do ambiente urbano.


Conclusão: uma legislação necessária e legítima

Em tempos de crescente urbanização e desafios ambientais, o poder público não pode ficar de mãos atadas. A Constituição, o Estatuto da Cidade e os princípios jurídicos dão suporte claro e inequívoco à adoção dessa medida.

Permitir ao Município ocupar e utilizar temporariamente terrenos urbanos não murados ou abandonados não é apenas legal — é necessário. É uma resposta equilibrada, moderna e socialmente responsável.

Mais que uma proposta legislativa, é um passo em direção a uma cidade mais humana, mais limpa e mais segura.


MINUTA DE PROJETO DE LEI MUNICIPAL

A seguir apresento uma minuta simples de projeto legislativo que serve como ponto de partida para um debate nas cidades brasileiras.


Ementa: Autoriza o Município a ocupar, utilizar, limpar e manter terrenos localizados na zona urbana que se encontrem sem cercamento, sem muro, sem manutenção ou em estado de abandono, visando prevenir o descarte irregular de resíduos, promover a saúde pública e garantir a função social da propriedade.


Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a ocupar, utilizar, limpar e manter, de forma temporária, terrenos urbanos privados que se encontrem:

I – sem cercamento ou muro;

II – sem manutenção adequada, caracterizados por acúmulo de entulho, lixo, restos de poda ou outros materiais;

III – em situação de abandono, entendida como ausência de uso, ocupação ou conservação pelo proprietário;

IV – em condição de risco à saúde pública, ao meio ambiente ou à segurança da população.


Art. 2º - Antes da ocupação ou intervenção, o Município deverá proceder a abertura de processo administrativo e notificar o proprietário, o espólio, ou os herdeiros, na firma prevista em lei, concedendo prazo mínimo de 15 (quinze) dias para que cumpra a sua obrigação de cercar, limpar ou manter o imóvel, sendo obrigatório lavrar auto de vistoria demonstrando o estado de abandono ou ausência de manutenção.

Parágrafo Único - Não sendo identificado o proprietário, deverá ser publicado edital de chamamento, com prazo mínimo de 15 dias.


Art. 3º - Decorrido o prazo sem manifestação ou providência do proprietário, o Município poderá, por razões de interesse público, adotar as seguintes medidas:

I – realizar limpeza, capina, retirada de lixo, resíduos e galhadas;

II – instalar cercamento provisório, placa de advertência e controle de acesso;

III – utilizar o espaço para finalidades públicas temporárias, tais como:

a) jardinagem ou arborização;

b) horta comunitária;

c) área de convivência;

d) ponto de apoio operacional;

e) estacionamento público provisório;

f) outras atividades de interesse social previamente justificadas.


Art. 4º - As despesas decorrentes das intervenções realizadas pelo Município serão lançadas ao proprietário na forma de preço público, incluindo:

I – custos de limpeza;

II – remoção e destinação de resíduos;

III – cercamento provisório;

IV – manutenção de uso temporário;

V – demais despesas necessárias para preservar a função social do imóvel.

§1º - O não pagamento das despesas autoriza a inscrição do valor em Dívida Ativa.

§2º - O Município poderá celebrar convênios ou parcerias com associações de moradores, cooperativas ou organizações sociais para o uso temporário da área.


Art. 5º - O uso temporário não transfere a propriedade nem implica desapropriação, mantendo-se todos os direitos do proprietário, que poderá requerer a retomada do imóvel a qualquer tempo, desde que:

I – assuma integralmente sua manutenção;

II – apresente projeto de uso conforme a função social da propriedade;

III – arque com eventuais valores pendentes junto ao Município.


Art. 6º - Caberá ao órgão municipal competente, criar, manter e atualizar o cadastro municipal de terrenos abandonados ou sem manutenção, contendo endereço, situação, providências adotadas e custos, devendo a listagem ser divulgada no portal eletrônico da Prefeitura na internet.


Art. 7º - Esta Lei será regulamentada pelo Poder Executivo no prazo de 60 (sessenta) dias, definindo procedimentos, modelos de notificação e critérios técnicos de vistoria.


Art. 8º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.