O tempo, no Direito Eleitoral, não é apenas uma contagem de dias ou meses. Ele influencia a confiança das pessoas nas instituições, ajuda a criar estabilidade política e, quando se prolonga excessivamente, pode gerar dúvidas e insegurança. Por isso, revisitar a história de um processo importante não significa reabrir disputas, mas ajudar a sociedade a compreender o que está em jogo e quais valores constitucionais motivaram aquele debate.
No caso de Itaguaí, ainda nas eleições de 2024, já existia uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) proposta por pessoas e instituições que a lei expressamente autoriza a ajuizar esse tipo de ação. Em paralelo a isso, atuei como advogado e cidadão, apresentando uma notícia de inelegibilidade — que é um instrumento diferente da AIRC.
Esse esclarecimento é importante. A notícia de inelegibilidade é um direito de qualquer cidadão. Ela não é uma ação judicial, nem substitui o papel das partes legitimadas. Trata-se de um meio pelo qual o cidadão pode informar a Justiça Eleitoral sobre fatos ou situações que, em tese, podem contrariar as regras constitucionais e legais sobre quem pode ou não concorrer a um cargo eletivo. Ao fazer isso, o cidadão colabora com o funcionamento do sistema democrático, sem assumir protagonismo no processo.
Foi exatamente nesse espírito que apresentei a notícia de inelegibilidade: não para iniciar o processo, mas para acrescentar argumentos e reflexões jurídicas a um debate que já estava em curso, sempre dentro das regras do devido processo legal e do respeito às instituições.
Desde o início, o ponto central da discussão foi a possibilidade — ou não — de um terceiro mandato consecutivo. Mais do que uma questão formal sobre reeleição, o debate envolve um princípio essencial da República: a alternância de poder. A Constituição não busca apenas evitar repetições automáticas de mandatos no papel; ela pretende impedir que o poder político se concentre por tempo excessivo nas mesmas mãos, especialmente quando afastamentos, reconduções ou arranjos institucionais acabam produzindo continuidade prática sob aparência de mudança.
Esses argumentos foram expostos publicamente em textos anteriores neste blogue e também apresentados de forma técnica nos autos do processo. A ideia central sempre foi simples: a alternância de poder precisa ser real, e não apenas formal. Quando exceções se tornam permanentes, corre-se o risco de esvaziar o sentido republicano das regras eleitorais.
Com o andamento do caso, a discussão superou a primeira instância e chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Atualmente, o processo encontra-se no TSE, já analisado pelas instâncias anteriores, com manifestações das partes legitimadas e do Ministério Público Eleitoral, e com os recursos cabíveis apresentados. Do ponto de vista processual, trata-se de um processo maduro, que aguarda uma decisão definitiva sobre o mérito.
É natural que, durante esse percurso, surjam referências a decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas relacionados, como reeleição, continuidade administrativa e limites temporais do exercício do poder. Essas decisões são relevantes e merecem respeito, pois ajudam a orientar a interpretação da Constituição.
No entanto, decisões judiciais não se aplicam automaticamente a todos os casos. Cada situação precisa ser analisada à luz de sua realidade concreta. No caso de Itaguaí, não se discute apenas uma reeleição comum, mas uma trajetória específica de exercício do poder político, marcada por afastamentos e reconduções, que levanta dúvidas legítimas sobre a preservação efetiva da alternância de poder.
Em termos simples: não basta olhar apenas para a regra geral; é preciso examinar como ela se aplica à história concreta do caso. Generalizações não substituem a análise cuidadosa das circunstâncias reais.
Passado um tempo significativo desde o início da AIRC, o que se espera — independentemente de qual venha a ser o resultado — é uma decisão clara, bem fundamentada e compreensível para a sociedade. A previsibilidade democrática não significa escolher um lado, mas garantir que as decisões sejam tomadas com transparência, coerência e respeito aos princípios republicanos.
Este texto não tem o objetivo de pressionar tribunais nem antecipar conclusões. Ele busca, sobretudo, registrar a memória democrática de um processo que vai além de interesses individuais e reafirmar que a participação cidadã, quando exercida de forma responsável e dentro da legalidade, é parte essencial do Estado de Direito.
Quando o TSE proferir sua decisão, ela não resolverá apenas um caso específico. Ela também contribuirá para definir como a alternância de poder será compreendida e aplicada nos municípios brasileiros. É por isso que o tempo importa — e que a memória institucional, longe de ser um incômodo, é um elemento necessário para a democracia.









