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sábado, 15 de março de 2025

Comemoramos hoje o dia do consumidor, porém ainda há muito o que ser feito para promover a dignidade dos mais vulneráveis



Hoje, 15/03, é comemorado mundialmente o Dia do Consumidor, uma data que foi instituída já exatos 63 anos, a partir de um discurso proferido pelo então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, em 15 de março de 1962. Na ocasião, ele destacou a importância da proteção dos direitos dos consumidores.

Fato é que a necessidade de estabelecer uma política de defesa do consumidor se deu a partir dos anos 1950, com o surgimento da sociedade de massas, com a adoção dos contratos padronizados, visando melhor atender um processo de produção e de consumo em largas escalas. Logo, não demorou para que, dentro de algumas décadas, as legislações dos países fossem aperfeiçoadas para prevenir e reprimir abusos nas relações de consumo, buscando garantir mais segurança/qualidade aos produtos e serviços ofertados pelas empresas.

Seguindo essa evolução histórica, a nossa Carta Cidadã de 1988 previu de modo expresso a defesa do consumidor no inciso XXXII do seu artigo 5º, quando o constituinte originário dispôs que: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". E, para tanto, foi criado, há quase 35 anos atrás, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que é a Lei Federal n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Vale acrescentar que, juntamente com a legislação especificamente voltada para a proteção do consumidor, temos os órgãos de representação do consumidor, a exemplo dos Procons e da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), sem jamais excluir a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário tanto para tratamento das demandas individuais como das coletivas. E, neste sentido, além das associações consumeristas possuírem legitimidade para o uso de tais remédios processuais, existem também órgãos específicos do Ministério Público e da Defensoria Pública voltados para esse tipo de atuação na forma prevista pela Lei Federal n.º 7.347/1985, podendo promover a ação civil pública em face de empresas que violam direitos quando a lesão atinge uma coletividade.

Eu diria que, nessas últimas três décadas e meia, o Brasil experimentou significativos avanços na defesa do consumidor, porém tal proteção ainda não pode ser considerada completa e nem satisfatória. Principalmente quando tratamos dos grupos mais vulneráveis da sociedade que são as pessoas de situação econômica humilde, muitas das vezes mal informadas, com poucas oportunidades de lutar pelos seus direitos devido às condicionantes do cotidiano nas quais esses consumidores vivem.

Desde segunda até sexta-feira, acompanhei a Semana do Consumidor aqui em Mangaratiba que foi promovida pela Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor (SEDCON) em parceria com o nosso Procon Municipal. Foram cinco dias de atendimento ao público voltados para a renegociação de dívidas, com a presença de representantes das concessionárias ENEL e CEDAE, que são as campeãs de reclamações aqui na cidade por serem responsáveis pelos serviços de distribuição de energia elétrica e de abastecimento de água, respectivamente.



No caso da ENEL, a antiga AMPLA, cujo serviço é péssimo na nossa região (com frequentes quedas e oscilações de energia causando prejuízos aos consumidores), tenho notado uma conduta flagrantemente abusiva quando se trata da cobrança de débitos pretéritos já alcançados pela prescrição quinquenal. Pessoas com dívidas antigas com a companhia e que precisam solicitar uma ligação nova em outro imóvel, sentem-se praticamente obrigadas a negociar o parcelamento desses débitos se quiserem resolver o problema administrativamente, sem ingressar no Judiciário. Mesmo num mutirão de negociações como foi na Semana do Consumidor, o máximo que a empresa concedia era o afastamento das multas, dos juros e da correção monetária sendo que vi pessoas procurando o Procon mesmo conscientes de que a dívida já se encontrava prescrita apenas porque precisavam resolver algo para poderem usar o serviço.

Consultando a jurisprudência dos tribunais estaduais, podemos observar que há tempos o Judiciário entende que a religação de uma unidade consumidora e a transferência de titularidade não podem ser condicionadas ao pagamento de dívidas pretéritas, o que constitui uma prática abusiva. E, embora as concessionárias pareçam já compreender e aceitar o entendimento firmado pelo STJ acerca da natureza pessoal da obrigação quanto ao pagamento das contas de consumo (não se trata de uma dívida do imóvel), o mesmo não ocorre quanto à prescrição.

Como se sabe, a prescrição é um instituto jurídico que visa regular a perda do direito de acionar judicialmente a outra parte. É certo que o transcurso do prazo prescricional não extingue o direito que seria reclamado através do ajuizamento de uma ação, porém é abusivo uma concessionária que fornece um serviço essencial negar o fornecimento de energia elétrica por causa de um débito pretérito.

Data venia, infelizmente a Justiça entende há tempos ser possível uma suspensão no fornecimento de energia diante de débitos contemporâneos. Porém, quando se tratam de débitos pretéritos, vejo como uma grande covardia a retomada do serviço ser condicionada ao pagamento da integralidade da dívida como vem permitindo a Aneel através da sua Resolução Normativa n.º 1.000/2021.

Ora, para a agência reguladora, a interrupção do serviço por inadimplemento não caracteriza descontinuidade, desde que haja prévia notificação (inciso III do parágrafo 3º do art. 4º da Resolução), sendo que tal situação pode impedir uma nova celebração contratual (parágrafo 3º do art. 170 da RN). Só que, se o Código de Defesa do Consumidor não permite que o nome do devedor permaneça nos órgãos de proteção ao crédito, como o Serasa, por mais de cinco anos após o vencimento da dívida, menor razão possui a concessionária de energia elétrica em condicionar a contratação do serviço para fins residenciais à renegociação de uma dívida já prescrita com a companhia.

Enfim, essa é a dura realidade do cotidiano dos consumidores mais vulneráveis. Trata-se de algo que, a meu ver, é bem mais preocupante do que ser impedido de ingressar numa sala de cinema comendo a pipoca comprada em outro local, enfrentar restrições para se arrepender de compras feitas pela internet quando relacionadas a produtos de amplo conhecimento, ou encontrar dificuldades para ser compensado financeiramente diante do atraso de um voo no aeroporto.

Mais do que nunca é preciso que não somente os órgãos de defesa do consumidor nas esferas administrativa e judicial atuem com mais firmeza em face das empresas concessionárias prestadoras de serviços essenciais como também a nossa legislação seja atualizada a fim de contemplar situações capazes de, efetivamente, lesionar uma família inteira, gerando exclusões absurdas. 

Um feliz dia do consumidor a todas e todos. E que possamos, de forma consciente, buscar a defesa e o aperfeiçoamento dos nossos direitos.



Desde já, uma ótima semana!

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