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sábado, 23 de setembro de 2023

Sendo entrevistado neste sábado por um estudante de Direito



Em dezembro, completarei 19 anos de formado sendo que, há 20 anos, mais precisamente no segundo semestre de 2003, iniciei o meu projeto de monografia na área de Direito Administrativo, o qual tinha por objetivo defender uma descentralização administrativa territorial dos municípios brasileiros que assegurasse mais democracia e participação social.


Recordo o quanto batalhei pela realização do trabalho o qual, pela primeira vez, fez com que eu me sentisse de fato um estudante de graduação, embora já estivesse nos últimos períodos do curso. Na época, eu era estudante do campus de Nova Friburgo da Universidade Estácio de Sá e umas das exigências aos alunos era que, além da citação bibliográfica de livros de doutrina jurídica, a monografia fosse enriquecida com entrevistas.


Confesso que não foi nada fácil na época conseguir profissionais que se disponibilizassem, mas consegui que gentilmente me atendessem o advogado e então dirigente do PSB de Nova Friburgo, Dr. Carlos Alberto Braga, o professor e então procurador geral do Município de Nova Friburgo, Dr. Guilherme Reis, e o então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Dr. César Maia, neste caso através de e-mail. Só a parte textual do meu trabalho acabou chegando a cerca de 90 laudas feitas com muito gosto porque se tratava de um assunto que eu queria na época convencer à sociedade como uma alternativa ao emancipacionismo dos municípios e proporcionar às comunidades distritais uma vivência mais democrática da gestão pública.


O tempo passou e raras vezes retornei ao meio acadêmico sendo que apenas em duas ocasiões recordo ter dado palestras em faculdades. Uma delas foi em maio de 2012, sobre História do Direito, em que estive no campus de Nova Friburgo da Universidade Cândido Mendes e o título da minha apresentação foi As leis do antigo oriente próximo e alguns aspectos comparativos entre o direito hebraico e o direito mesopotâmico, tendo sido mediado pela professora e historiadora Janaína Botelho no terceiro dia da "Semana Acadêmica", evento registrado numa das matérias do jornal local A Voz da Serra (clique AQUI para ler). Depois daquela experiência muito bem sucedida, retornei ao meio acadêmico uma década depois, mais precisamente em agosto de 2022, quando fui convidado pelo advogado e coordenador do curso de Direito da unidade de Santa Cruz do Centro Universitário CBM-UniCBE, Dr. Rodrigo Amaral, para falar sobre Direito Eleitoral, ocasião em que abordei o polêmico e atualíssimo tema sobre as fake news (clique AQUI para ler a postagem na qual registrei esta última experiência).


Nesta semana, porém, um amigo que é servidor público da Prefeitura de Mangaratiba me solicitou para que concedesse uma entrevista a um estudante de Direito que também é funcionário da Administração Municipal e o atendi via o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, tendo o mesmo me enviado cinco perguntas. E, por tê-las achado bem interessantes para debater e responder, resolvi então compartilhar aqui no blogue.


1- O advogado criminalista só defende bandidos? 

Resposta: Não necessariamente o advogado criminalista defenderá "bandido" ou o acusado em processo criminal, o qual poderá ser culpado ou inocente diante de um fato típico e ilícito. Sua atuação poderá se dar na defesa da vítima, por exemplo. Poderá, ainda, ser o representante de ONGs de defesa dos direitos humanos ou de alguma outra entidade da sociedade civil que queira acompanhar a atuação estatal dentro da área criminal. Vislumbro também a possibilidade desse profissional atuar como um consultor jurídico.


2- Como o doutor faz para separar a questão da ética profissional dos seus conceitos pessoais quando defende um cliente? 

Resposta: Considero que cada ser humano possui os seus valores pessoais e que a minha visão ética não será necessariamente a do cliente, nem a da outra parte. No campo do direito criminal, por exemplo , entendo que todos têm direito à defesa e que, independente do que o réu ou o acusado teria feito, se ele está enfrentando um processo judicial, necessitará de um profissional do Direito que o acompanhe a fim de promover a defesa de seus interesses e evitar injustiças quanto a um cerceamento, um abuso de autoridade ou um tratamento desumano. Em nenhum momento, o ser humano enquanto acusado, réu ou apenado, deixa de ter seus direitos. Ademais, vejo o processo judicial como uma provocação que dá o direito de parcialidade ao réu. Quem tem o dever de imparcialidade é o juiz! E a quem caberá provar o suposto fato ilícito é o denunciante, no caso do Ministério Público, ou o querelante, que seria a vítima quando for hipótese de ação penal privada. Nossa Constituição consagra o princípio da ampla defesa e isso permite ao réu tanto o direito de se calar como até de mentir.


3- Quais as suas estratégias para a captação de clientes? 

Resposta: Não adoto estratégias específicas para captação de clientes. No entanto, dentro das esferas em que atuo, costumo me manifestar debatendo publicamente os assuntos, o que muitas vezes acaba repercutindo numa procura posterior de clientes pela prestação de serviços. Entretanto, tenho observado que existe uma tendência atual dos advogados criarem "produtos" que seriam serviços bem determinados para um tipo correspondente de demanda e, através disso, eles buscam meios tecnológicos de facilitar o contato através das redes sociais para seus números telefônicos habilitados em aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp ou o Telegram. Por exemplo, postam um vídeo no YouTube ou no Instagram e o interessado clica num "botão" que o direciona para uma página do escritório na internet, ou num ambiente direto para falar com o advogado.


4- O Doutor considera que as decisões judiciais estariam distantes da realidade da maioria do povo brasileiro? 

Resposta: Nas últimas décadas, tenho observado a tendência das decisões judiciais se aproximando da realidade da população e considero que o estudo da sociologia e que um "controle social indireto" pela divulgação ampla das decisões graças à internet contribuem para isso. O Brasil pós-Constituição de 1988 foi evoluindo no sentido de tornar o Judiciário mais próximo do cidadão comum tendo sido a criação dos Juizados Especiais uma busca de atendimento a esse objetivo. Entretanto, as leis penais até hoje são retrógradas e divorciadas dessa realidade de modo que as decisões judiciais se condicionam até certo ponto aos limites estreitos da legislação infraconstitucional. Veja, por exemplo, a questão das drogas e a definição de usuário que vêm sendo debatida no STF. Até hoje a avaliação de quem é usuário ou traficante acaba correndo o risco de ser influenciada por um certo elitismo. Mesmo tendo hoje juízes que vieram de classes sociais mais humildes, não é incomum haver magistrados que desconhecem o cotidiano das periferias das grandes cidades reféns do domínio do crime organizado.


5- Quais conselhos o Doutor daria a quem está iniciando no universo do Direito?

Resposta: Ter objetivos quanto à carreira, estudar sempre, desenvolver valores éticos sólidos, buscar independência econômica para atuar de maneira íntegra no Direito e acompanhar as inovações da tecnologia sem deixar de lado o espírito crítico, o qual deve ser desenvolvido pela reflexão filosófica aplicada.


A meu ver, nós profissionais do Direito deveríamos doar um pouquinho do nosso tempo para ajudar na formação dos futuros bacharéis. Sei o quanto o tempo vai ficando escasso à medida em que as exigências do trabalho começam a nos apertar com o cumprimento de prazos processuais, comunicações com os clientes, atendimentos e cursos voltados para uma etapa posterior à graduação. Porém, nunca devemos nos esquecer de que um dia sentamos nos bancos da sala de aula de uma faculdade e precisamos fazer alguns trabalhos de campo, pesquisas e o exaustivo estágio da disciplina de Prática Jurídica, com a necessidade de elaborar peças processuais, comprovar presença com relatórios em audiências judiciais, nos inscrevermos na OAB, etc.


Desse modo, considero fundamental que nós advogados tenhamos essa disponibilidade e façamos sempre com boa vontade os atendimentos aos estudantes.


Finalmente, sobre os conselhos dados na resposta á última pergunta, compartilho o quanto é bom para o profissional do Direito nunca parar de estudar e nem de exercitar a reflexão, mantendo ao lado a ética. Porém, escrevi sobre algo que muitas das vezes não alcançamos no exercício que é a independência financeira pois é o que a vida tem me ensinado.


Ótima semana a tod@s!

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