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sábado, 22 de abril de 2023

Falando dos tempos de um dos maiores poetas do século XVI e da literatura lusófona aos dias atuais



“Golpes se dão medonhos e forçosos;

Por toda a parte andava acesa a guerra:

Mas o de Luso arnês, couraça e malha

Rompe, corta, desfaz, abola e talha.”

(Os Lusíadas — Batalha de Ourique. Canto III, estrofe 51)


Neste sábado (22/04), o Presidente Lula, durante a primeira viagem à Europa, no exercício de seu terceiro mandato, homenageou com flores o túmulo do imortal poeta Luís Vaz de Camões, o qual viveu entre os anos de 1524 e 1580. O evento cerimonioso ocorreu no Mosteiro de Santa Maria de Belém, mais conhecido como Mosteiro dos Jerónimos, sendo que o nosso governante se fez acompanhar da primeira dama Janja da Silva, após a sua recepção em Lisboa pelo presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa. 


Coincidentemente, a visita de Lula a Portugal ocorre há exatos 523 anos da formalização do "descobrimento" do Brasil, uma terra ainda selvagem mas que, na visão de muitos historiadores, já deveria ser do conhecimento das duas maiores potências globais da época. Isto porque, em 1494, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, um acordo internacional que se antecipou em dividir cerca de seis anos antes as terras "descobertas e por descobrir", tendo em vista a não aceitação da marcação estabelecida pela Bula Inter Cætera, do papa Alexandre VI, datada de 1493.


Se voltarmos ao século XVI, pode-se afirmar que os dias de Camões corresponderam aos tempos dourados do império lusitano. E, embora Portugal tenha uma história que seria pré-romana, quando fenícios e cartagineses estabeleceram os seus contatos com as tribos celtas na Península Ibérica, certo é que os seus quase 900 anos como país independente iniciaram-se somente no século XII até se tornar uma potência mundial com as grandes navegações uns trezentos e cinquenta anos depois.


A maior obra escrita por Camões foi, sem dúvida, Os Lusíadas. Cuida-se de uma poesia épica composta por dez cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos em oitavas decassilábicas, cuja ação central é a descoberta do caminho marítimo para a Índia pelo navegador Vasco da Gama. Em sua epopeia clássica, o autor relata episódios da história portuguesa e floreia a sua narrativa com as influências e as intervenções dos deuses da mitologia greco-romana na ação dos heróis. 


Acredito que todo desenvolvimento cultural de um povo também acompanha a sua economia, sendo que a obra Os Lusíadas reflete o entusiasmo do escritor pelas conquistas marítimas. 


Como Luís de Camões esconderia o sentimento de ser nacional de uma grande potência naval e comercial daquele tempo?!


Ora, cerca de meio milênio depois dos descobrimentos portugueses e dos reis da Casa de Avis, uma parte dos cidadãos da comunidade lusófona deposita no país de Lula a inauguração de um novo tempo para o mundo. Talvez não mais o surgimento de um outro grandioso império, porém de um ator global capaz de protagonizar relações solidárias entre as nações dentro da multipolaridade comercial.


Nesse sentido, a fala do nosso Presidente neste sábado foi certeira quando pleiteou uma vaga do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU:


"É preciso que a gente crie uma nova governança mundial. Por isso, o Brasil tem brigado muito para que a gente reveja o Conselho de Segurança da ONU e seus membros permanentes. É preciso entrar mais países, mais continentes e estabelecer uma nova geografia. A geografia de 1945 não é a mesma. Não podemos continuar com membros do conselho fazendo guerra. Eles são membros do conselho, decidem a guerra sem sequer consultar o conselho. Foi assim nos Estados Unidos contra o Iraque, a Rússia contra a Ucrânia, a França e Inglaterra contra a Líbia. Ou seja, eles mesmos desrespeitam as decisões do Conselho de Segurança e por isso precisamos tentar mudar"


Outro ponto importante dito por Lula seria sobre "acabar com o direito de veto para que a ONU possa fazer valer as decisões que a gente toma na questão ambiental". E, quanto a isso, a crítica expõe a necessidade de que o cenário dessa indispensável instituição internacional não seja mais dominado pelas atuais potências e se torne a assembleia de um futuro governo mundial com uma maior horizontalidade possível.


Suponho que, no fundo, muitos portugueses se identifiquem com essa fala de Lula. Aliás, tenho o palpite de que o próprio presidente português, também professor catedrático da Universidade de Lisboa, deseje isso, o qual pode ter até ajudado o seu colega brasileiro a ajustar seus polêmicos posicionamentos acerca da guerra da Rússia contra a Ucrânia, antes de se submeterem às entrevistas da imprensa.


Em que pese Lula cometer algumas gafes, todas elas são de certo modo compreensíveis quando analisadas dentro do respectivo contexto, o que não ocorria com o irresponsável que antes ocupava a cadeira número um do país de 2019 até os últimos dias dezembro de 2022, já que as intenções de ambos são inequivocamente diferentes. Aliás, é pelos frutos que se conhece a árvore...

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