Como se já não bastassem as barreiras aos analfabetos, idosos, pessoas portadoras com deficiência ou com necessidades especiais, temos visto em nossos dias o surgimento de mais um obstáculo capaz de excluir muitos cidadãos brasileiros neste século XXI. Trata-se do uso cada vez mais dependente e obrigatório da informática no cotidiano das pessoas, bem como dos profissionais dos mais diversos ramos, de modo que aquilo que deveria vir para facilitar as nossas vidas acaba se tornando um tormento para uma significativa parcela da população.
Embora possamos dizer que, nessas duas últimas décadas, a era digital só esteja começando, não raramente encontramos idosos com dificuldades para sacar a aposentadoria nos caixas eletrônicos. Nem todos os consumidores sabem como acessar de um computador a própria conta bancária de modo que as filas nas casas lotéricas continuam cheias sendo ainda uma das maneiras preferidas do brasileiro para pagar as contas. Talvez porque essas pessoas também encontrem alguma compensação no convívio humano na companhia de outros consumidores/apostadores durante os vários minutos em que aguardam pelo atendimento.
No entanto, a internet não se faz presente apenas no sistema bancário. Ela é a ferramenta utilizada pela arrecadação fiscal e por quase a totalidade dos serviços públicos federais. Documentos oficiais já são assinados digitalmente e uma grana bem alta do governo é gasta para a aquisição de equipamentos, softwares, licenciamento e manutenção. Isto sem nos esquecermos das constantes quedas de sistema gerando frustrações e dificuldades para todos porque o cidadão passa a ficar em função desse meio eletrônico já que nem sempre o papel é aceito. Há casos em que até a matrícula da criança na escola tem que ser feita pelos pais no computador...
Esta segunda-feira (10/02/2014), a advogada Deborah Maria Prates Barbosa foi homenageada na sessão do Conselho Federal da OAB pela luta que tem travado em defesa da inclusão digital. Cega, a profissional obteve junto ao Supremo Tribunal Federal o direito ao peticionamento físico enquanto o Processo Judicial Eletrônico (PJe) não estiver totalmente adaptado às pessoas com deficiência. Após ter seu pedido negado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Deborah recorreu ao STF e conseguiu reverter a situação. Foi o que declarou a nobre profissional que, além desta conquista, também eve reconhecido o direito de circular pelas dependências do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro com o seu cão-guia:
"Para conseguir a igualdade é preciso que haja oportunidade, mas essa oportunidade precisa estar acessível (...) Fui posta para fora da minha profissão, sofri humilhação por ter que pedir ajuda aos colegas para fazer o peticionamento eletrônico. Isso é desumano e vil. Fico alegre de representar no Conselho Federal as pessoas com deficiência (...) Estou aqui para mostrar a minha necessidade e para contaminar cada um para que tenhamos um mundo melhor para todos, inclusive para aqueles fora do padrão normal."
De acordo com Marcus Vinicius, presidente nacional da OAB, "a questão não é a pessoa com deficiência, mas uma sociedade que lhe impõe barreiras intransponíveis". Ou seja, devido aos nossos valores egoístas e que não levam em conta a condição do próximo, criamos um mundo que seja conveniente para alguns e não para todos. Os interesses econômicos prevalecem sobre os direitos sociais de modo que não vejo outra explicação para o fato do Brasil hoje estar utilizando o processo digital com uma abrangência muito maior do que em outros países onde a população possui um nível superior de escolaridade e de instrução. Verifiquei isso quando, há alguns anos atrás, dei entrada no meu pedido de cidadania europeia no consulado grego. Afinal, por que razão essa moda de assinatura digital não pegou na UE como vem ocorrendo no lado de cá do Atlântico?!
Antes de terminar este texto, lembro aqui dos versos do livro bíblico de Isaías os quais Jesus teria certa vez citado quando indagado pelos discípulos de João Batista (Mt 11:4-5; Lc 7:22). Pois sendo um homem com a mente a frente de sua época, o profeta soube idealizar um futuro de redenção da humanidade em que as barreiras sociais serão desfeitas e os deficientes finalmente viriam a ser inclusos na comunidade (conf. Is 29:18; 35:5-6). Para conseguir sensibilizar seus contemporâneos, contam as Escrituras Sagradas que Isaías chegou a fazer até um protesto nu durante três anos (Is 20:2-3)!
Contudo, milênios após essa transformadora mensagem ter sido escrita, nossas autoridades ainda não compreenderam que o verdadeiro progresso é realizado incluindo pessoas e não marginalizando-as. Quer seja o pobre, o analfabeto, o deficiente, a mulher, o idoso e a criança, todos precisam ser ouvidos e receber a oportunidade necessária para participarem construtivamente de um mundo melhor. Pois só levando em conta esse princípio é que chegaremos a algum lugar no amanhã.
OBS: Imagem acima extraída de uma notícia do site do Tribunal de Justiça do Estrado do Rio de Janeiro sobre o processo eletrônico nas serventias judiciais.
É uma questão importante, penso que com a universalização da banda larga (longo prazo) conduzida pela Telebras essa questão vai ser resolvida. Quando estive no Japão (curso) em 1995, o governo japonês lançou o Projeto Banda Larga que consistia instalar em cada domicilio um ponto de internet de alta velocidade (investimento público) até 2002. Soube depois que concluíram em 1999/2000. Verdade que embora sujeitos a condições metabolológicas desfavoráveis, são cem vezes menor em tamanho, com praticamente a mesma população. Mas vamos chegar lá! Tenho Esperança!
ResponderExcluirOlá, amigo. Obrigado por comentar. Desejo que um dia o Brasil também chegue lá e que a tecnologia possa ser empregada para um progresso verdadeiro e inclusivo. Mas a verdade é que nos esbarramos em algo que é a deficiência na educação e na formação das pessoas. Isso vai requerer paciência e aí penso que o desenvolvimento de uma nação não se mede simplesmente contando o PIB. Quanto aos japoneses, trata-se de um pelo qual tenho grande admiração assim como tenho pelos israelitas e alemães. Ainda que as coisas não sejam perfeitas na terra do sol nascente, eis que as adversidades e a filosofia de vida levada à sério fizeram do Japão uma grande nação. Abraços.
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