Há tempos que a questão da gratuidade no transporte de passageiros abrangendo as pessoas com deficiências é tratada na legislação brasileira, embora com relativa restrição.
Não raramente, há quem reclame das frequentes negativas de acesso quanto gratuito num ônibus e acredite até ter sido vítima da violação de algum direito. E mesmo os próprios advogados muitas das vezes desconhecem as normas pertinentes ao assunto.
Analisando inicialmente algumas leis federais de alcance nacional, a saber as leis números 8.899/1994 e 13.146/2015, sendo esta, o "Estatuto da Pessoa com Deficiência", norma de alcance geral, enquanto aquela só é aplicável aos serviços de transporte interestadual, concedidos e regulados pela União Federal, verifiquei que o saudoso Itamar Franco inovou em sua época como Presidente ao sancionar uma norma concedendo a gratuidade "às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual".
Ocorre que as leis federais não asseguram a gratuidade nos transportes públicos para as pessoas com deficiência que não sejam idosas! Porém, apesar disso, muitos estados e municípios estabelecem essa gratuidade por meio de legislação local, sendo que, em alguns casos, a gratuidade serve apenas para a pessoa portadora de deficiência carente de recursos financeiros.
Sabemos o quanto as pessoas com deficiência possuem necessidades específicas, sendo submetidas a tratamentos muitas vezes dispendiosos, complexos e demorados, que, em alguns casos, perduram por toda a vida precisam se locomover. Muitos necessitam ir rotineiramente a postos de saúde, hospitais, clínicas de reabilitação, entre outros, o que exige sua locomoção várias vezes na semana ou até em um único dia. Sem contar com as dificuldades relacionadas à acessibilidade, quando, por exemplo, não são respeitados os assentos reservados ou há locais que não possuem rampas para cadeirantes, além da questão financeira.
Atento a isso, ponderadamente o legislador fluminense aprovou a Lei Estadual n.º 4.510/2005, a qual dispõe sobre a isenção do pagamento de tarifas nos serviços de transporte intermunicipal de passageiros por ônibus do Estado do Rio de Janeiro, para alunos do ensino fundamental e médio da rede pública estadual de ensino, para as pessoas portadoras de deficiência e portadoras de doença crônica de natureza física ou mental que exijam tratamento continuado e cuja interrupção no tratamento possa acarretar risco de vida, dando outras providências. O artigo 1º da norma estadual assim dispõe:
"Art. 1º- E assegurada, na forma, nos limites e sob as condições estabelecidas nesta Lei, isenção no pagamento de tarifa nos serviços convencionais de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros por ônibus do Estado do Rio de Janeiro, para alunos do ensino fundamental e médio da rede pública estadual, para pessoas portadoras de deficiência e para pessoas portadoras de doença crônica de natureza física ou mental, cuja interrupção no tratamento possa acarretar risco de vida, estas últimas na forma do art. 14 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro." (destaquei)
Por sua vez, o art. 4º da Lei fluminense prevê o vale social restrito às pessoas pessoas com deficiência para fins de se deslocarem quanto ao tratamento de saúde em que a interrupção do mesmo possa acarretar risco de vida. Isto é, para as situações em que elas necessitem para a sua terapia, do uso dos serviços convencionais de transportes intermunicipais de passageiros (ou intramunicipais sob administração estadual), de acordo com as definições previstas em lei ou regulamento:
"Art. 4º - O "vale social" será emitido em favor das pessoas portadoras de deficiência e das pessoas portadoras de doença crônica de natureza física ou mental que exijam tratamento continuado e cuja interrupção possa acarretar risco de vida, que necessitem, para a sua terapia, do uso dos serviços convencionais de transportes intermunicipais de passageiros, ou intramunicipais sob administração estadual, observadas as definições previstas em lei ou regulamento.
§ 1º - O "vale-social" será deferido mediante requerimento e avaliação médica da sua necessidade, inclusive e especialmente quanto à extensão e freqüência das locomoções impostas ao beneficiário, na forma a definir-se em regulamento.
§ 2º - Na avaliação de que trata o parágrafo anterior, o profissional da rede pública de saúde deverá informar sobre a necessidade de um acompanhante no deslocamento do portador de doença crônica."
Observe-se que a concessão do vale-social não é automática nos meios de transporte intermunicipal situados no Estado do Rio de Janeiro, devendo ser então analisada e deferida pelo órgão estadual competente que, para tanto, irá avaliar a extensão e frequência das locomoções do beneficiário de acordo com a exposição dos fatos em documento médico por ele apresentado.
Com isso, afasta-se de plano a possibilidade de que um usuário do transporte coletivo com deficiência ou doença crônica possa exigir de plano que a empresa concessionária do transporte rodoviário lhe conceda o embarque gratuito imediato num coletivo, devendo o mesmo exibir um cartão ou qualquer comprovação de que faça jus ao "vale social" previsto em Lei, além de um documento de identificação que poderá ser verificado pelo condutor ou cobrador.
Acrescente-se que o direito previsto na referida Lei Estadual é regulamentado pelo Decreto Estadual n.º 36.992/2005, no qual há um maior detalhamento a partir do seu art. 3º e a limitação das autorizações de isenção ao prazo de dois anos:
"Art. 3.º Aos portadores de doença crônica, de natureza física e/ou mental, que apresentem, comprovadamente, necessidades de deslocamento através de transporte rodoviário intermunicipal, metroviário, ferroviário ou aquaviário sob administração estadual, será concedido o vale social exclusivamente para realização de tratamentos médicos ou medicamentosos, de forma freqüente, continuada e sem interrupção em ambientes hospitalares, bem como para aquisição de medicamentos em órgão público de saúde.
Parágrafo Único Entende-se como deslocamento a soma dos segmentos componentes da viagem imposta ao beneficiário, por um ou mais meios de transporte administrado e/ou concedido pelo Estado, entre sua residência e o local de tratamento.
Art. 4.º As decisões sobre as solicitações de vale social serão precedidas do devido cadastro, análise administrativa e de parecer médico, efetuados pela Secretaria de Estado de Transportes, sobre as informações que constarem no requerimento e no laudo médico correspondentes. O laudo deverá ser preenchido pelo serviço de saúde pública, e, obrigatoriamente, descrever, de forma sucinta, a deficiência ou quadro clínico do paciente, bem como o diagnóstico.
§ 1.º Para os portadores de doença crônica, o laudo médico deverá conter, ainda, o número do prontuário do requerente, a data de início do tratamento, a necessidade ou não de acompanhante e a freqüência mensal de comparecimento para o tratamento indicado.
§ 2.º Não serão aceitos laudos médicos incompletos, ilegíveis, rasurados ou provenientes de unidade de saúde particular, à exceção daquela que tenha vínculo de cooperação com o poder público, seja através de contrato de gestão, termo de parceria, convênio ou contrato de direito público.
§ 3.º A quantidade mensal concedida será de 60 (sessenta) unidades, para portadores de deficiência, e de 10 (dez) a 60 (sessenta) unidades, para os doentes crônicos, conforme análise da necessidade de deslocamento para a realização do tratamento, descrita no laudo médico.
§ 4.º O portador de doença crônica deverá informar, ao requerer o benefício e em formulário próprio, a quantidade de viagens indispensáveis para o seu tratamento e o meio de transporte necessário, indicando o itinerário a ser percorrido nesse deslocamento, de forma resumida.
§ 5.º O vale social destinado a acompanhante do doente crônico poderá ser utilizado por quem quer que seja, desde que esteja em companhia do enfermo beneficiário.
§ 6.º A equipe de análise médica, em exercício na Secretaria de Estado de Transportes, deverá ser composta, exclusivamente, por médico civil ou militar que seja servidor público estadual.
Art. 5.º O prazo de eficácia dos deferimentos de isenções será de até dois anos, para os portadores de deficiência, e de até um ano, para os de doença crônica, devendo o beneficiário apresentar novo exame médico a cada renovação.
Parágrafo Único Durante o prazo de vigência do beneficio, os contemplados receberão os vales sociais mensalmente na sua residência, ou em outro endereço que indicar, e firmando a mão própria o aviso de recebimento."
Nesse sentido, considerando a legislação aplicável, verifica-se também que, tendo em vista o valor da renda da pessoa com deficiência, a mesma só obterá a gratuidade caso comprove a necessidade habitual e frequente dos deslocamentos especificamente para fins de tratamento médico, não podendo ingressar com ação judicial para tal fim se não houver, a princípio tentado obter o benefício nas vias administrativas e este lhe for negado, sendo pertinente ao advogado ou defensor público, como primeiro "juiz" da causa, avaliar a prova dos fatos e estes em relação ao direito pleiteado.
Conclui-se que a ampliação do direito à gratuidade das pessoas com deficiência nos meios de transporte coletivo se faz necessária nos estados e municípios brasileiros, bem como no deslocamentos entre estados, o qual é regulado pela ANTT. Para tanto, há que se fazer uma pressão social sobre os gestores públicos e os legisladores a fim de que novas leis sejam criadas dando mais abrangência à inclusão social de quem não dispõe das mesmas oportunidades que o usuário comum desses serviços, possibilitando, com isso, mais acesso aos estudos, ao trabalho, ao lazer, à convivência social e à saúde, indo além dos tratamentos habituais.
Por fim, há que se tornar a gratuidade automática para quem for cadeirante já que a condição desses usuários é incontestável por se tratar do grupo social com maior dificuldade de locomoção, atrás apenas das pessoas acamadas. E, embora alguns possam ter condições de pagar a tarifa nos ônibus, entendo que as medidas de controle estatal precisam ser repensadas a fim de que não haja uma injusta restrição de direitos.
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