A meu ver, numa democracia, o cidadão não deveria apenas comparecer às urnas no dia do pleito para votar. E, embora tenha um pensamento bem flexível quanto à liberdade das pessoas, a ponto de concordar até com o alistamento opcional de eleitores, entendo que a nossa participação construtiva na política se torna uma espécie de dever ético pois precisamos contribuir com uma escolha séria dos nossos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como nas consultas populares a exemplo dos plebiscitos e dos referendos, zelando pela lisura de todo o processo eleitoral.
No entanto, muitas das vezes podemos fazer um pouco mais do que o simples exercício do sufrágio universal. E aí não falo em apenas pedirmos voto para os nossos candidatos durante esse período de campanha, mas, sim, colaborarmos com a fiscalização eleitoral a fim de que as normas legais sejam respeitadas e tenhamos uma disputa limpa nesse país. Por isso, em 11/08, data em que se comemora o "Dia do Advogado", tive o maior prazer em poder proferir uma palestra para os estudantes de ciências jurídicas do Centro Universitário CBM-UniCBE, no bairro Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, falando introdutoriamente sobre o Direito Eleitoral, as notícias falsas (fake news) e as eleições de 2022.
Recordo que, na ocasião, compartilhei sobre uma forte preocupação da Justiça Eleitoral com a integridade das eleições, os discursos de ódio e o combate à desinformação, o que foi levado em conta nas audiências públicas para a elaboração da Resolução TSE nº 23.671, tratando também da propaganda na internet, prevendo, inclusive, punição para desinformação e o disparo em massa de mensagens. Com isso, falei da instituição do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação, através da Portaria TSE nº 510/2021, que tem por finalidade enfrentar a desinformação relacionada à Justiça Eleitoral e aos seus integrantes, ao sistema eletrônico de votação, ao processo eleitoral em suas diferentes fases e aos atores nele envolvidos, a criação de uma página especial do Tribunal para desmentir fake news e o Sistema de Alerta de Desinformação Contra as Eleições, por meio do qual, cidadãs e cidadãos podem comunicar à Justiça Eleitoral o recebimento de notícias falsas, descontextualizadas ou manipuladas sobre o processo eleitoral brasileiro.
Fato é que, além dessas e outras ferramentas desenvolvidas pela Justiça Eleitoral, temos também a possibilidade de interagir tanto com o Judiciário como com o Ministério Público quanto às irregularidades cometidas na propaganda política e ainda noticiarmos eventual inelegibilidade dos que estão se candidatando. Pois, segundo o parágrafo 3º do artigo 97 do nosso Código Eleitoral, dentro do prazo de cinco dias a contar da publicação do edital sobre o requerimento de registro de candidatura, qualquer eleitor, com fundamento em inelegibilidade ou incompatibilidade do candidato tem o direito de impugnar o pedido de registro, oferecendo provas das suas alegações.
Embora não tenha sido esse o tema da minha palestra do dia 11/08, falei brevemente aos alunos sobre as impugnações que são umas das principais atuações dos advogados eleitoralistas, embora tivesse deixado de expor as minhas atividades específicas como cidadão a fim de evitar um proselitismo político no meio acadêmico. E, de fato, desde o início deste mês, tendo acompanhado os resultados das convenções partidárias, andei denunciando ao Ministério Público Eleitoral uns casos bizarros de candidaturas inelegíveis, o que fiz encaminhando através dos serviços da Sala de Atendimento ao Cidadão do MPF.
Dois candidatos contra os quais representei perante o Ministério Público neste mês foram os petebistas Roberto Jefferson e o Daniel Silveira, os quais, respectivamente, pleiteiam a Presidência da República e uma vaga ao Senado Federal. Isto porque ambos, segundo dispõe a nossa legislação, se encontram incontestavelmente inelegíveis.
No caso do Daniel Silveira, protocolei a manifestação de número 20220061613 em 08/08, conforme já havia informado neste blogue, conforme uma postagem publicada na mesma data (clique AQUI para lei), tendo em vista que ele foi condenado em 20/04 por 9 votos a 2 pelo STF a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, e multa de R$ 192,50 mil. Com isso, a mais alta Corte de Justiça do nosso país corretamente determinou a perda do seu mandato como deputado federal, além da suspensão de seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação, o que o tornou inelegível para concorrer ao pleito de 2022.
Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o parlamentar praticou os crimes de: incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo Tribunal Federal; tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União, por duas vezes (art. 18, da Lei nº 7.170/73 c/c art. 71, do Código Penal, com a pena do art. 359-L, do mesmo diploma legal); e, pela coação no curso do processo, por três vezes (art. 344, c/c art. 71, ambos do Código Penal), tendo os eminentes Ministros o absolvido apenas da acusação de incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo (artigo 286, parágrafo único, do Código Penal).
Ainda assim, no dia 10 de agosto, o PTB requereu o registro de candidatura de Daniel Silveira perante o TRE-RJ, conforme o Processo n.º 0602080-79.2022.6.19.0000, tendo também, na data de 12 de agosto, apresentado ao TSE o pedido de registro de Roberto Jefferson, segundo consta no Processo n.º 0600761-07.2022.6.00.0000.
Meio que tardiamente, em 14/08, denunciei também a candidatura do Roberto Jefferson (protocolo 20220063420 da manifestação), o qual, pasmem, se encontra cumprindo prisão domiciliar, tendo sido preso em agosto de 2021 pela Polícia Federal, após ordem de prisão preventiva do eminente Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (e atual presidente do TSE), sob a acusação de participar de organização criminosa digital montada para promover ataques à democracia. Porém, a causa da inelegibilidade acabou sendo outra. Isto é, a condenação pelo STF em 2012, por crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do “Mensalão” (Ação penal - AP n.º 470), somando sete anos e 14 dias de prisão, em regime inicialmente semiaberto, embora tenha sido liberado para o regime aberto em maio de 2015, tendo sido imposto ao réu também 287 dias-multa, paga em 09/04/2015.
Embora se saiba que, em decisão datada do dia 22 de março de 2016 (e assinada em 24/03/2016), na Execução Penal (EP) 23, haja sido declarada extinta a punibilidade de Roberto Jefferson e de outros condenados no tal processo do “Mensalão”, conforme o Decreto n.º 8.615, de 23/12/2015, de indulto natalino e comutação de pena, eis que a “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar n.º 135/2010) claramente estabelece que a inelegibilidade se dá aos condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 08 (oito) anos, após o cumprimento da pena. Assim, como o prazo de inelegibilidade não tem início a partir do julgamento em segunda instância (ou de órgão colegiado, como é o Eg. STF), mas, sim, oito anos após o cumprimento da pena, há que se considerar o candidato inelegível de modo que o senhor Roberto Jefferson somente poderá disputar eleições a partir de 2024. E, neste sentido deve ser considerado o que foi decidido recentemente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.630.
Pois bem. No dia, 17/08, recebi um e-mail da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro informando que minha denúncia havia sido arquivada uma vez que o Ministério Público ingressou com uma impugnação ao registro do Daniel Silveira, sendo que, na ocasião, havia também uma outra ação anterior da Federação PSOL-REDE. Ambas as ações formularam o pedido de indeferimento do pedido de registro do candidato.
Entretanto, como ainda não tinha recebido resposta do Ministério Público quanto à denúncia feita sobre a candidatura do Roberto Jefferson, decidi naquela mesma data ingressar com uma notícia de inelegibilidade perante o TSE, o que gerou o processo de número 0600800-04.2022.6.00.0000. Continuei acompanhando e, no dia seguinte, em 18/08, verifiquei que a Procuradoria-Geral Eleitoral também ingressou com uma ação de impugnação do registro, formulando, inclusive, o pedido de tutela urgente para obstar que o candidato impugnado tenha acesso aos recursos públicos de campanha eleitoral (Fundo Especial de Financiamento de Campanha e/ou Fundo Partidário). E, prontamente, na data seguinte, o Eminente Ministro Carlos Horbach deferiu a medida tal como fora requerida na inicial pela Douta PGR,
“para determinar sejam, desde logo, obstados, para fins de utilização na campanha eleitoral do ora impugnado, os repasses de recursos públicos, sejam oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e/ou do Fundo Partidário, até ulterior deliberação quanto ao mérito deste requerimento de registro de candidatura, devendo o partido pelo qual lançada a candidatura em apreço (PTB – Nacional) adotar as medidas necessárias ao cumprimento da presente decisão”
Estando ainda dentro do prazo para impugnar candidaturas, tendo associado a semelhança que há entre os casos do Roberto Jefferson e do Daniel Silveira, por serem ambos beneficiados com indulto ou graça presidencial, procurei logo o caminho mais rápido para tentar o deferimento de uma medida liminar. E, assim, aproveitando as provas já produzidas pelos impugnantes Federação PSOL-REDE e Ministério Público, tendo em vista o precedente do ministro do TSE, ajuizei a notícia de inelegibilidade perante o TRE-RJ, a qual foi protocolizada sob o número 0603428-35.2022.6.19.0000.
Ontem, dia 20/08, o Desembargador Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, relator do processo de registro de candidatura de Daniel Silveira determinou a manifestação do Ministério Público conforme previsto no artigo 44, parágrafo 3º, da Resolução TSE nº 23.609/2019. E, desde então, continuo no aguardo de uma manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, visto que o precedente do Ministro Carlos Horbach poderá levar o TRE do Rio de Janeiro a adotar medida semelhante nos casos apresentados à Corte quando a inelegibilidade do candidato for patente.
Sabe-se que o político inelegível, tendo em vista os trâmites processuais para que a Justiça Eleitoral possa indeferir a sua candidatura com efeitos práticos após, ele ainda pode causar prejuízo ao erário com o dispêndio da verba pública em relação, tendo em vista que os valores gastos do financiamento público dificilmente serão num curto tempo reembolsados aos cofres públicos. Daí o motivo para se conceder a tutela de urgência e obstar que alguém incontestavelmente inelegível tenha acesso aos recursos públicos de financiamento de campanha eleitoral.
Continuarei aguardando passo a passo desses processos assim como tenho acompanhado os casos do Wilson Witzel, candidato a governador, do Anthony Garotinho para o cargo de deputado federal, além do Eduardo Cunha que mudou o seu domicílio eleitoral para São Paulo e também concorre a uma vaga de parlamentar na Câmara Federal. Porém, apesar da foto do ex-presidente da Casa Legislativa que ilustra este artigo juntamente com as imagens do Roberto Jefferson e do Daniel Silveira, não cheguei a tomar nenhuma medida judicial contra o mesmo, deixando essa tarefa para os eleitores paulistas fazerem, caso assim entendam, sendo que o Ministério Público já entrou com o pedido de impugnação.
No aguardo de novos andamentos nesses feitos, espero pela realização da Justiça.
Ótimo final de domingo a todos e todas!
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