Como profissional do Direito e cidadão, nunca tive atração pelo excesso de criminalização de condutas por considerar uma opção conflituosa de legisladores que muitas das vezes pretendem aparecer de maneira oportunista se valendo de um ambiente de insanidade social como vivemos há tempos aqui no Brasil.
Por sua vez, também tenho observado um clima cada vez mais histérico em relação ao sexo, como se religiosos radicais e parlamentares moralistas desejassem controlar a liberdade das pessoas ao invés de promovê-la, o que, por certo acaba, gerando desequilíbrio nas relações sociais e o descrédito das leis que eles mesmos aprovam sem o devido critério. Pois, conforme se redige um texto, muitos equívocos e flagrantes inconstitucionalidades acabam sendo cometidas por quem justamente deveria ter atenção na hora de valorar um fato a fim de se criar uma nova norma jurídica.
Pois bem. Na semana passada, li uma publicação no portal da Câmara dos Deputados acerca do Projeto de Lei 4.162/21, de autoria do representante evangélico, Pastor Eurico (Patriota/PE), o qual quer tipificar como crime as práticas sexuais de pedofilia, gerontofilia, necrofilia, zoofilia e dendrofilia, propondo incluir tais condutas na Lei de Crimes Hediondos.
Na proposta em análise na Câmara dos Deputados, o autor faz as definições acerca das condutas que considera necessário tipificar. Para a pedofilia e a gerontofilia, o parlamentar quer que haja uma pena de reclusão de 8 a 15 anos. E, quanto à necrofilia, à zoofilia e à dendrofilia, a pena seria de reclusão de 5 a 10 anos.
"Art. 2º Consideram-se como crimes sexuais, tentados ou consumados:
I – a pedofilia, que é a prática sexual de adolescentes e/ou adultos com crianças;
II – a gerontofilia, que é a prática sexual de adolescentes e/ou adultos com idosos;
III – a necrofilia, que é a prática sexual com cadáveres;
IV – a zoofilia, que é a prática sexual com animais;
V – a dendrofilia, que é a prática sexual com vegetais.
§ 1º Fica estabelecida a pena de reclusão, de oito a quinze anos, para o disposto nos incisos I e II do caput deste artigo.
§ 2º Fica estabelecida a pena de reclusão, de cinco a dez anos, para o disposto nos incisos III, IV e V do caput deste artigo."
Segundo a justificativa do parlamentar,
"É inadmissível que determinadas práticas sexuais continuem a ser permitidas ou toleradas como apenas uma mudança histórica e cultural, e não enquanto um desvio comportamental que está levando a sociedade ocidental ao declínio em que se encontra. Nesse sentido, nosso projeto tem por objetivo criminalizar determinadas condutas que não mais podem ser toleradas em uma sociedade sadia e próspera, comprometida com o bem-estar de todos"
Como se sabe, atualmente o Código Penal brasileiro já tipifica uma série de crimes sexuais contra vulneráveis, a exemplo do estupro de vulnerável, da indução de menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, e da satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente.
Acrescente-se que essa mesma lei geral também já prevê o crime de vilipêndio a cadáver, com pena de detenção de 1 a 3 anos e multa, sendo que a Lei de Crimes Ambientais tipifica os maus tratos a animais, mas não traz previsão específica para a prática de zoofilia.
Não vou dizer que sou totalmente contra as propostas do deputado porque de fato a zoofilia merece ser criminalizada já que a norma penal não admite uma interpretação extensiva e a redação do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais permite, no máximo, a sua aplicação numa eventual ação cível a respeito do tema, conforme a OAB/RJ conseguiu numa liminar deferida neste ano pela Justiça Federal a fim de se retirar da internet conteúdo pornográfico estimulante dessa prática em seus respectivos buscadores (clique AQUI para ler). Porém, a atual legislação de fato limita a atuação da Justiça e da Polícia diante dessas atrocidades que ainda são cometidas contra seres indefesos de maneira que a previsão específica no Direito Penal se faz necessária.
Acerca da pedofilia, dispenso qualquer comentário, a qual deve continuar sendo crime porque se trata de proteger a liberdade das crianças e a própria infância. Aliás, o meu lado conservador entende que o ambiente social, seja virtual ou presencial, precisa se tornar mais adequado para resguardar os menores do acesso aos conteúdos estimulantes, os quais acabam chegando a todos até de maneira até subliminar numa sociedade onde a publicidade e as comunicações não levam em conta essa preocupação.
Todavia, quanto à gerontofilia, a proposta do parlamentar foi redigida de maneira totalmente inadequada ignorando que o idoso tem sexualidade e a exercita, inclusive com pessoas mais jovens, com as quais poderá manter uma relação conjugal ou não.
Sinceramente, não vejo crime algum no fato de uma pessoa mais jovem sentir atração sexual por um idoso. Isto é, por quem tem apenas mais de 60 anos, conforme dispõe a Lei Federal n.º 10.741/2003...
É lógico que a violência sexual praticada contra idosos deve ser vista como agravante, o que já ocorre em qualquer prática delituosa. Logo, não vejo razões para tipificarem a gerontofilia e acho que o deputado teria sido mais feliz caso elaborasse um projeto de incentivo ao tratamento das parafilias em geral, o que, certamente, ajudaria muitas pessoas obcecadas que se realizam sexualmente apenas com determinados objetos de prazer com o risco de cometerem psicopatologias.
Certamente que nem toda parafilia deve ser tratada pelo Direito Penal. Cabe ao legislador interessar-se por tipificar na legislação criminal apenas as formas gravosas de parafilia capazes de ocasionar delinquências a partir do momento em que o agente exterioriza as suas condutas sexuais ilícitas ou causa prejuízos a terceiros.
Em todo caso, ainda que a maioria dos nossos deputados e senadores estivesse disposta a criminalizar a gerontofilia, seria preciso melhorar a definição legal adotada na proposição em análise. Do contrário, na remota hipótese do projeto do pastor virar lei, até as relações conjugais se tornarão delituosas numa interpretação literal, quando um dos cônjuges passar para a terceira idade e o outro ainda não.
De acordo com Genival França, a gerontofilia caracteriza-se quando há "atração de certos indivíduos ainda jovens por pessoas de excessiva idade", tornando-se uma aberração quando se tem "a procura obsessiva de um jovem ou uma jovem sistematicamente por pessoas velhas" (Medicina Legal, 2016, pág. 285).
Todavia, mesmo se tratando de uma parafilia, indago como criminalizar esse comportamento quando há um encontro de vontades de um idoso consciente e uma pessoa mais jovem, quer sejam do sexo oposto ou não?!
Que direito tem o Estado de restringir a liberdade individual ainda que um legislador, em seu íntimo, possa considerar feio ou inapropriado ver alguém de oitenta se relacionando com uma pessoa de vinte ou de trinta?!
A meu sentir, o que não pode ocorrer é a violação do consentimento e nem o assédio, o que deve valer para qualquer pessoa sejam elas idosas ou não, aplicando-se tão somente o agravante conforme as circunstâncias, com a devida previsão legal.
Finalmente, no que diz respeito à dendrofilia, não vejo razões para a sua criminalização, bastando que o legislador, se assim entender, considere um ilícito civil a exibição de imagens de atos sexuais com vegetais, o que permitirá a retirada da internet de conteúdos do tipo. Afinal, se nos alimentamos das plantas, não haverá qualquer dano para a natureza se algum ser humano achar que consegue ter prazer tentando transar com um pé de alface.
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