Páginas

domingo, 10 de janeiro de 2021

Nossas sombras digitais de hoje

 


Na edição número 129 da revista Mônica, de janeiro de 1981, publicada pela editora Abril, o cartunista Maurício de Souza escreveu a história As sombras da vida com o personagem Piteco, o homem da caverna dos seus quadrinhos voltados mais para o público infanto-juvenil.


A história, inspirada no Mito da Cavernas, alegoria do livro A República do filósofo grego Platão, mostra Piteco encontrando três senhores do mundo pré-histórico que só apreciavam a vida através das sombras que passam pela entrada de uma gruta. Ali, o personagem tenta convencer os homens acerca da beleza do mundo exterior e apenas não foi linchado porque conseguiu fugir a tempo do local. E os homens, ao entrarem m contato com o ambiente de fora, reconhecem então que Piteco lhes falava a verdade.


É certo que, como os gibis eram publicações destinadas às crianças, Piteco não poderia ter o mesmo fim do que aconteceu com o homem que, na metáfora de Platão, havia tentado persuadir seus companheiros a deixarem a caverna. Logo, o personagem sobrevive, mas o autor termina sua história retornando aos tempos modernos para nos fazer pensar acerca das novas "cavernas" que criamos.








Sem dúvida que Maurício de Souza foi bem ousado em sua crítica feita há 40 anos. Talvez nem tanto pelo fato de haver publicado essa historinha ainda durante o regime militar, mas, sim, pela alfinetada que deu no noticiário de domingo da tão poderosa TV Globo, na época uma emissora hegemônica em nosso país.


Todavia, atualizando a história de Piteco para o começo desta terceira década do século XXI, na qual a televisão já nem possui tanta força, podemos considerar que as mídias digitais acabam sendo hoje a caverna da nossa ignorância, onde pessoas gastam horas por dia se alimentando do lixo eletrônico que trafega pelas conversas de WhatsApp, sem desenvolverem qualquer senso crítico acerca das informações recebidas.


Nesses tempos de leitura quase zero, as imagens de um vídeo sem origem identificada ou do áudio de algum autor anônimo acabam tendo um grande poder de convencimento sobre o internauta que, por sua vez, se torna um potencial transmissor das chamadas fakenews.


Bem, se na história do Piteco, ele ainda deu sorte de conseguir que os homens tivessem a percepção da própria caverna onde antes se encontravam, indago como as pessoas conseguirão ter a consciência de que se acham presas na ignorância nos seus ambientes digitais? Será fácil mostrar a elas a verdade do "mundo exterior"?


Como é que Platão se sentiria nos dias de hoje se pudesse entrar numa máquina do tempo e, do nada, surgir no Rio de Janeiro de 2021?! Certamente, ele não se espantaria tanto pelas máscaras de proteção à COVID-19 já que, vergonhosamente, poucos as usam em seus rostos quando transitam pelas ruas da cidade. Mas o filósofo ficaria espantado com tanta estupidez de uma sociedade cuja evolução ética (e do pensamento) pouco acompanhou o desenvolvimento tecnológico.


Não seria um exagero supor de que possamos estar diante de uma nova "Idade das Trevas", com direito a fundamentalismo religioso e linchamentos virtuais, onde pobres de direita chamam seu algoz de "mito". Porém, por outro lado, divergindo um pouco de Platão, o qual acreditava na imutabilidade das coisas, sei que nada é estático no Universo, como bem ensinava Heráclito de Éfeso. E aí nutro a esperança de que, dentro da nossa pobre era digital, ainda possamos romper com as tais "sombras".


Ótima semana a todos!

Um comentário:

  1. Eu acredito no serviço social benéfico do mundo eletrônico de comunicação em massa! Tudo é questão de não deixar monopolizar, no mais, feito seu material esclarecedor, muita coisa boa espalha-se pela internet, novas e melhores ferramentas virão , novos e melhores humanos também! Aguardem!

    ResponderExcluir