Como alguns devem saber, eis que,
no ano passado, foi editada a Medida Provisória (MP) n.º 896/2019 determinando
que bastaria os atos da Administração Pública serem publicados na imprensa oficial
ou no site do órgão responsável pelo
processo. Entretanto, o ministro Gilmar Mendes, no exame de uma medida cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6229), em Decisão liminar,
suspendeu a eficácia da MP até a conclusão de sua análise pelo Congresso ou até
o julgamento de mérito pelo Plenário do STF.
Todavia, independentemente da conversão da MP em Lei Ordinária, deve-se lembrar que o inciso XIII do art. 6°
da Lei Federal 8.666/93, com redação dada pela Lei 8.883/94, já previa a
criação de veículo oficial de divulgação da Administração Pública, sendo para a
União o Diário Oficial da União, e, para os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, o que for definido nas respectivas leis desses entes federados.
Logo, desde que havendo segurança nas informações, podemos dizer que seria
plenamente possível a publicação da convocação de uma prefeitura para pregões eletrônicos em
diário oficial próprio, cuja publicação se dê exclusivamente por meio
eletrônico, dispensando-se outros meios de publicidade, uma vez que o art. 4º,
inciso I, da Lei 10.520/2002 (anterior à referida MP) não estabeleceu tais
exigências:
“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
I - a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso em diário oficial do respectivo ente federado ou, não existindo, em jornal de circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da licitação, em jornal de grande circulação, nos termos do regulamento de que trata o art. 2º;”
Ainda assim, pasmem, em plena
crise sanitária causada pelo coronavírus, encontrei na página 02, da Edição n.º1116 do Diário Oficial do Município de Mangaratiba, o aviso sobre o Pregão
Presencial n.º 010/2020, licitação esta que tem por objeto a contratação de
empresa de “JORNAL DIÁRIO DE GRANDE CIRCULAÇÃO”, para divulgação dos atos oficiais da Prefeitura. Tal certame está previsto para ocorrer em
07/05 (remarcado), às 10:00 horas, no Centro de Educação de Interatividade
Educacional (CEID), localizado na rua Coronel Moreira da Silva, nº 232, Centro,
sendo o valor do pregão, de acordo com os termos do item 5.1 do Edital,
estimado em nada menos do que R$ 152.100,00 (cento e cinquenta e dois mil e cem
reais), pelo período de 12 (doze) meses.
Quanto à justificativa
apresentada pela Administração Municipal, vejam, pois, o que consta no item 2
do Anexo I do Edital:
“2.1. A futura contratação visa efetivar o Princípio da Publicidade dos procedimentos licitatórios disciplinados pela Lei Federal nº 8.666/93, Lei Federal nº 10.520/02, Decreto Municipal nº. 1184/06 e Decreto Municipal nº. 1504/07.
2.2. Vale ressaltar que a respectiva contratação também visa atender as recomendações contidas no Processo nº 230.030-3/2014 da Coordenadoria Estadual de Auditoria do TCE/RJ.
2.3. Ainda assim, é de suma importância, para contratações públicas, a ampla publicidade de seus editais, como assim preconiza o Art. 21 da Lei Federal 8.666/93 e Art. 4º da Lei Federal 10.520/02, valorizando o Principio da Competitividade, criando oportunidade de participação às mais diversas empresas do ramo.
2.4. As quantidades apresentadas são meramente estimativas, tendo em vista o levantamento realizado nos últimos 12 (doze) meses, como se vê no oficio encaminhado pela Comissão Permanente de Licitação”
Fato é que, tendo em vista o
avanço da internet, a publicação impressa dos atos e contratos administrativos
em jornal diário de grande circulação pode ser nos dias de hoje dispensável,
considerando que quase toda prefeitura, a exemplo da nossa cidade, possui
edições eletrônicas do Diário Oficial, as quais podem ser facilmente
consultadas com um simples acesso ao site da instituição pública.
Ora, não podemos ignorar que a “Lei
de Licitações” é uma norma jurídica de 1993. Isto é, trata-se de uma lei antiga e que não
acompanhou a evolução tecnológica.
Importante considerar que, à
época da publicação da referida lei, a informática ainda era incipiente no
Brasil e o jornal impresso era a principal fonte de informação e de publicidade
na sociedade.
Entretanto, já na virada do
século, a internet ganhou espaço e hoje conquistou o posto que outrora era do
jornalismo impresso. E, nesse cenário, deve-se buscar qual a finalidade do art. 21
da Lei 8.666/93, dando-o interpretação teleológica, de forma que o meio de
publicidade pouco importa, desde que seja o mais eficaz.
"Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)"
Inegavelmente, hoje o meio eletrônico
é o principal meio de comunicação e informação, não podendo se prender a um
formalismo obsoleto. Inclusive porque a exigência do inciso III do art. 21 da
Lei 8.666/93 é arcaica e anacrônica, contrariando, inclusive, o motivo de sua
criação, qual seja, dar publicidade aos atos da licitação, tendo em vista que
hoje o jornal impresso tem um público bastante reduzido.
Para esse entendimento, contribui
a previsão do art. 4º, inciso I, da Lei 10.520/2002, que deixou de estabelecer
tal requisito para o Pregão, mas se esqueceu o Legislador de fazer o mesmo para
as outras modalidades de licitação.
Além disso, o inciso III do art.
21 da Lei 8.666/93 deve ser interpretado conjuntamente com os Princípios da
Publicidade, Transparência, Eficiência e Economicidade.
Finalmente, embora a
Administração Municipal justifique ser de suma importância para as contratações
públicas a ampla publicidade de seus editais, eis que, atualmente, restam no
Estado poucos jornais diários de maior circulação, tendo o item 1.1 do Anexo I
do Edital feito menção a apenas seis, os quais são muito pouco lidos na forma
impressa em Mangaratiba. E não somente em Mangaratiba como em todo o país o público
tem preferido informar-se através da internet do que deslocar-se até à banca de
jornal para ler notícias do dia anterior.
Portanto, fazer uso do escasso dinheiro
público para publicações por esta via, ainda mais durante o enfrentamento de
uma pandemia como a COVID-19, pode ser temerário, pois, se for necessário
investir na aquisição de leitos hospitalares, respiradores, dentre outros
materiais para as unidades de saúde, além do apoio assistencial para famílias
carentes, o dinheiro gasto com a contratação de um jornal diário de grande
circulação poderá fazer falta. E, independentemente da conversão da Medida
Provisória 896/2019 em Lei Ordinária, há que se adotar uma interpretação mais
atualizada da Lei de Licitações.
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