Neste domingo (14/04), os cristãos comemoraram o chamado Domingo de Ramos que, tradicionalmente, marca o início da Semana Santa.
Segundo os evangelhos da Bíblia, trata-se da chegada de Jesus a Jerusalém em que o Mestre teria entrado triunfalmente na cidade, montado sobre um jumentinho, chegando a ser recebido pela multidão com ramos de árvores espalhados pelo caminho:
Uma grande multidão estendeu seus mantos pelo caminho, outros cortavam ramos de árvores e os espalhavam pelo caminho. A multidão que ia adiante dele e os que o seguiam gritavam: "Hosana ao Filho de Davi! " "Bendito é o que vem em nome do Senhor! " "Hosana nas alturas!" (Mateus 21:8-9; NVI)
Provavelmente que, naquele dia, as pessoas que se encontravam em Jerusalém, sentindo-se órfãs de um verdadeiro líder do povo judeu, decidiram proclamar Jesus o novo monarca de Israel, o "salvador da Pátria". Reconheceram-no ali como o prometido Messias que os profetas diziam que viria da descendência de Davi para restaurar o país que, há séculos, tinha perdido a sua independência política quando se tornaram colônia dos babilônios, depois dos persas, dos gregos e, finalmente, dos romanos.
Da perspectiva cristã, não estava previsto na missão do Cristo reinar imediatamente do mesmo modo como os monarcas da velha dinastia davídica, pois seria preciso que o Messias primeiramente passasse pela morte, ressuscitasse ao terceiro dia e depois voltasse numa data incerta para estabelecer com plenitude o Reino de Deus. Afinal, como Jesus mesmo disse em seu julgamento perante a Pilatos, "meu reino não é deste mundo" (Jo 18:36).
Todavia, as profecias nunca foram suficientemente claras a esse respeito, no sentido de como sucederiam em sequência todos esses fatos. E, deste modo, na interpretação aceita pela população (e creio que pelos discípulos também), a coroação do Filho de Davi deveria se dar ali mesmo. Inclusive porque Jesus se apresentou justamente como os demais reis compareciam para a unção messiânica, a exemplo de Salomão que também veio montado sobre a mula do pai:
Então o sacerdote Zadoque, o profeta Natã, Benaia, filho de Joiada, os queretitas e os peletitas fizeram Salomão montar a mula do rei Davi e o escoltaram até Giom. O sacerdote Zadoque pegou na Tenda o chifre com óleo e ungiu Salomão. Então tocaram a trombeta e todo o povo gritou: "Viva o rei Salomão! " (1 Reis 1:38-39)
Aconteceu, porém, que, em sua breve estadia em Jerusalém, Jesus mostrou que não seria o tipo de rei que as pessoas de seu tempo idealizavam. O primeiro ato por ele praticado foi expulsar do antigo Templo todos os cambistas e os que vendiam animais para os sacrifícios religiosos, sem estar previamente autorizado pelo sumo sacerdote. Sua atitude, pode-se a grosso modo dizer que teria sido uma espécie de "desobediência civil".
Nos dias seguintes à entrada triunfal, temos registrados nos evangelhos sinóticos discussões travadas entre Jesus e os grupos religiosos da época, bem como uma postura altamente crítica da parte dele. Em Mateus 23, encontramos ali um duro ataque aos fariseus, os quais compunham a facção do judaísmo com mais semelhança doutrinária em relação ao seu ensino. Tanto é que, no final do capítulo anterior, o último debate nos leva a entender que houve uma tentativa frustrada de aproximação com o Mestre quando lhe propuseram uma pergunta de fácil resposta com a qual concordariam:
Ao ouvirem dizer que Jesus havia deixado os saduceus sem resposta, os fariseus se reuniram. Um deles, perito na lei, o pôs à prova com esta pergunta: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? " Respondeu Jesus: " ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento’. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas". Estando os fariseus reunidos, Jesus lhes perguntou: "O que vocês pensam a respeito do Cristo? De quem ele é filho? " "É filho de Davi", responderam eles. Ele lhes disse: "Então, como é que Davi, falando pelo Espírito, o chama ‘Senhor’? Pois ele afirma: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: "Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés" ’. Se, pois, Davi o chama ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho? " Ninguém conseguia responder-lhe uma palavra; e daquele dia em diante, ninguém jamais se atreveu a lhe fazer perguntas. (Mateus 22:34-46)
Podemos ver que Jesus em momento algum fez determinados tipos de concessões na formação de seu Reino e nem procurou alianças erradas, as quais certamente o desviariam de seus objetivos. Ele verdadeiramente havia entrado na cidade para reinar, mas não de qualquer jeito, sem que antes os homens se dispusessem a fazer uma reforma interior. Não estava em seus planos libertar politicamente uma nação sem que os seus compatriotas fossem primeiramente livres nos seus próprios corações.
Ora, se Jesus, desde o começo de seu ministério, pregou a chegada do Reino de Deus, é porque ele sabia que a vinda desse "novo tempo" não ocorreria com a simples mudança do poder político de Roma para Israel. Seu trabalho teria que ser algo consolidado, passando pela mudança de valores e de atitudes por parte da sociedade mantendo-se ainda por anos debaixo do domínio estrangeiro, em que cada qual experimentaria a sua Páscoa (passagem) existencial.
Na atualidade, no entanto, vejo que esse aprendizado ainda não chegou por completo até nós. Lidamos com a política com incontestável superficialidade visto que, muitas das vezes, somos permissivos quando admitimos ou toleramos aquilo que é errado no lugar do certo. Principalmente aqui no Brasil.
Creio que, se tivermos líderes políticos com uma postura próxima a que teve Jesus, tal homem ou mulher seria considerado um "radical" em nosso meio. Dificilmente lhe seria dado uma legenda para candidatar-se nas eleições ou, talvez, nem interessaria a essa pessoa estar dentro de uma instituição partidária corrompida com um objetivo desses. E aí não iria demorar para que a gente poderosa desse país se reunisse para eliminá-lo(a) com já fizeram com inúmeros outros ativistas do nosso tempo pós-ditadura militar: Chico Mendes, Irmã Dorothy, Marielle, etc.
Por outro lado, considero que devemos ser transigentes e buscar soluções amigáveis para os conflitos humanos, coisa que Jesus também fazia sem negociar os seus princípios éticos. E, sendo assim, entendo que os recursos institucionais do sistema precisam ser sabiamente utilizados de modo que cabe tranquilamente participar de campanhas políticas, das manifestações pacíficas nas ruas, divulgar abaixo-assinados e fazer denúncias perante os órgãos de defesa da população.
Assim sendo, da mesma maneira que Jesus se apresentou triunfalmente em Jerusalém no seu último domingo antes de morrer, também devemos mostrar a que viemos para a sociedade. Contudo, a nossa prática precisa ser o oposto do que os governantes deste mundo fazem, com a adoção dos corretos valores desde as primeiras decisões tomadas, bem como a nossa percepção quanto à conduta alheia.
Ótima semana a todos!
OBS: Ilustração acima extraída de https://www.calendarr.com/brasil/domingo-de-ramos/
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