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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Lembrando de quem um dia fez a nossa História acontecer



Não poderia deixar passar o dia de hoje (feriado de Finados) sem lembrar aqui de um importante personagem da História brasileira que precisa ser devidamente honrado. Cuida-se do sociólogo e ativista de direitos humanos Herbert José de Sousa (1935 — 1997), mais conhecido como Betinho, o qual é identificado na memória de muitos brasileiros por sua dedicação ao projeto "Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida".

Recordo que, na época, eu tinha ainda os meus 17 anos quando via na televisão a figura de um homem magricelo e de aparência adoentada por causa da AIDS. Porém, só muito tempo depois, foi que comecei a valorizar a sua pessoa como um exemplo de dignidade para a nossa nação.

Graduado em Sociologia na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, no ano de 1962, ainda durante o governo de João Goulart, Betinho assessorou o MEC, chefiou a assessoria do ministro Paulo de Tarso Santos, e defendeu as chamadas reformas de base, sobretudo a reforma agrária. Porém, com o golpe militar de 1964, mobilizou-se contra a ditadura, sem nunca esquecer as causas sociais. E, com o aumento da repressão, foi obrigado a se exilar no Chile, no ano de 1971, onde assessorou o presidente Salvador Allende, até a sua deposição em 1973. 

Precisando escapar do golpe de Pinochet, Betinho refugiou-se na embaixada panamenha. E, posteriormente, morou no Canadá e no México, sendo que, durante esse período, foram reforçadas as suas convicções sobre a democracia, a qual ele julgava ser incompatível com o sistema capitalista.

Anistiado no ano de 1979, Betinho retornou ao Brasil e, em 1981, foi um dos fundadores do IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Daí em diante, passou a se dedicar à luta pela reforma agrária, tornando-se um de seus principais articuladores, vindo a reunir, em 1990, milhares de pessoas no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, em manifestação pela causa.

Após haver integrado as forças que resultaram no impeachment do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, Betinho iniciou o projeto da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Tratava-se, pois de uma iniciativa em favor dos pobres e excluídos. O seu movimento criou vários comitês locais em que cidadãos solidários passaram a se mobilizar voluntariamente por toda a nação por meio de ações assistenciais promovidas junto às famílias carentes. E, na época, todos os estados participam da campanha e organizam as suas atividades definidas em um fórum nacional.


Não custa lembrar que o Brasil, após o regime militar, recebeu uma herança maldita de um modelo econômico que só tornou os pobres ainda mais pobres, os quais não usufruíram do crescimento ocorrido durante o período do "milagre". No ano de 1984 (o penúltimo da ditadura), quando houve a "Diretas Já", eis que, de cada três brasileiros, dois passavam fome. E mil crianças de até um ano de idade morriam por este motivo diariamente, sendo que 65% da população era desnutrida.

Deste modo, pode-se dizer que a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida foi fundamental para que, cinco anos após a promulgação da Constituição democrática de 1988, a sociedade brasileira começasse a se engajar para se livrar desse terrível mal que era a fome. Ou seja, o movimento tornou-se um marco importantíssimo até que, em 2014, depois de reduzir em 82,1% o número pessoas subalimentadas, o Brasil finalmente deixou o vergonhoso mapa da fome da ONU.

Infelizmente, Betinho não chegou a durar o suficiente para ver esse resultado. Portador do vírus HIV, contraído em uma das transfusões de sangue a que era obrigado a se submeter periodicamente (devido à hemofilia), o seu óbito ocorreu em 1997, quando já se achava bastante debilitado pela AIDS. Deixou dois filhos, Daniel, filho do seu primeiro casamento com Irles Carvalho, e Henrique, filho do segundo casamento com Maria Nakano, com quem viveu por 27 anos.

Todavia, é importante ressaltar que, apesar do fato de ter sido soropositivo, Betinho jamais deixou de ser ativo em sua vida pública. Aliás, a sua luta contra a doença repercutiu na criação de movimentos de defesa dos direitos dos portadores do vírus e, junto com outros membros da sociedade civil, fundou e presidiu até a sua morte a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS.

Que nesses tempos sombrios, marcados pela eleição de Jair Bolsonaro, possamos nos lembrar de corajosos guerreiros do passado, como foi o Betinho, a fim de que a nação brasileira consiga resistir aos retrocessos político e social que passamos a vivenciar ultimamente.

2 comentários:

  1. Tempos de saudades do grande Betinho. Um grande defensor da democracia. Que na sua luta contra a fome e a miséria deixou sua marca na história deste país.

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    1. Sem dúvida ele nos deixou um legado e que será lembrado nesses anos de um provável retrocesso que virá na área social pelos próximos anos ainda que o Brasil volte a crescer.

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