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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Um grave erro do STF sobre o ensino religioso nas escolas públicas



Na tarde desta quarta, enquanto aguardava ansiosamente na TV Justiça a exibição do adiado Recurso Extraordinário de n.º 929670, o qual trata da possibilidade de aplicação do prazo de 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder previsto na Lei Complementar 135/2010 (a "Lei da Ficha Limpa") às situações anteriores a ela, acabei acompanhando o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4439. Esta se refere a um questionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) formulado perante o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país.

Em sua ação, a PGR pediu que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal ao dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (caput e parágrafos 1º e 2º, do artigo 33, da Lei 9.394/1996) e ao artigo 11, parágrafo 1º do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (promulgado por meio do Decreto 7.107/2010) para assentar que o ensino religioso nas escolas públicas não seja vinculado a religião específica e que fosse proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Um dos argumentos expostos seria que tal disciplina, cuja matrícula é facultativa, deve ser voltada para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica.

Para a minha surpresa e total perplexidade, o STF, por 6 votos a 5, decidiu pela improcedência da ação. Ou seja, a maioria dos nossos ministros posicionou-se favorável a que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras possa ter natureza confessional, não proibindo a sua vinculação às diversas religiões. Com isso, caberá aos sistemas de ensino (redes municipal e estadual) a regulamentação e a definição dos conteúdos, além de definir as normas para a habilitação e admissão dos professores.

Ocorre que a concessão dessa liberdade para o professor poder promover as suas crenças em sala de aula, além de caracterizar proselitismo religioso, gera diversos questionamentos por parte de especialistas. Aliás, foi o que divulgou uma matéria publicada hoje no portal de notícias do G1 ao compartilhar os lúcidos comentários feitos por Elcio Cecchetti, coordenador-geral do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper):

"Escola pública é lugar para todos os tipos de crenças e pessoas. Nas aulas de ensino religioso a gente tem a oportunidade de conhecer esses credos de maneira científica e respeitosa, construir diálogo para poder ler e interpretar a sociedade de maneira mais fundamentada e menos com base em preconceito e 'achismo' (...) As pessoas reproduzem ideias e opiniões pouco estudadas, pouco embasadas, e com isso se alastram preconceitos e discriminações com base em rótulos e equívocos, a bem dizer (...) A escola é o lugar onde se pode estudar as coisas de maneira científica, e esse conhecimento ilumina as práticas, ilumina as concepções das pessoas, e isso pode sempre fomentar atitudes pelo menos de reflexão, de argumentação. Ele pode não concordar com a crença do outro, mas deve respeitá-la. Então, saber lidar com o pensamento divergente. E isso nós perdemos, nesse momento." - Extraído de https://g1.globo.com/educacao/noticia/autorizacao-de-ensino-religioso-confessional-pelo-stf-pode-criar-caos-de-gestao-dizem-especialistas.ghtml 

Outros argumentos contrários à decisão do STF colocados na reportagem do G1 seriam a desvantagem entre as religiões, o risco de haver divisões entre alunos (segundo a crença de cada família) e os custos que serão gerados ao Poder Público, crítica esta feita pelo professor Eulálio Avelino Pereira Figueira, doutor em Ciência da Religião e coordenador do curso de especialização da PUC-SP. Atentamente, ele colocou que:

"Se aula de ensino religioso é o ensino de uma religião específica, quem é que vai decidir isso? Segundo, isso vai ficar fora da própria averiguação do MEC, do conteúdo e de como isso vai ser lecionado. Acho isso extremamente perigoso."

Apesar do resultado, considero relevantes os votos vencidos dos magistrados que acompanharam o relator da ação, o ministro Luís Roberto Barroso. Para o ministro Marco Aurélio, a laicidade estatal "não implica o menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim, afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual". Acrescentando que não cabe ao Estado incentivar o avanço de correntes religiosas específicas, mas, sim, assegurar campo saudável e desimpedido ao desenvolvimento das diversas cosmovisões, dizendo que 

"O Estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico"

No mesmo sentido, também votou o ministro Celso de Mello (leia AQUI a íntegra do voto), ao entender que o Estado laico não pode ter preferências de ordem confessional, não podendo interferir nas escolhas religiosas das pessoas. E assim destacou, ao acompanhar integralmente o relator da ação direta: 

"Em matéria confessional, o Estado brasileiro há manter-se em posição de estrita neutralidade axiológica em ordem a preservar, em favor dos cidadãos, a integridade do seu direito fundamental à liberdade religiosa"

Entretanto, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ao proferir o seu voto de desempate, seguiu a divergência que fora apresentada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de julgar a ação improcedente a fim de que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras tenha natureza confessional. De acordo com ela, todos estão de acordo com a condição do Estado laico do Brasil, com a tolerância religiosa, bem como a importância fundamental às liberdades de crença, expressão e manifestação de ideias: "A laicidade do Estado brasileiro não impediu o reconhecimento de que a liberdade religiosa impôs deveres ao Estado, um dos quais a oferta de ensino religioso com a facultatividade de opção por ele".

Assim, com a leitura dos três votos proferidos nesta quarta-feira, o Supremo concluiu o julgamento da ADI. Votaram pela improcedência do pedido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Ficaram vencidos os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello, que se manifestaram pela procedência da ação.

Já a apreciação do recurso na área eleitoral que eu tanto desejava assistir ficou redesignada para a sessão de quinta-feira (amanhã), dia 28/09, prevista para começar às 14 horas. Porém, valeu a pena acompanhar o debate, apesar de hoje eu ser contra que, numa escola pública, seja ministrado ensino religioso confessional. Ainda mais dentro de um  Estado que é laico.

2 comentários:

  1. Embora não o saiba comentar como merecia, a verdade, é que fico sempre fascinada com a sua forma de escrever. BRILHANTE
    .
    Deixo beijinho carinhoso.

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  2. Oi, Lenita.

    Obrigado por sua visita com comentários.

    Seja sempre bem vinda.

    Bjs

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