Desde o ano passado, venho recebendo em minha caixa de e-mails ofertas de empresas oferecendo serviços aos advogados para que eles "terceirizem" o peticionamento dos seus processos ou comprem pacotes de peças jurídicas. Uma dessas mensagens veio com o título "⏳Chega de Perder Tempo com Petições!⚡" e apresentou a seguinte proposta:
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Confesso que isso muito me preocupa porque os profissionais do Direito poderão deixar de exercitar um aspecto prático muito importante da profissão que é escrever as suas próprias peças jurídicas. Ou seja, com a ajuda da inteligência artificial e de um escritório especializado voltado para a área jurídica, ele terá o seu maior labor resolvido em instantes já que as redações nos exigem tempo para pensar, estudar, pesquisar, elaborar estratégias de persuasão do leitor e, para quem possui um mínimo de zelo pelo idioma, revisar o uso correto da gramática.
Quando era criança e entrei na escola, lembro que as pessoas adultas usavam uma máquina para escrever e outra para calcular, porém os alunos eram proibidos de fazer uso da calculadora na aula porque ela atrapalharia no aprendizado da matemática. E, de fato, quando deixamos de exercitar manualmente as chamadas "quatro operações" corremos o risco de esquecer como é que se faz para resolver cálculos um pouco mais complexos.
Na segunda metade dos anos 90 do século passado, tendo ingressado na graduação universitária, já existiam os microcomputadores e a internet, embora esta tivesse um menor conteúdo de informações. Contudo, não demorou muito para os professores terem que se atentar para o risco de seus alunos copiarem textos de artigos e monografias feitas por terceiros, o que, na maioria das vezes, se torna flagrantemente perceptível para um avaliador com conhecimento e senso crítico.
No meu entender, todo o avanço tecnológico da humanidade poderá nos deixar alienados e obsoletos. Pois um advogado que não peticiona mais não passará de um captador de clientes oferecendo um serviço que não é ele mesmo quem produz e sim um terceiro que, por sua vez, poderá ter sido também contratado pelo adversário na mesma causa que estará patrocinando na Justiça...
A advocacia é uma profissão que exige dedicação, ética e estudo. Daí a célebre frase "o advogado que não estuda, é cada dia menos advogado", a qual nos faz lembrar do célebre texto Os mandamentos do advogado, do jurista uruguaio Eduardo Juan Couture (1904 - 1956) quando magistralmente advertiu sobre a a necessidade de uma constante atualização dos operadores do Direito:
"1) ESTUDA. O Direito se transforma constantemente. Se não seguires seus passos, serás a cada dia um pouco menos advogado.
2) PENSA. O Direito se aprende estudando, mas se exerce pensando.
3) TRABALHA. A advocacia é uma árdua fadiga posta a serviço da justiça.
4) LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça.
5) SÊ LEAL. Leal para com o teu cliente, a quem não deves abandonar até que compreendas que é indigno de ti. Leal para com o adversário, ainda que ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e que quanto ao direito, alguma outra vez, deve confiar no que tu lhe invocas.
6) TOLERA. Tolera a verdade alheia na mesma medida em que queres que seja tolerada a tua.
7) TEM PACIÊNCIA. O tempo se vinga das coisas que se fazem sem a sua colaboração.
8) TEM FÉ. Tem fé no Direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e, sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz.
9) OLVIDA. A advocacia é uma luta de paixões. Se em cada batalha fores carregando tua alma de rancor, sobrevirá o dia em que a vida será impossível para ti. Concluído o combate, olvida tão prontamente tua vitória como tua derrota.
10) AMA A TUA PROFISSÃO. Trata de conceber a advocacia de tal maneira que no dia em que teu filho te pedir conselhos sobre seu destino ou futuro, consideres um honra para ti propor-lhe que se faça advogado."
Não vou negar que, graças à tecnologia, fui poupado de ter que digitar a citação feita acima já que a internet me facilitou a reprodução de um texto já conhecido por mim há quase trinta anos e que já existia décadas antes do meu nascimento. Porém, se não fosse o ato de estar redigindo um artigo para o blogue, eu não estaria, neste momento, exercendo uma importante habilidade da nossa vida social.
De qualquer modo, precisamos ter o devido cuidado para não sairmos fabricando serviços padronizados e elaborados por terceiros sem a nossa participação e supervisão. A inteligência artificial não pode fazer dos profissionais do Direito, seja de que especialidade for, um mero agenciador de causas que, com o tempo, vão acabar se esquecendo daquilo que aprenderam numa sala de aula ou no começo da profissão, quando tínhamos que esquentar a barriga no balcão e passar horas (ou dias) elaborando uma peça que, depois de pronta, era levada até o Fórum.
Ótimo sábado a tod@s e aproveito para desejar um mês de fevereiro com muito sucesso.
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