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sábado, 29 de fevereiro de 2020

Brinquedos hoje proibidos das crianças de antigamente...



Achei a foto acima nos álbuns que eram de minha avó Darcília. O menino da direita, ao lado do coleguinha portando um revólver, era meu pai, Francisco Carlos Ancora da Luz, nos tempos de sua infância no Rio Grande do Sul, lá pelo final dos anos 40, ou comecinho da década de 50 do século XX. Mais precisamente na cidade de São Borja, terra do ex-presidente Getúlio Vargas.

Confesso que fiquei um tanto surpreso com a imagem de duas crianças tão pequenas segurando uma arma letal. Porém, se retrocedermos um pouco no tempo, ainda mais se tratando de um município que faz fronteira com uma nação considerada rival do Brasil para fins militares, veremos que fazia todo sentido os pais incentivarem os filhos a atirar. Principalmente sendo cria de um oficial do exército como era meu saudoso avô Sylvio.

Vendo outras fotos, notei que meus avós tiveram um cavalo de estimação, animal que os gaúchos chamam de "pingo". E, sendo já bebê, papai já era acostumado a ter contatos com o equino.

Pois bem. Enquanto eu, em minha infância no bairro Grajaú do Rio de Janeiro, apenas montava à cavalo nos passeios urbanos próximos à pracinha Edmundo Rego, sempre guiado pelo dono do animal, as crianças dos Pampas gaúchos tinham toda a liberdade para sair cavalgando por aquelas regiões planas. Era uma outra vida!

Confesso jamais ter ido aos Pampas. Na única vez em que fui ao Rio Grande do Sul, em março de 1996, andei apenas por Porto Alegre que é a capital estadual. Na ida, cheguei lá descendo de ônibus pela sinuosa serra, a qual muito me encantou com seu belíssimo verde. Já na volta, retornei também pela via rodoviária, seguindo pelo litoral, à noite, e sem poder ver a paisagem. Contudo, escutava muitas histórias contadas por meu avô sobre a época em que ele serviu às Forças Armadas em cidades daquele estado e ouvíamos muito as fitas cassetes do Gaúcho da Fronteira, nome artístico do cantor de músicas regionais Heber Artigas Armua Frós.

Tendo convivido com meu pai apenas na tenra infância, visto ter ele falecido aos 36 anos (1983), quando eu me encontrava com apenas sete de idade, posso dizer que a sua personalidade nada tinha a ver com a do estereótipo machão e briguento que se faz (ou fazia) do gaúcho dos Pampas. Inclusive, em sua foto tirada na adolescência, ao lado de minha avó, já na moradia de veraneio da família em Muriqui (mesma casa onde hoje eu resido com Núbia), eis que a imagem expressa um jovem pacífico e de sensibilidade. E penso que, devido à diabete crônica que contraiu com uma década de vida, tornando-o dependente do uso das injeções de insulina, as experiências o levaram a trilhar outros caminhos.

De qualquer modo, nunca se pode supor que, pelo fato de uma criança ser incentivada a curtir determinadas brincadeiras, necessariamente ela desenvolverá um tipo de personalidade que corresponda às atividades praticadas. Pois todos quando chegamos à idade jovem ou adulta, começamos a questionar os valores recebidos dos pais e da sociedade em geral até optarmos pelos nossos.

Logicamente que, se uma criança não brinca com armas, nem mesmo com os fictícios objetos que imitam as verdadeiras, a chance de que ela se torne um adulto de paz será maior do que se o pai lhe comprar um revólver de plástico. Só que a educação jamais pode se resumir a isso pois há a necessidade de que pais e filhos dialoguem com frequência a fim de que os bons valores se consolidem.

Caso ainda vivesse aqui nesta terra, meu pai já teria seus 73 anos e duvido que teria votado no Bolsonaro e menos ainda feito o gesto de "arminha" na campanha de 2018. Pois mesmo sendo filho de um militar do Exército, ele tinha como livro de cabeceira uma versão em espanhol de O Capital e foi um cabo eleitoral de Brizola entre os empregados da Companhia Estadual de Gás (CEG) durante o vitorioso pleito de 1982.

Fato é que a leitura sempre será uma experiência capaz de permitir ao ser humano refletir sobre a realidade e questioná-la. Principalmente se ele estiver lendo um livro que desperte o senso crítico. E aí, se fizermos um breve comparativo com o mundo de sete décadas atrás, vamos chegar à conclusão de que, nesses novos tempos de internet móvel, há o perigoso risco de que o pensamento seja menos exercitado pelas novas gerações.

Voltando a falar das fotos de meu pai ainda pequeno, achei uma em que ele, estando acompanhado da babá e de um coleguinha, também em São Borja, mostrou-se um pouco injuriado por estar vestido com um chapéu do Carnaval. Observa-se pela sua face que não se tratava da mesma alegria manifesta na imagem da arma de fogo.



Apesar de não me recordar para qual escola de samba do Rio o meu pai torcia, sei que ele era um bom apreciador do Carnaval, assim como gostava muito do Flamengo do jogador Zico e das corridas de Fórmula 1 do piloto Nelson Piquet. Quando brincávamos, nossa preferência não eram as armas, mas, sim, os carrinhos de ferro que cheguei a colecionar. Bons tempos...

3 comentários:

  1. Muito bom esse resgate das memórias do seu pai. Quanto as armas como brinquedo, também brinquei muito. Um excelente domingo!

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    1. Pois é. Já no meu tempo, sendo criado em apartamentos dentro de área urbana, não tive a mesma chance de manejar uma arma como brinquedo. Os valores já tinham mudado bastante cerca de 30 anos depois, embora muitas crianças ainda aprendessem a atirar. Apesar disso, hoje não sinto a menor falta de ter uma arma e nenhum desejo de aprender a atirar.

      Ótima semana!

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