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sábado, 13 de janeiro de 2018

1968: um ano para não esquecer



Neste final de semana, terminei de ler o  livro 1968: O ano que não terminou do jornalista e escritor mineiro Zuenir Carlos Ventura, hoje ocupante da 32ª cadeira da Academia Brasileira de Letras. Trata-se de uma obra publicada há quase três décadas atrás, mais precisamente em 1989.

Apesar de escrito antes da Comissão da Verdade, o autor retratou os principais fatos da vida nacional em 1968, quando o Brasil de fato tornou-se uma ditadura através do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), recrudescendo ainda mais o regime militar implantado em 1964.

No entanto, 1968 não começou com o draconiano AI-5. Zuenir Ventura descreve o início daquele ano através de uma animada festa de réveillon na residência de um casal da alta sociedade carioca que contava com um público de visitantes bem ecléticos. Muitos destes com um comportamento fora  dos padrões costumeiros da época, mas que estavam mudando. Aliás, tratava-se de um tempo que passava por grandes transformações nas áreas política e comportamental em diversas partes do mundo e que teve como um marco global o movimento de maio, na França.

Todavia, o livro foca nos acontecimentos ocorridos no Brasil e traz fartas informações sobre os personagens que marcaram 1968. Artistas, cantores, políticos, autoridades, líderes estudantis, militantes de esquerda, poetas e outras personalidades mais são relatados por Zuenir dos quais muitos ainda se encontram vivos. Inclusive o próprio autor, um testemunha ocular daqueles tempos difíceis e da efetiva implantação da ditadura militar no Brasil pelo referido AI-5.

Foram também abordados na obra os principais fatos do ano. Depois de contextualizar o ambiente sócio-cultural de meio século atrás, o clima de tensão política vivido no Brasil vai sendo narrado a partir do assassinato covarde por policiais do estudante Edson Luís de Lima Souto (1950 - 1968) durante um protesto no Rio de Janeiro, episódio que se tornou o ponto de partida para uma série de manifestações pelo país, culminando na histórica Passeata dos Cem Mil, no final de junho.

Tendo o Brasil alcançado um nível de polarização ideológica bem mais elevado do que na atualidade, a nossa sociedade de 1968 já não mais se entendia. Tanto da parte da esquerda quanto da direita, era o radicalismo, a intolerância, o desrespeito e a estupidez que predominavam dentro da política. Tornou-se difícil, senão impossível, a adoção de posicionamentos conciliadores pois não se achava uma receptividade capaz de acolher posições moderadas. Discursos progressistas a exemplo do deputado Márcio Moreira Alves (1936 - 2009) filiado ao então MDB, peças teatrais polêmicas para a moral, como Roda Viva (1967), escrita por Chico Buarque, e canções tipo "Caminhando" (Pra não Dizer que não Falei das Flores) do Geraldo Vandré, eram classificadas como sendo coisas "subversivas" que a censura encarregou-se de proibir.

Antes mesmo da assinatura do AI-5, alguns episódios violentos são comentados no livro. Um deles seriam as agressões aos atores da peça Roda Viva nas cidades de São paulo e de Porto Alegre. Outro foi o XXX Congresso da UNE realizado clandestinamente num sítio em Ibiúna (SP), quando centenas estudantes que participavam do evento foram presos.

Interessante é que o autor observa o que havia de positivo no então Presidente da República, Mal. Artur da Costa e Silva (1899 - 1969), o qual não estava disposto a assinar o AI-5 em 13 de dezembro daquele ano, mas foi pressionado pelos setores linha dura das Forças Armadas a fazê-lo. E caso resistisse, teria sofrido um destino semelhante ao que João Belchior Marques Goulart (1919 - 1976) tivera em 1964.

O livro se encerra mostrando as inúmeras prisões de poetas, escritores, cantores, políticos, artistas e outras personalidades que foram presas com o AI-5, inciando-se uma verdadeira caça às bruxas. Até o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 - 1976) e o ex-governador do Estado da Guanabara, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1917 - 1977), não escaparam da cadeia. Instalou-se no Brasil um clima de terror.

Repensando o mundo de cinco décadas atrás, considero que o brilhante livro de Zuenir Ventura nos ensina hoje o quanto é perigoso para uma democracia sofrer uma intervenção militar como muitos insanamente defendem sem ao menos refletirem. Pois uma vez que permitimos a entrega do poder a quem não possui legitimidade democrática e abrimos mão das garantias constitucionais, do nosso protagonismo na política, bem como de uma significativa parcela da liberdade, começamos a correr o risco de nos arrepender amargamente amanhã quando um regime autoritário vier a ser imposto.

Assim, mesmo sendo um livro escrito no final dos anos 80 (menos do lapso temporal que nos separa de 1968), a obra em comento continua sendo convidativa para uma leitura pelos mais jovens que hoje se deixam levar pelos discursos do radical de direita Jair Bolsonaro. Aliás, a obra poderia ser reeditada com comentários que atualizem o leitor e acrescente imagens da época. Pois, neste crítico momento no qual hoje vivemos, torna-se fundamental a sociedade relembrar a História a fim de que as gerações do presente não venham a repetir os erros do passado.

Que o Brasil um dia se cure de sua amnésia crônica!

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