Acho inaceitável que, em pleno século XXI, trabalhadores que prestavam serviços para uma empresa contratada por vinícolas de Bento Gonçalves, município da serra gaúcha, tenham sido mantidos em situação análoga à escravidão. Justamente quando a Lei Federal n.º 10803/2003, que incluiu no Código Penal punições para quem explora o trabalho escravo, completará 20 anos em dezembro do corrente, nos deparamos com uma situação completamente absurda.
Conforme foi amplamente noticiado na imprensa, duzentas e sete pessoas que trabalhavam na colheita da uva, em Bento Gonçalves, foram resgatadas de um alojamento na quarta-feira passada (22/02). Em depoimentos, trabalhadores relataram que, nos alojamentos, chegavam a sofrer ameaças ou algum tipo de violência praticada por pessoas que se diziam policiais.
Se realmente for confirmado que os agressores dessas vítimas eram de fato policiais militares gaúchos, podemos dizer que a situação se torna mais grave ainda porque, em tal hipótese, passamos a ter agentes estatais envolvidos com uma prática hedionda. E, certamente, os depoimentos precisarão ser colhidos e os criminosos identificados para uma posterior responsabilização, tanto na esfera pena quanto administrativa.
Fatalmente, a questão maior que deve ser levantada é sobre a punição econômica às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi juntamente com as empresas terceirizadas por elas contratadas, as quais estavam de se utilizando mão de obra análoga à escravidão para a colheita de uva. Segundo a procuradora do MPT Ana Lucia Stumpf González, "com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção".
Minha indagação, todavia, é se bastará responsabilizar subsidiariamente essas vinícolas, caso o contratante original não faça a quitação integral dos direitos trabalhistas? Afinal quanto representará o pagamento de alguns milhões de reais na Justiça para quem lucra anualmente mais de cem vezes o valor dessa reparação?!
Sinceramente, já nem penso tanto na questão criminal que não deverá alcançar as vinícolas, porém precisamos de leis mais rígidas já que tais empresas têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada.
Por fim, é indispensável o Brasil regulamentar expropriações a quem usa trabalho escravo! Pois é preciso dar efetividade à atual redação do artigo 243 da Constituição Federal, dada pela Emenda n.º 81/2014, para que fosse definida a punição com expropriação da propriedade rural que pratica trabalho escravo, sem compensação para o proprietário:
"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)"
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