Pelo que venho acompanhando nos jornais, eis que, em vários países, tem-se noticiado acerca da derrubada de monumentos públicos que homenageiam algum personagem histórico hoje não mais visto como herói.
Em 2020, um dos primeiros alvos de manifestantes radicais foi vandalizar uma estátua do navegador Cristóvão Colombo, decapitada na noite do dia 09/06, em Boston, Estados Unidos.
Nos dias seguintes, outro gesto contra símbolos do colonialismo se repetiu, de modo que, na cidade inglesa de Bristol, a escultura de Edward Colston também foi derrubada e jogada no principal rio da cidade, por ter sido o parlamentar inglês um traficante de escravos. E, seguindo a onda, eis que até um monumento em homenagem ao padre Antônio Vieira, no Largo Trindade, em Lisboa, foi também destruída.
A meu ver, os integrantes desse movimento extrapolaram e espero que ninguém no Brasil os imite, pois causaria desnecessários conflitos ideológicos no nosso meio social já tão desgastado pelas divergências entre petistas e bolsonaristas.
Imaginem se resolvessem quebrar as estátuas de Getúlio Vargas nas diversas cidades do país só pelo fato de ter sido um ditador durante o período do Estado Novo? Ou então, se agora, em 2021, cerca de 230 anos de seu enforcamento no Rio de Janeiro, o Tiradentes passasse a ser considerado um vilão porque, supostamente, foi senhor de uns poucos escravos?
Uma hipótese ainda mais louca seria se algum carioca iconoclasta resolvesse destruir a estátua do Redentor do alto do morro do Corcovado por considerar que, mesmo a imagem representando Jesus, a sua preservação caracterizaria um "pecado de idolatria". Ou ainda, um ateu radical praticasse tal ato justificando-se que o Estado brasileiro é laico e que o Cristo não poderia se encontrar erguido num local público.
Rever o espaço que certos personagens da história têm nos ambientes urbanos sempre será algo legítimo e que cabe numa democracia por mais que agrade uns e desagrade outros. Basta que o interessado busque os meios legais, tipo interagir com o Poder Legislativo, apresentar um projeto de iniciativa popular e ganhar a consciência das pessoas para sua ideia.
Entretanto, um grupo da sociedade querei impor iniciativas por si mesmo e sair derrubando monumentos públicos significa agredir a ordem democrática. Trata-se, pois, de um abuso que desrespeita a nossa liberdade, o que não representa progresso social e sim retrocesso, trazendo à memória os atentados terroristas de algumas milícias atuantes no Médio Oriente, a exemplo do Estado Islâmico.
Fato é que, mesmo para quem defende a retirada de um determinado monumento nos espaços públicos jamais será possível aceitar a imposição de vontade de uma minoria despida de qualquer legitimidade. Nem mesmo os governantes, ainda que investidos de uma parcela da autoridade estatal (e tendo recebido o voto de eleitores nas urnas), nunca poderiam agir assim num Estado Democrático de Direito de maneira que uma estátua não pode ser removida sem que antes haja um participativo processo de consulta à comunidade finalizado com a aprovação de uma Lei.
Ora, dentro de um debate público sobre o assunto, certamente que será possível discutir entre os interessados acerca da tese apresentada e, ainda, sobre a conveniência ou não a remoção. Aliás, neste aspecto, eu estou de acordo com o professor de História da UFF Paulo Knauss, ex-diretor do Museu Histórico Nacional e do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Pois, segundo ele, "o passado não se apaga se tiramos os seus objetos da paisagem", devendo ser considerado que a existência de um monumento explica a leitura feita numa determinada época.
Enfim, numa época tão conflitante como a nossa, há que se exercitar mais o diálogo dentro do meio social pois só assim o ser humano se entenderá diante de tempos tão difíceis. Ou do contrário, deixaremos de avançar e vamos acabar retrocedendo aos equívocos que foram cometidos na primeira metade do século passado quando o planeta viveu duas guerras mundiais com violações gravíssimas dos direitos humanos.
OBS: A foto acima refere-se à estátua do estadista norte-americano Jefferson Davis derrubada em Richmond, na Virgínia, nos EUA. Créditos autorais da imagem atribuídos a Parker Michels-Boyce/AFP
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