Conforme este blogueiro já havia informado no mês passado, através da postagem Na espera da publicação do acórdão do TRF-2 sobre a isenção do pedágio para moradores de Mangaratiba, eis que, na última sexta-feira (06/09/2024), finalmente foi disponibilizada a decisão da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região com o voto divergente do desembargador André Fontes no sentido de dar provimento ao agravo de instrumento interposto pela Prefeitura de Mangaratiba a fim de suspender a cobrança tarifária dentro do Município quanto aos veículos de seus residentes.
De acordo com o magistrado, de fato "o pedágio penaliza de maneira desproporcional e viola o direito de ir e vir, especialmente de parte dos cidadãos que, para acessar o centro do município, onde estão os serviços públicos, como o hospital ou a delegacia, precisa passar pelo pedágio, sem que haja qualquer via alternativa". E acrescentou que o pórtico instalado no distrito de Conceição de Jacareí teria dividido Mangaratiba em dois grupos, sendo "um com aqueles que podem acessar o centro, e, portanto, todos os serviços públicos, sem precisar passar pelo pedágio (ainda que utilizem um trecho da rodovia em concessão) e aqueles munícipes que necessitam passar pela praça de cobrança para acessar o centro da cidade", contrariando o próprio Programa de Concessões de Rodovias Federais, o qual "tem como premissa a não localização de praças de pedágio em trecho urbano".
Uns dois principais raciocínios utilizados pelo julgador seria a distinção entre usuários e passantes, o que se aplicaria, respectivamente às hipóteses de deslocamentos intermunicipais e intramunicipais, acolhendo, com isso, o entendimento já exposto pelo Ministério Público em primeira instância. E outro posicionamento foi quanto ao fato da rodovia Rio-Santos tratar-se da única via de acesso entre as localidades:
"No caso em tela, se trata da única via de acesso de determinados bairros ao centro do Município de Mangaratiba, onde está localizado o único hospital da cidade. Nesse sentido, observo que a autorização da primeira agravada para implementação do pedágio de modo a inviabilizar o acesso de parte dos cidadãos ao hospital municipal acaba por ferir o art. 2º da Lei 8.080-90: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. É dever do Estado prover as condições indispensáveis para o exercício do direito à saúde e não há nada mais básico para o efetivo exercício do direito à saúde do que o direito de ir e vir e poder chegar até o hospital sem que haja obstáculos financeiros desproporcionais para parte da população."
Acerca das alegações de que a isenção aos moradores importaria num desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, a decisão sabiamente aclarou tal questionamento:
"(...) não deve prevalecer a conclusão de que a isenção de uma pequena população que usa a rodovia apenas de passagem dentro do seu próprio município de residência, acarretaria na inviabilidade econômica do concessionário extrapola qualquer dado do caso concreto apresentado nos autos. Com efeito, não há qualquer prova nos autos de que houve algum estudo de viabilidade econômica do empreendimento que indicasse categoricamente a consequência financeira da isenção daqueles moradores que utilizam a rodovia como passagem intramunicipal. Tampouco existe estudo de viabilidade do empreendimento que mencione essa população específica, ou mesmo que a frequência do tráfego interno do município tenha sido levado em consideração previamente nos estudos de implementação do sistema de pedágio pelas agravadas (...) Assim sendo, não se pode partir da premissa que a concessão de um trecho de uma das principais rodovias federais do país, que tem a extensão de 270 kms, com três distintas praças de pedágio (Kms 414, 447 e 538), com dois sentidos de cobrança, Rio-Santos, veria sua “viabilidade econômica” afetada pela isenção de uma pequena população que necessita trafegar internamente em um município para acessar serviços básicos essenciais como o único hospital municipal, sem que haja nenhum dado concreto que sustente tal conclusão"
Apesar da adoção do Desconto de Usuário Frequente, o DUF, mesmo assim a cobrança estaria sendo praticada de maneira não isonômica por não levar em conta uma situação particular que atinge os moradores, gerando desvio de finalidade e não atendimento aos interesses da coletividade:
"Em primeiro lugar, a existência de eventual desconto de usuário frequente (DUF) não significa ausência de cobrança, ou seja, o munícipe continua a sofrer uma penalização desproporcional com ou sem desconto para o acesso aos serviços básicos. Em segundo lugar, esses valores não são irrelevantes considerando a renda média da maioria da população. Nesse sentido, observo concretamente que, segundo as regras estabelecidas pelas agravadas, o grau máximo de desconto é oferecido apenas àquele usuário que utiliza o posto de pedágio 31 ou mais vezes no mês (em cada sentido). Apenas nessa hipótese, no percurso de número 32 em diante, é que a tarifa chegaria a R$1,09 nos dias úteis e R$1,79 nos finais de semana, por sentido percorrido (ou seja, R$2,18 e R$3,58 ida e volta). Para outra parte dos passantes o valor de cada viagem ida e volta (bairro-centro) será de R$8,54 em dias úteis e R$13,72 nos finais de semana, já computando o desconto progressivo oferecido pela concessionária. Esse valor de uma viagem corresponde à 1% do salário mínimo vigente (...) verifico que a sistemática de Desconto de Usuário Frequente (DUF), invocada na minuta da agravada, não é suficiente para conferir um tratamento substancialmente igualitário aos usuários afetados e aos demais usuários da rodovia que foi objeto da concessão; razão por que apenas a isenção no pagamento do preço público em debate revela-se apta a suprir os já mencionados obstáculos financeiros suportados particularmente por tais pessoas para arcar com os custos do acesso ao centro do município em que residem"
Com base nesses e em outros argumentos do desembargador, o Colegiado, por maioria, reformou a decisão do Juízo da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro e deu provimento ao recurso para "deferir a tutela de urgência requerida nos autos de origem, suspendendo a cobrança do pedágio dentro do Município de Mangaratiba quanto aos veículos de seus residentes".
Embora a concessionária CCR e a ANTT aguardem ser ainda intimadas e a Turma Julgadora não fixou um prazo para o cumprimento da medida, admite-se como razoável o período de cinco dias úteis a contar do dia útil seguinte da intimação, tendo em vista o disposto no Código de Processo Civil, mais precisamente o parágrafo 3º do seu artigo 218:
"Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.(...)§ 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte."
Da decisão ainda cabe recurso. O número do processo em segunda instância é o 5007194-65.2023.4.02.0000.
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