Desde os tempos dos antigos hominídeos, há centenas de milhares de anos, famílias pré-históricas reuniam-se em torno de fogueiras com a finalidade de preparar o alimento e, consequentemente, conviver. Iluminando a escuridão noturna, nossos ancestrais puderam conversar entre si, contar suas experiências, trocar ideias, rememorar eventos do passado, fazer brincadeiras, celebrar seus mitos e experiências religiosas de maneira que o fogo se tornava fator de aproximação e de união entre as pessoas.
Muitas dessas suposições são, obviamente, baseadas em tribos estudadas por pesquisadores, as quais muitas das vezes viviam da caça e coleta de vegetais em diferentes regiões do planeta. Segundo um artigo da antropóloga Polly Wiessner, da Universidade de Utah, nos EUA, publicado numa das edições de setembro de 2014 do periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), assim seriam as experiências dos grupos primitivos que habitam o Deserto do Kalahari, região semiárida do sul da África entre Namíbia e Botsuana, fazendo lembrar em muito as experiências do cotidiano dos nossos índios cá na América do Sul:
"Há algo no fogo no meio da escuridão que une, alivia e também excita as pessoas. É algo íntimo. O período noturno em volta da fogueira é um tempo universal de união, de repassar informações sociais, se divertir e dividir emoções. À noite, falamos sobre as características de pessoas que não estão presentes e fazem parte de nossas redes sociais maiores, de pensamentos sobre o mundo espiritual e como ele influencia o humano. E temos ainda cantos e danças, que também ajudam a unir o grupo." (Extraído da matéria "Domínio do fogo possibilitou início da 'boemia' na pré-história, diz estudo antropológico", publicada na internet do jornal O GLOBO, em 23/09/2014)
É certo que, com a vida sedentária nas localidades rurais e, depois ampliada com o advento da civilização, tais reuniões em torno da fogueira foram migrando para a mesa de refeições. Quer fosse bebendo um chá de hortelã sobre o tapete de uma aconchegante tenda árabe, ou comendo um churrasquinho com os amigos regado a uma cervejinha no quintal da casa, ou mesmo tomando aquele cafezinho fresco com as pessoas da família, a convivência presencial permaneceu por um longo período em grupos maiores ou menores.
Tudo ia relativamente bem até que inventaram a televisão, depois o microcomputador doméstico e, finalmente, o smartphone que, por sua vez, poderá ser substituído por outros aparelhos mais sofisticados na próxima década para os consumidores se encherem de longas prestações no cartão de crédito. Diante do fogo eletrônico da TV, famílias da segunda metade do século passado assistiam mudas e caladas as programações dos telejornais, novelas, filmes, minisséries bem como as competições esportivas. Não demorou muito para que psicólogos e religiosos começassem a chamar a atenção da sociedade para esse fator de desagregação, considerando a redução no diálogo verbal entre pais e filhos menores.
Indiscutível é que essa perda de convivência teve uma certa dose de responsabilidade dos pais que, sob certo aspecto, perceberam uma imediata vantagem nisso. Não é por menos que, por exemplo, muitas mães ligam a televisão para que as crianças se entretenham com os desenhos infantis, enquanto ela se ocupa de outras tarefas da casa sem precisar dividir as atenções com os filhos. Porém, não se pode esquecer que, até nos momentos em que os adultos se divertem entre si, os menores são estimulados a ficar horas diante da telinha para não perturbar o papo dos genitores com os amigos que visitam a casa.
Todavia, os tempos de internet fazem com que tenhamos até saudades da época em que ficávamos todos emudecidos diante da TV. Isto porque, durante os comerciais, as pessoas ainda trocavam ideias a respeito da própria programação assistida ou sobre qualquer outro assunto pertinente. Já outros dividiam-se entre as animações da emissora e a pessoa ao lado, focando mais naquilo que lhe interessasse no momento. Isto quando não mudavam habitualmente de canal através do controle remoto em mãos, o que poderia ser um reflexo da própria ansiedade.
Fato é que, na atualidade, em que cada membro da casa possui em mãos o seu telefone celular com acesso rápido à internet, por meio de aplicativos que permitem a troca de mensagens instantâneas, já não há mais o intervalo entre as programações para as pessoas da família papearem e nem subsiste a necessidade de permanecer todos no mesmo cômodo. Enquanto houver conexão Wi-Fi (ou da operadora de telefonia), a audiência do mundo virtual será contínua e qualquer interrupção no meio presencial acabará se tornando um incômodo transtorno.
E quais serão as consequências causadas por esse isolamento tecnológico?
A respeito dessa mudança de comportamento, o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador dos núcleos de Terapias Virtuais e de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo, assim escreveu em seu blogue no UOL:
"Através de toda essa possibilidade, interagimos de uma maneira muito diferente do que fazíamos há anos com o conteúdo digital. Atualmente, baixamos apenas as músicas que nos atraem, buscamos notícias que nos interessam e, finalmente, visitamos sites que reproduzem ampla e irrestritamente a grande maioria de nossos interesses pessoais. Alguns, como Eli Pariser, por exemplo, acreditam que estamos de tal forma imersos em conteúdos que nos seduzem que, apesar de estarmos profundamente conectados, estamos igualmente vivendo uma nova forma de isolamento, o iSolamento virtual. Nesse sentido, é bem fácil perceber que as informações que fogem desse modelo individual, naturalmente são filtradas ou bloqueadas por uma bolha (ou filtro) invisível Dificilmente o indivíduo será perturbado por coisas que não lhe agradam ou temas que não lhe importam. Isso, inevitavelmente, acaba criando uma fragmentação das experiências pessoais ao reduzir os horizontes experienciais desses internautas (...) Outro ponto que merece destaque é que essa cultura da customização de conhecimentos, em parte, pode estar contribuindo para a criação de uma geração de narcisistas. Veja só: segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, a presença do transtorno narcisista da personalidade é hoje 3 vezes maior entre jovens com 20 anos de idade do que o das gerações que possuem 65 anos ou mais" (Extraído de https://cristianonabuco.blogosfera.uol.com.br/2014/04/30/tecnologia-e-novas-formas-de-isolamento/)
Mais do que nunca, o homem do século XXI precisa ser educado para conseguir fazer um melhor uso das novas tecnologias da área de comunicação. A internet que foi criada para nos proporcionar uma melhor qualidade de vida, por permitir a realização de tarefas com um gasto menor de tempo, não pode agora ocupar um espaço tão significativo nas nossas vidas a ponto de roubar o convívio com as pessoas próximas (familiares e amigos) e nem ser substituída pelas formas mais saudáveis e proveitosas de lazer.
Que possamos, com maior frequência, ser capazes de desligar os celulares!
Olá Rodrigo. Recebi seu artigo de um amigo também chamado Rodrigo. Pois estou escrevendo um livro que aborda muito o tema deste. Eu amei sua postagem. Também me preocupo com o uso exagerado do celular e como houve uma mudança brusca no comportamento das pessoas.
ResponderExcluirOlá, Elisangela.
ExcluirObrigado por sua visita com comentários!
Desejo sucesso em seu livro.
Ótimo domingo!
Caro Rodrigo. Você só disse verdades na sua postagem. Que possamos refletir e nos prevenir contra esses tempos modernos e virtuais.
ResponderExcluirUm excelente domingo!
Prezado Prof. Adinalzir,
ExcluirAgradeço por sua leitura e palavras aqui escritas.
Ainda é um desafio para psicólogos e educadores ensinar tanto crianças quanto adultos a lidar com o uso das novas tecnologias. Poucos têm sido bem sucedidos até o momento, diga-se de passagem.
Forte abraço e ótima semana!