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quinta-feira, 23 de março de 2023

As gratificações incorporadas pelos servidores precisam ser atualizadas pelos índices da revisão geral anual

 


Na sessão desta quinta-feira (23/03/2023), a Câmara Municipal de Mangaratiba aprovou a Indicação n.º 99/2023, de autoria do vereador Hugo Graçano, o qual solicitou ao Chefe do Poder Executivo que: "as gratificações de funções incorporadas pelos servidores do Poder Executivo sejam devidamente reajustadas conforme os índices das últimas revisões do funcionalismo municipal quanto ao vencimento".


A proposta é mais do que justa! Pois as incorporações de gratificação de função tornam-se parcelas de natureza salarial do servidor, de modo que, em conformidade com os índices aplicados na revisão geral anual para os vencimentos, o adicional deve também ser proporcionalmente ajustado.


Como sabemos, no final do ano passado, foi sancionada e publicada a Lei Municipal n.º 1.469, de 12 de dezembro de 2022, a qual dispõe sobre a data-base das remunerações dos servidores efetivos do Poder Executivo, referente aos períodos de 2019, 2020, 2021 e 2022, estabelecendo uma revisão de 20% (vinte por cento), tendo como referência o IPCA. E, embora o artigo 1º da referida norma faça menção aos "salários" dos servidores municipais de carreira, deve ser considerado que a gratificação incorporada ostenta típica natureza salarial de modo que os mesmos índices da revisão geral anual aplicados ao vencimentos devem ser extensivos às incorporações.


Em que pese a reforma da previdência haver vedado a incorporação de vantagens de caráter temporário, há que se respeitar sempre o direito adquirido já que os servidores que hoje recebem valores decorrentes das suas incorporações cumpriram os requisitos legais na época para a sua obtenção até à entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 103/2019.


Jamais podemos esquecer de que a revisão geral anual se trata meramente de uma reposição de um componente da remuneração já recebida por esses funcionários, e que tem por objetivo garantir estabilidade financeira ao trabalhador. Entretanto, nas três últimas revisões concedidas conforme as normas municipais de Mangaratiba, inclusive as duas leis anteriores de número 987, de 23 de dezembro de 2015, e número 1.204, de 28 de maio de 2019, os gestores não corrigiram os valores das incorporações acompanhando os índices de 15% da reposição, respectivamente para os períodos de 2014/2015 e 2016/2017/2018, diferentemente do que se aplicou com a edição da Lei n.º 913, de 27 de março de 2014, quando o governo da época concedeu a revisão, no mês de maio daquele ano, pelo percentual de 3,5% (três e meio por cento), extensivo às incorporações.


Portanto, como solicitado pela referida Indicação que foi aprovada pela nossa Câmara, deve o Poder Executivo Municipal rever também os valores das incorporações dos seus servidores, sendo possível qualquer interessado ingressar com um requerimento neste sentido, através do Protocolo da Prefeitura, pedindo, inclusive, o pagamento de diferenças retroativas até os últimos cinco anos. E, se o pedido for negado, existe a possibilidade de obter as cópias de inteiro teor do processo, as fichas financeiras do atual e dos últimos cinco exercícios, e o trabalhador levar o caso à Justiça.

terça-feira, 21 de março de 2023

Um raro despertar em tempos cada vez mais líquidos



Um homem chamado Pedro estava prestes a completar 40 anos de vida e, dentro de uma semana, seria comemorado o seu aniversário, embora sem nenhuma pretensão de fazer um festejo que fosse além das paredes de sua casa.


Vivendo há quinze anos com uma mulher próxima à sua faixa etária, sem o casal ter gerado filhos, ele trabalhava há onze meses numa empresa prestadora de serviços e de consultoria, mas estava de olho em possíveis concursos públicos que lhe proporcionassem uma relativa estabilidade futura com ganhos melhores do que recebia. Era razoavelmente dedicado, porém, às vezes, se distraía com coisas que tiravam seu foco e aí desanimava.


Certo dia, pela manhã, enquanto estava a caminho do trabalho, sentado na poltrona do ônibus, ligou o celular para acessar os recados no WhatsApp, porém o sinal de sua operadora falhou por alguns instantes. Queria assistir os vídeos do seu grupo, zoar dos colegas do time adversário que perdeu por goleada a partida anterior do campeonato e acessar algumas respostas que estava aguardando receber. Só que, daquela vez, não deu para se distrair com nada disso e nem adiantar as tarefas laborais. Foi então que acabou prestando a atenção na conversa de duas pessoas sentadas no assento duplo da frente, em que uma delas (o homem que estava próxima à janela) assim falou para o que estava ao lado: 


PASSAGEIRO DA JANELA: "Às vezes tenho a impressão de que o excesso de informações e de interatividade no mundo atual, proporcionado pela tecnologia, fazem com que muitas coisas da vida percam um pouco do sabor que elas têm em doçura e/ou amargor."


PASSAGEIRO DO CORREDOR: "Isso está fazendo muito mal para as crianças. Elas já nem brincam mais numa praça e ficam o tempo todo no celular. Minha irmã é professora e teve que chamar a atenção de um aluno durante a aula por causa disso."


PASSAGEIRO DA JANELA: "Verdade. No nosso tempo não era assim. Eu adorava roubar frutas no quintal do vizinho. Morava numa cidade do interior e costumava ir muito para a represa pescar com meu tio. Ali perto havia uma cachoeira onde era gostoso pra se refrescar no verão."


PASSAGEIRO DO CORREDOR: "Eu curtia muito a praia de Sepetiba. Meus avós tinham casa lá. Morava em Marechal Hermes e, nas tardes de domingo, depois do almoço em família, eu e meu primos subíamos no terraço para soltar pipa."


PASSAGEIRO DA JANELA: "Na primeira vez que tomei banho de mar eu quase me afoguei, porém passei a não entrar mais na água quando meus pais viajavam no verão para Cabo Frio. Só mais tarde, quando fui passar o Carnaval com os amigos em Guarapari, comecei a pegar umas ondas."


O busão parou num sinal e os dois passageiros desembarcaram pouco antes do ponto enquanto Pedro continuou a sua viagem até chegar na primeira estação do Metrô da Tijuca, na rua Uruguai, de onde prosseguiria até o escritório da empresa, perto da Cinelândia, no Centro do Rio. Começou ali a se sentir "desconectado" com o mundo porque não tinha conseguido acessar a internet ainda. No entanto, aquela conversa que bisbilhotou para matar o tédio induziu a fazê-lo pensar.


Nascido em 1983, Pedro cresceu e iniciou os seus estudos numa época em que crianças ainda brincavam mais com esportes de bola, andavam de skate, corriam, e precisavam ler os livros recomendados pela professora da escola, embora já assistissem horas de TV, jogassem videogames em casa (ou na residência de algum colega), e desperdiçavam suas pequenas mesadas comprando as fichas das máquinas de fliperamas que o seu pai sempre o proibia de brincar na ausência dele temendo que o filho fosse relaxar quanto aos estudos escolares. Somente aos 15 anos de idade, tendo iniciado o ensino médio, foi mexer pela primeira vez num computador quando frequentou um curso de informática para aprender a usar o sistema operacional, o editor de texto, de planilhas e o software de banco de dados, embora sem internet na sala, tendo desistido quando ainda aprendia as funções do Word .


Mesmo tendo alguns colegas na escola de famílias economicamente mais avantajadas, os quais já estavam acessando a rede mundial de computadores em suas próprias casas pela forma discada (sem banda larga), Pedro apenas passou a fazer uso da internet depois da virada do século, usando o laboratório de informática da faculdade ou, ocasionalmente, frequentando uma lan house. Teve que começar a trabalhar pouco antes da formatura para poder pagar as mensalidades atrasadas e, com isso, foi comprando aos poucos os equipamentos, o que passou a fazer assim que a Telemar instalou uma linha de telefone fixo em seu antigo domicílio, no ano de 2002.


Inserido já no mercado de consumo, Pedro foi acompanhando toda a evolução tecnológica conforme as suas possibilidades. Um dia vendeu o seu computador para depender unicamente de um laptop e, posteriormente, já casado, veio a ter o seu primeiro smartphone. A partir daí, foi trocando de aparelho móvel praticamente a cada dois anos, sempre atrás de um novo modelo, e passando muitas horas por dia na internet. Principalmente depois que surgiram os aplicativos de mensagens instantâneas...


Seu dia na empresa terminou não sendo muito produtivo e poucas demandas ele conseguiu resolver. Precisou visitar um cliente na Barra da Tijuca, o qual acabou furando o compromisso sem avisar. Com o avançar das horas, teve que retornar direto para casa sem voltar para o local de trabalho porque a empresa já estaria fechada. E os contratempos suportados iriam lhe obrigar a compensar as horas laborando em casa para não acumular serviços.


Em pé, viajando no BRT lotado, mal conseguindo se segurar, Pedro voltou a lembrar do diálogo dos dois passageiros pela manhã. Considerou que viveu uma parcela considerável dos seus últimos dez anos dentro da internet. Ou seja, um quarto de sua vida olhando para a tela de um smartphone!


Como acontece com muitos homens e mulheres que chegam aos 40 anos, é normal que pessoas nessa faixa etária façam uma avaliação de suas vidas sendo que, com Pedro, não seria diferente. Pela primeira vez, ele estava sentindo um desconforto existencial diante da aproximação da velhice, ainda que gozasse de uma boa saúde. Pois bastaria a passagem de mais duas décadas para ele ser considerado um senhor idoso em que ainda aguardaria, por mais um quinquênio, a concessão da aposentadoria a fim de receber um dinheiro extra enquanto tivesse forças para não deixar de trabalhar. Caso fosse aprovado num concurso público, cujo vencimento valesse a pena, permaneceria no cargo até a "expulsória".


Por algum instante, veio à lembrança de Pedro as palavras de um antigo patrão chamado Aécio para quem havia trabalhado há dezoito anos atrás em Belo Horizonte. Apesar do nome, o chefe não era nenhum político da tradicional família Neves de São João Del Rey, porém um ousado empreendedor da iniciativa privada que abria e fechava negócios conforme mudassem os interesses. E, quando vendeu a sua empresa para um grupo paulista, pretendendo recomeçar as atividades em Foz do Iguaçu, disse para todos os jovens funcionários que trabalhassem com vontade para fazerem um "pé de meia de sete dígitos", justificando que "a vida começa aos quarenta".


Entretanto, os quarenta anos de Pedro já estavam prestes a chegar e ele só ficaria milionário caso ganhasse na tão sonhada Mega-Sena que jamais jogava. Sua vida não "acabou" como no trecho da música Zé Ninguém cantada pelo grupo de rock Biquíni Cavadão, mas a desejada curtição de um playboy maduro conforme a idealização do ex-chefe, estava muito longe de começar e já tinha ficado para trás nos seus planos de vida. Sua conta bancária nem cinco algarismos tinha à esquerda da vírgula e, por diversas vezes, Pedrão ficava era no vermelho com prestações a perder de vista sendo debitadas na fatura do cartão de crédito. Quando conseguiu adquirir um carro, na segunda metade dos anos 2000, durante os melhores anos do Lula, foi perdendo as condições para manter o automóvel juntamente com tantas outras despesas depois que o Brasil passou a sofrer com uma crise econômica em 2015, iniciada no final do governo Dilma e que só piorou com o impeachment.


Diante de tantas experiências positivas e negativas que experimentou, Pedro pouco se importava se conseguiria ficar rico conforme idealizou cerca de vinte anos atrás, pois a sua preocupação agora era, no dizer popular, assegurar a "janta de hoje". Só que outros valores também batiam na porta de seu coração...


Por um instante, lembrou-se do pai que havia perdido pouco antes da pandemia por COVID-19 chegar ao Brasil. A saúde de seu velho já vinha se deteriorando e os irmãos precisavam se revezar nos cuidados com o genitor até que foi necessário interná-lo num hospital devido à hemorragia que não cessava devido á neoplasia. Era um mal de família que também matou o avô no início da década de 90 e adoeceu sua tia. 


No dia da passagem do homem que o gerou e o educou, enquanto aguardava pelo horário da restrita visita de familiares no CTI, sua mãe recebeu um telefonema para trazer os documentos pessoais dele ao nosocômio. Pedro, ao chegar no local sozinho com a identidade do velho no bolso, recebeu a dolorosa notícia do solitário falecimento nas primeiras horas da manhã.


Naquele fatídico dia, até o momento do velório horas mais tarde, a internet acabou sendo a principal companheira de Pedro que precisou ter forças para resolver toda a burocracia quanto à certificação do óbito e depois conseguir o enterro. Entrou no Facebook e digitou: "Meu pai teve complicações hoje cedo e morreu".


Como nos dias de seu aniversário, Pedro recebeu muitos comentários e curtidas na postagem que publicou sendo a maioria palavras repetidas de "meus pêsames" e "meus sentimentos" misturadas quase sempre com mensagens religiosas. Até políticos desconhecidos e que não tinham nenhuma relação com seu pai vieram lhe parabenizar. Provavelmente eram contatos de seus quase cinco mil "amigos" adicionados nas redes sociais que devem ter lido o recado no feed do sítio de relacionamentos virtuais.


Revisitando seu passado, Pedro se pôs a pensar sobre a vida superficial que passou a levar nos últimos dez anos de vida em que nenhum outro objeto ou pessoa, além do smartphone, recebeu tanta atenção. Do que lhe adiantava ter tantas contas nas redes sociais, com centenas ou milhares de perfis adicionados à sua listagem, se poucos realmente poderiam ser considerados amigos nas horas em que precisava contar com alguém?! Como que a sua atenção era roubada para cada sinal de mensagem que chegava no WhatsApp, no Telegram, no Messenger, no Instagram, no Facebook e até no Gmail exclusivamente usado para assuntos de trabalho.


Por outro lado, algumas amizades antigas foram perdidas em razão do conflituoso ambiente das redes sociais por causa de posicionamentos acerca de assuntos polêmicos. Três delas foram relacionadas às eleições presidenciais de 2018 e de 2022 dentre as quais havia um primo paulista muito radical com quem deixou de falar. Numa outra ocasião, chegou a ser surpreendido quando o Oficial de Justiça veio lhe trazer uma comunicação para comparecer a uma audiência relativa a um processo baseado crime de difamação por causa de uma resposta ofensiva que retribuiu de maneira excessiva a uma provocação num grupo de WhatsApp. O caso, porém, não foi adiante por ausência da suposta vítima e da falta de prosseguimento, embora lhe custou os honorários de um advogado para fins de acompanhamento ao Juizado.


Outro ruim momento foi quando sua esposa descobriu que, durante uma época, Pedro estava fazendo frequentes acessos a sites de conteúdo adulto assim como recebendo vídeos eróticos compartilhados por seus amigos, quase sempre com atrizes pornôs bem jovens. Indignada, ela ameaçou se separar e o casal passou por maus bocados sempre rediscutindo os fatos até haver um realinhamento entre os dois.


Realmente, além da pouca atenção que Pedro estava ofertando aos seus pais, algo idêntico acontecia com a sua esposa em que ambos se sentiam solitários morando na mesma casa. Com os amigos não era tão diferente e, até quando se reuniam para assistirem juntos os jogos de futebol, fosse num bar ou num estádio, ninguém largava do seu celular. Certa vez, Pedro pôde observar como um senhor já bem idoso aproveitava muito melhor os lances da partida acompanhando através de um velho radinho de pilha que segurava próximo ao ouvido de modo que ninguém na torcida comemorou o gol do Flamengo com mais entusiasmo do que ele.


Curiosamente, evento semelhante aconteceu numa festa de bodas de prata de um colega do trabalho para a qual ele e sua esposa foram convidados. Entre todos os presentes, a pessoa mais animada era justamente a sogra octogenária do anfitrião. Em momento algum ela desperdiçou um minuto da noite olhando para o celular.


Naquela viagem de volta para casa, Pedro estava sendo bombardeado por recordações que o faziam retornar a momentos nada agradáveis do passado e aumentando a sensação de vazio. Quando o trânsito engarrafou, lembrou-se de como foi ficando cada vez mais dependente do uso de aplicativos para dirigir em sua própria cidade na saudosa época em que podia se dar ao luxo de sustentar um automóvel. 


Por sua vez, a caligrafia e a capacidade de fazer contas de cabeça estavam cada vez piores, assim como o conhecimento da gramática foi ficando desatualizado com um português modificado pela linguagem comum de internet. Ou seja, Pedro tinha o sentimento de que o smartphone o deixava mais "burro" do que a TV.


Finalmente o BRT chegou ao seu destino e Pedro desceu já que precisaria ainda pegar outra condução. Contudo, resolveu entrar rapidamente num shopping para ir ao banheiro e passou em frente a uma livraria que estava prestes a fechar as portas naquele mês. 


Aquela loja Pedro frequentou por muitos anos antes de ficar tão dependente do smartphone e dedicava horas "namorando" os produtos, examinando resumo por resumo, até definir qual livro levaria ou se compraria futuramente quando tivesse dinheiro. Caso encontrasse um conhecido, tomava um café ali mesmo como várias vezes fez.


Por uns instantes, Pedro precisou se esforçar para lembrar quando foi a última ocasião em que havia lido um livro e se reportou ao inverno de 2017. Tratava-se de uma ficção do psiquiatra e professor Augusto Cury, autor da "Teoria da Inteligência Multifocal", cujas obras foi adquirindo até enjoar dos textos.


Tornando a caminhar pelo shopping, a mente de Pedro o confrontou com uma pergunta: "Até que ponto a internet deve ser responsabilizada por suas escolhas?"


A essa auto indagação certamente lhe faltava uma resposta imediata. Porém, mais perguntas surgiam na investigação das causas que o tornaram tão dependente das redes sociais de internet tal como ocorre com tantas outras pessoas.


Seria uma necessidade de fuga diante da dor pelo enfrentamento dos problemas do cotidiano tendo um atalho de escape a um click? Ou uma doença coletiva capaz de envolver a quase todos a ponto do destinatário de uma mensagem se sentir em débito com o emissor por demorar horas ou mais de um dia para visualizar e responder? Qual utilidade prática haveria alguém alimentar dentro de si um sentimento de culpa sobre condutas do passado e do presente bem como ficar nutrindo o sentimento de autocomiseração?


Quanto mais refletia, mais distante Pedro se sentia da resposta pois sua mente foi ficando cada vez mais confusa. O cansaço físico misturado ao esgotamento mental já estava bloqueando as suas emoções e ele foi ficando paralisado.


A bateria do celular já estava vermelha e o relógio do aparelho marcava oito horas da noite. Em breve, o shopping fecharia e Pedro teria que aguardar o ônibus num ponto de parada que costumava ficar deserto. Com fome foi até à praça de alimentação e pediu uma pizza de muçarela.


Enquanto saboreava, um sachê de ketchup caiu da mesa antes que abrisse. Pedro se abaixou para pegar e teve a sorte de achar uma rara nota de R$ 200,00 (duzentos reais) perdida no chão. Seria impossível identificar quem fosse o dono do dinheiro de modo que incorporou o achado ao seu parco patrimônio.


O que fazer depois de pagar a conta da lanchonete? Pedro tinha a opção de pedir outra pizza ou de sair dali pensando na sua condição sem achar resposta. Porém lembrou-se de que marcou de assistir um filme com a esposa depois da novela das nove que em breve começaria. 


Aquela nota encontrada no chão poderia ajudar no pagamento de umas continhas do fim de mês, mas Pedro logo pensou que, como o dinheiro não estava previsto em seus planos, poderia sair da rotina, comprar um, presente para a mulher ali mesmo no shopping e retornar para casa de UBER. Com isso, chegaria em casa antes do combinado. 


Mesmo sem respostas para suas indagações, Pedro decidiu chutar o balde de todos os problemas e inquietações. Passou na loja de perfume e pediu para embrulhar com papel de presente. Seu telefone tocou porém não conseguiu atender uma ligação porque a carga da bateria acabou e, quando voltou pra rua, saindo pelo portão do primeiro piso, fez logo sinal para um táxi.


Depois da corrida que custou quase cem reais, o troco do dinheiro extra ainda sobrou para ser gasto na padaria do bairro. Pedro, porém, preferiu ir logo pra casa e presentear sua amada, coisa que tinha esquecido quando completaram o último aniversário de casamento.


Aquele gesto não foi de imediato reconhecido pela esposa porque Pedro tinha chegado tarde em casa, embora antes do fim da novela. Aliás, as desconfianças quanto ao atraso e a falta de contato durante o dia, agravada pelo não atendimento da chamada da esposa quando estava no shopping, fizeram com que ela decidisse dormir mais cedo, sem filme e nem carinho.


Todavia, não há reações impensadas que durem para sempre. Enquanto Pedro estava no banho, sua mulher resolveu abrir o presente e mudou positivamente de humor. Após experimentar a fragrância, foi ao guarda-roupa e pegou a sua melhor camisola.


Desnecessário contar como o casal terminou a noite dentro dos limites das quatro paredes do quarto. Mas importa é que o final se tornou feliz mesmo diante da incerteza do amanhã, dos problemas cotidianos e das insatisfações com uma vida quase sempre sem respostas.

segunda-feira, 20 de março de 2023

Um projeto de lei inconstitucional e que ofende a advocacia pública



Tramita perante a Câmara Municipal de Mangaratiba o Projeto de Lei Complementar capeado pela Mensagem n.º 07/2023, de autoria do Prefeito Municipal Alan Bombeiro, o qual dispõe sobre a organização da nova estrutura da Administração Pública e a criação da Sub Procuradoria Fiscal da Dívida Ativa do Município, representada pela sigla PGFDT. Segundo o art. 3º da proposição, estes são os seguintes cargos do futuro órgão jurídico: 


I — SubProcurador Geral da Divida Ativa; 

II — SubProcurador Municipal;

III — Assessor Jurídico;

IV — Agente Admirativo;


Também diz o § 1.º do mesmo dispositivo dispõe que o Sub- Procurador Geral e o Sub-Procurador Jurídico serão nomeados pelo Prefeito Municipal, “de livre nomeação e exoneração”, tratando-se de Cargo em Comissão. E, por sua vez, o artigo 6º, inciso I, prevê que caberá ao Sub-Procurador Fiscal da Dívida Ativa promover a cobrança judicial e extrajudicial da dívida ativa e dos demais créditos do Município, tratando-se, portanto, de atividade típica da advocacia pública.


Ocorre que o artigo 176, caput, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro claramente estabelece que as atividades de representação judicial e também as de consultoria são reservadas aos procuradores. E, neste sentido, padecerá de flagrante inconstitucionalidade uma lei que vier a atribuir a agente estranho aos quadros da carreira o exercício da advocacia pública, sendo a única exceção o Procurador-Geral ou a Procuradora-Geral do Município. Pois este(a) sim poderá ser um(a) comissionado(a) extra-quadro, caso a legislação municipal assim permitir. Em outras palavras, estou afirmando que advogados e procuradores de município devem ocupar cargos de provimento efetivo, com ingresso por meio de concurso público, o qual, pasmem, desde o ano de 2011 não é realizado no âmbito do Poder Executivo Municipal para atender as necessidades da PGM!


Deste modo, o § 1º do art. 6º do projeto de lei complementar em análise deve ser considerado inconstitucional, pelo que precisa ser excluído pela Câmara para não causar um vício futuro que, por sua vez, importará na anulação parcial da Lei.


Vale ressaltar que o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já se posicionou no julgamento do Processo nº 0072292-51.2018.8.19.0000, referente à legislação do Município de Petrópolis numa representação por inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra vários artigos das Leis municipais 7.200/2014, 7.510/2017 e 7.512/2017 de lá. Na ocasião, o Desembargador relator do caso, Dr. Benedicto Abicair, considerou que as atividades de representação judicial e de consultoria são reservadas aos procuradores, conforme o artigo 176, caput, da Constituição do Rio de Janeiro. 


Finalmente, acerca do assessor jurídico, embora tal cargo possa ser criado na estrutura da Administração Pública, tendo em vista o artigo 363, caput e parágrafo único da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, importa aqui ressaltar a vedação às atividades de representação judicial e de consultoria jurídica, visto que estas são privativas dos nossos Procuradores concursados.


“Art. 363 - Os Assistentes Jurídicos do Poder Executivo exercerão suas funções, sob supervisão da Procuradoria Geral do Estado, no Serviço Jurídico da Administração Direta e Indireta, sem representação judicial.

Parágrafo único - À carreira de Assistente Jurídico serão reservadas as funções de assessoramento jurídico, atividade da advocacia cujo exercício lhe é inerente, sendo-lhe vedada, além da representação judicial, como previsto neste artigo, a consultoria jurídica, também privativa de Procuradores do Estado, nos termos do artigo 132 da Constituição da República.”


Assim sendo, pelo fato da proposição não fixar limites às atividades do assessor jurídico, entendo que seria recomendável constar preventivamente na futura norma a proibição expressa quanto à prática de atos privativos da advocacia pública pelos assessores jurídicos.


Fato é que a assessoria jurídica não irá de modo algum dispensar a análise técnica da Procuradoria-Geral do Município acerca dos atos municipais de cunho jurídico. Logo, entendo que somente poderá haver assessores na PGM de Mangaratiba que sejam comissionados, podendo haver o aproveitamento preferencial de quem já é servidor efetivo e tenha uma regular inscrição na OAB há pelo menos uns três anos.


Conclui-se que, diante de tais considerações, seria recomendável que a Comissão de Constituição e Justiça, presidida atualmente pela Vereadora Cecília Cabral, emita parecer contrário ao projeto ou comunique ao Poder Executivo sobre a necessidade de que seja solicitado o recolhimento da Mensagem em tela para uma reelaboração que não desprestigie os procuradores de carreira que, por mérito, exercem hoje a advocacia pública.


Embora este simples cidadão careça de legitimidade para participar diretamente do processo legislativo, visto não ter sido eleito vereador, nada impede que haja uma interação com a Comissão competente da Casa Legislativa ou com seus membros para que a Câmara seja bem-sucedida no controle preventivo de normas em curso de formação. E, neste sentido, compartilho aqui que já fiz um encaminhamento à vereadora com cópia para os demais componentes da CCJ, explicando qual o meu ponto de vista.


Acreditando no exercício responsável do papel do Legislativo de negar aprovação a um projeto de lei inconstitucional, desejo que as ponderações manifestas no meu requerimento sejam devidamente analisadas juntamente com toda a matéria ventilada, inclusive a decisão proferida no referido processo do Tribunal de Justiça sobre o caso semelhante de Petrópolis que também enviei junto por e-mail para a Comissão.


Vamos acompanhar!

domingo, 19 de março de 2023

Um grandioso exemplo de pai!



Acho admirável esse célebre quadro do artista italiano Daniele Crespi (1598 – 1630), pintado cerca de 1625, e que mostra o sonho de São José, o qual foi um verdadeiro exemplo de integridade e de paternidade. Tal obra encontra-se inspirada na passagem registrada no primeiro Evangelho que assim narra com exclusividade esse episódio que antecedeu o nascimento de Jesus:


"Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente. Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: "José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados". Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: "A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe chamarão Emanuel" que significa "Deus conosco". Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus." (Evangelho de Mateus, 1:18-25; NVI)


Nos dias atuais, com tantos genitores irresponsáveis que se recusam a assumir a paternidade, o exemplo de José mostra como deve ser o nível de caráter de um homem no sentido de encarar as responsabilidades da vida, respeitar sua esposa, reconsiderar as decisões equivocadas e ser capaz de cuidar da vida de uma criança. Sem dúvida, uma conduta excepcional.


Finalmente, vale ressaltar que, em homenagem ao pai terreno de Jesus, os nossos irmãos portugueses comemoram hoje, em 19/03, o Dia dos Pais, data que, a meu ver é mais significativa do que o segundo domingo de agosto.

sábado, 18 de março de 2023

CONSTRUA CANTEIROS DE FLORES NA SUA VIDA!

 


Muito inteligente a iniciativa da pessoa que decidiu usar desse pequeno espaço na estrutura de uma praça, aqui em Muriqui, para fazer um humilde canteirinho de flores do campo. 


Nem sempre temos oportunidades de construir grandes jardins com gramados e plantas ornamentais, seja por disposição de espaço ou de recursos financeiros. 


No entanto, basta um pedacinho de terra bem aproveitado, uma muda ou semente, bem como a dose certa de vontade para trabalharmos naquela pequena porção que Deus nos dá para florescermos. 


Em nosso cotidiano, há sempre pequenas oportunidades para cultivarmos a felicidade e não podemos deixar que tais momentos passem desapercebidos. Logo, que tal aproveitarmos as chances para uma boa conversa sobre coisas agradáveis durante um cafezinho, contemplar o por do sol num fim de tarde, fazer uma caminhada bem cedinho pela manhã, e procurarmos coisas saudáveis?





Uma excelente semana a tod@s!


OBS: Imagens registradas em 17/03/2023, na praça principal de Muriqui, 4º Distrito de Mangaratiba/RJ

quinta-feira, 16 de março de 2023

QUE TAL MANGARATIBA SE INSPIRAR EM PARACAMBI E MARICÁ?!



Nesta quinta-feira (16/03/2023), participei pela manhã de um seminário sobre a Nova Lei de Licitações em Paracambi, um município fluminense com uma população pouco acima de Mangaratiba.


Pois bem. Desde o dia 21/01, o morador de lá pode contar com o Curió, um ônibus que circula na cidade com TARIFA ZERO, proporcionando mobilidade urbana à população, assim como já existe há mais tempo em Maricá o Vermelhinho


Esse serviço de transporte municipal gratuito de Paracambi, conforme verifiquei fazendo uso ontem, no trajeto do Centro da cidade ao hotel onde me hospedei, funciona de domingo à domingo, em diversos horários. E, conforme pesquisei, iniciou com uma frota de quatro ônibus e uma van.


Não importa qual seja o partido da prefeita Lucimar que governa Paracambi, porém dou a ela os devidos parabéns por essa inteligente iniciativa, a qual poderia muito bem ser imitada por MANGARATIBA, tendo em vista o contínuo sofrimento da nossa população para se locomover dentro do próprio município.


Fica aí o meu posicionamento como cidadão uma vez que a demanda por um transporte acessível e eficiente é uma das maiores reclamações dos mangaratibenses nos últimos cinco anos a ponto de muita gente sentir saudades da finada viação Expresso... 

sábado, 4 de março de 2023

Completamos hoje 17 anos de casados




Se no Carnaval, eu e Núbia completamos 24 anos que nos conhecemos, hoje, dia 04/03/2023, celebramos os nossos 17 anos de casados, o que significa comemorar as chamadas "Bodas de Rosas". 


Como a rosa é uma flor que, popularmente, representa o romantismo e o amor, esse simbolismo caiu bem pra ocasião, no desejo que aquele sentimento que nos uniu um dia se mantenha sempre vivo.






Ótimo final de sábado a tod@s!

quarta-feira, 1 de março de 2023

Os casos de trabalho escravo no país precisam ser melhor combatidos com leis mais eficientes!



Acho inaceitável que, em pleno século XXI, trabalhadores que prestavam serviços para uma empresa contratada por vinícolas de Bento Gonçalves, município da serra gaúcha, tenham sido mantidos em situação análoga à escravidão. Justamente quando a Lei Federal n.º 10803/2003, que incluiu no Código Penal punições para quem explora o trabalho escravo, completará 20 anos em dezembro do corrente, nos deparamos com uma situação completamente absurda.


Conforme foi amplamente noticiado na imprensa, duzentas e sete pessoas que trabalhavam na colheita da uva, em Bento Gonçalves, foram resgatadas de um alojamento na quarta-feira passada (22/02). Em depoimentos, trabalhadores relataram que, nos alojamentos, chegavam a sofrer ameaças ou algum tipo de violência praticada por pessoas que se diziam policiais.


Se realmente for confirmado que os agressores dessas vítimas eram de fato policiais militares gaúchos, podemos dizer que a situação se torna mais grave ainda porque, em tal hipótese, passamos a ter agentes estatais envolvidos com uma prática hedionda. E, certamente, os depoimentos precisarão ser colhidos e os criminosos identificados para uma posterior responsabilização, tanto na esfera pena quanto administrativa.


Fatalmente, a questão maior que deve ser levantada é sobre a punição econômica às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi juntamente com as empresas terceirizadas por elas contratadas, as quais estavam de se utilizando mão de obra análoga à escravidão para a colheita de uva. Segundo a procuradora do MPT Ana Lucia Stumpf González, "com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção".


Minha indagação, todavia, é se bastará responsabilizar subsidiariamente essas vinícolas, caso o contratante original não faça a quitação integral dos direitos trabalhistas? Afinal quanto representará o pagamento de alguns milhões de reais na Justiça para quem lucra anualmente mais de cem vezes o valor dessa reparação?!


Sinceramente, já nem penso tanto na questão criminal que não deverá alcançar as vinícolas, porém precisamos de leis mais rígidas já que tais empresas têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. 


Por fim, é indispensável o Brasil regulamentar expropriações a quem usa trabalho escravo!  Pois é preciso dar efetividade à atual redação do artigo 243 da Constituição Federal, dada pela Emenda n.º 81/2014, para que fosse definida a punição com expropriação da propriedade rural que pratica trabalho escravo, sem compensação para o proprietário:


"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)"



Vale ressaltar que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 5970/2019, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que trata justamente sobre o tema. O texto prevê a regulamentação da expropriação de propriedades urbanas e rurais em que for constatada a exploração de trabalho em condições análogas às de escravo, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, definindo que são passíveis de expropriação imóveis urbanos e rurais onde houver esse tipo de exploração. Nesses casos, a medida será aplicada somente após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.


Outro texto que apresenta o mesmo objetivo é o Projeto de Lei 1678/2021, de autoria dos senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Paulo Paim (PT-RS). Ele foi apresentado três dias depois do então Presidente Jair Bolsonaro haver declarado que a Emenda não seria regulamentada em seu governo. Pois, segundo Bolsonaro, tornaria "vulnerável" a questão da propriedade privada no Brasil. 


Mais do que nunca precisamos de normas jurídicas capazes de convencer de que o crime não compensa e que a prática do trabalho escravo será punida com o maior rigor. E, sem dúvida, a expropriação dessas fazendas, com a destinação das terras para a reforma agrária, seria o caminho correto para combater o trabalho escravo neste país de injustiças.