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domingo, 11 de maio de 2025

As prefeituras precisam respeitar as cotas para negros e indígenas nos concursos públicos e também nos processos seletivos simplificados!



No final da manhã do dia 8 de maio de 2025, última quinta-feira, chegou ao meu conhecimento a informação de que o Edital de Abertura de Processo Seletivo Simplificado n.º 001/2025, de 15 de abril de 2025, da Secretaria de Educação de Itaguaí, publicado nas páginas 10 a 14 da Edição n.º 1.325, de 07/05/2025, do Jornal Oficial do referido Município, não teria previsto cotas para candidatos negros e indígenas, o que, em tese, viola o princípio da isonomia constitucional


Importante esclarecer que tal certame visa a contratação temporária de profissionais com atuação nas unidades escolares da rede pública municipal de Itaguaí, contemplando mais de 500 (quinhentas) vagas para cargos nas áreas administrativa, de apoio e docência, com oportunidades disponíveis para: auxiliar de creche, agente administrativo, inspetor de alunos, professores de diferentes disciplinas, orientador educacional e psicólogo, em que os interessados teriam que realizar sua inscrição exclusivamente pelo site oficial da Prefeitura, no seguinte endereço: www.itaguai.rj.gov.br/smeduseletivo2025


Tão logo soube da notícia, li os termos do referido edital e, por não haver localizado nenhuma informação acerca da reserva de vagas para negros e indígenas, mas tão somente para pessoas com deficiente no percentual mínimo de 5% (cinco por cento), encaminhei, via e-mail, uma petição de impugnação para os dois endereços eletrônicos oficiais da Secretaria Municipal de Educação constantes na respectiva página do site oficial e na Carta de Serviços da Prefeitura, com cópia para os e-mails da Procuradoria Geral do Município e da Controladoria. 


Devido ao prazo exíguo previsto no cronograma do Edital de Abertura (Anexo II) e buscando uma urgente retificação do mesmo para evitar transtornos ao certame, sinalizei o envio da uma impugnação por meio de ligações telefônicas para o número (21)3782-9003, ramal 3005, pedindo para falar com o gabinete da Secretaria, tendo também encaminhado posteriormente um e-mail para um endereço eletrônico não oficial destinado ao órgão. Porém só obtive a confirmação do recebimento às 13 horas e 36 minutos do dia 09/05/2025. 


Entretanto, até o final da referida data, último dia útil e também o último das inscrições, fiquei acompanhando se seria ou não publicada alguma retificação do Edital de Abertura. Porem, não houve até o momento nenhuma edição nova do Diário Oficial do Município, conforme pude verificar na área específica do site da Prefeitura, sendo que o referido portal já exibe a informação de terem sido encerradas as inscrições, dando a entender não ter havido qualquer retificação.


Ocorre que um edital do processo seletivo simplificado, ao deixar de prever cotas para pessoas negras e indígenas, torna-se passível de anulação por violar flagrantemente o princípio da isonomia constitucional, o que já vem sendo defendido e acolhido em diversas ações judiciais pelo país, inclusive com o deferimento de medidas liminares.


Embora eu desconheça se o Município de Itaguaí editou ou não alguma lei local especificamente com previsão de cotas em concursos públicos, soube tão somente, por meio de pesquisa no portal da Câmara Municipal na internet, acerca do Estatuto Municipal da Promoção e Igualdade Racial (Lei Municipal n.º 3.772/2019), o qual faz menção de forma genérica no seu art. 3º, incisos II e IV, às ações afirmativas, mas deixa no parágrafo único do art. 16 a critério do Executivo Municipal o encaminhamento de projeto legislativo que obrigue os editais para concurso da Administração Pública a cota de 20% (vinte por cento) das vagas aos candidatos que se declararem negros, valendo transcrever os seguintes dispositivos:


"Art. 1° Esta Lei institui o Estatuto Municipal de Promoção e Igualdade Racial, como ação municipal de desenvolvimento de Itaguaí, objetivando a superação do preconceito, da discriminação e das desigualdades raciais.

(...)

Art. 2° O Estatuto Municipal de Promoção e Igualdade Racial, orientará as políticas públicas, os programas e as ações a serem implementadas no Município, visando a:

I - medidas reparatórias e compensatórias para os negros e negras pelas sequelas e consequências advindas do período da escravidão e das praticas institucionais e sociais que contribuíram para aprofundar as desigualdades raciais presentes na sociedade;

II- medidas inclusivas, nas esferas públicas e privadas, que assegurem a representação equilibrada dos diversos segmentos raciais componentes da sociedade itaguaiense, solidificando a democracia e a participação de todos.


Art. 3º A participação dos negros e negras em igualdade de condições na vida social, econômica e cultural do Município de Itaguaí será promovida através de medidas que assegurem: 

(...)

II- as políticas públicas, os programas e as medidas de ação afirmativa, combatendo especificamente as desigualdades raciais que atingem as mulheres negras;  

(...)

IV- o adequado enfrentamento e superação das desigualdades raciais pelas estruturas institucionais do Estado, com a implementação de programas especiais de ação afirmativa na esfera pública, visando ao enfrentamento emergencial das desigualdades raciais;

(...)

Art. 16. O Município deverá promover programas de incentivo, inclusão e permanência da população negra na educação, adotando medidas para: 

(...)

IX- estabelecer, na forma de legislação especifica e seus regulamentos, medidas destinadas à implementação de ações afirmativas, voltadas a assegurar o preenchimento por afro-brasileiros de quotas mínimas das vagas relativas às instituições públicas e privadas de educação. 

Parágrafo único. Poderá ser estabelecida no Município, através de Lei de iniciativa do Executivo, legislação que obriga os editais para concurso público da administração direta ou indireta a cota de 20% das vagas destinados aos que se declarem negros."


Contudo, não pode passar desapercebido que eventual omissão legislativa (a qual pode, inclusive, ser objeto de um mandado coletivo de injunção) não afasta a aplicabilidade de normas constitucionais, convenções internacionais, além das leis de caráter geral, não podendo negar que é da competência legislativa da União a edição de diplomas que confiram efetividade a direitos fundamentais, de maneira que o Edital de Abertura do certame em questão deixou de prever a reserva de vagas para pessoas negras, pardas e indígenas, apesar de ter incluído o percentual mínimo de 5% para pessoas com deficiência. 


Conforme já havia compartilhado em dezembro do ano passado, através da postagem Justiça determina que o concurso da Prefeitura de Mangaratiba tenha reserva de vagas para negros e indígenas, eis que, no dia 10/12/2024, o Juiz de Direito Dr. Richard Robert Fairclough, titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, concedeu medida liminar na ação civil pública de n.º 0802958-88.2024.8.19.0030, movida pela 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Angra dos Reis sobre o atual concurso da Prefeitura da cidade, a fim de que houvesse a retificação, no prazo de 5 (cinco) dias, do Edital do certame de nº 01/2024, "para incluir a reserva de 20% das vagas para aqueles candidatos(as) que se autodeclarem negros(as) ou indígenas". Na respeitável decisão interlocutória, proferida já num momento de adiantamento do concurso, foi determinado que a Administração Pública:


- insira no edital etapa concedendo prazo razoável para a autodeclaração dos candidatos;

- insira no edital a formação de comissão de heteroidentificação para candidatos autodeclarados, evitando-se assim possíveis fraudes ao concurso;

- insira no edital a exigência de publicação de lista final específica de colocação dos que se autodeclararem, concedendo o prazo de 30 (trinta) dias para a autodeclaração dos candidatos, convocando os mesmos através do site específico do concurso, bem como imprensa oficial;

- divulgue da forma mais ampla possível todos os atos que vierem a se fazer necessários, a fim de que os objetivos sejam alcançados de acordo com o princípio da publicidade.


Portanto, tendo em vista que a falta de vagas para negros e indígenas viola os objetivos fundamentais da nossa República, negando a efetividade ao princípio constitucional da isonomia, o qual é previsto no art. 5º, caput, do nosso texto constitucional, é urgente que seja feita uma retificação no edital de abertura do processo seletivo da Prefeitura de Itaguaí para que passe prever reserva de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no certame para negros e indígenas, bem como das que se abrirem durante o seu período de validade para os candidatos e as candidatas que, facultativamente, se autodeclararem pessoa negra ou indígena. Daí considero adequada a suspensão imediata da seleção em curso a fim de permitir que haja a declaração e a posterior identificação das candidatas e dos candidatos que forem negros ou indígenas.



Vamos acompanhar!

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