Foi mais um ano que passou e eis aí um outro que começa seguindo o calendário solar da civilização do Ocidente.
Geralmente, nesta época, as pessoas costumam fazer suas reflexões e elaborar planos para um novo período de suas vidas, às vezes com futuras metas a serem alcançadas. Também é comum elas desejarem boa sorte umas às outras para que os seus sonhos se concretizem, sendo que alguns têm o hábito de fazer simpatias, enquanto outros dão três pulos para frente na hora dos fogos, ou acreditam que serão bem sucedidos se comerem romã ou uva à meia noite, dentre outras superstições.
Ao lado das comemorações de feliz ano novo, creio ser indispensável refletirmos permanentemente sobre o bem e o mal que praticamos, removendo do nosso comportamento tudo aquilo que é capaz de gerar desconexões com a vida. Ou seja, precisamos arrancar coisas que só envenenam o nosso ser, as quais trazem tristezas, solidão, separação, amargura, inimizades, desilusões e morte.
A Bíblia nos ensina sobre todos esses contrastes, usando figuras como “luz” e “trevas”, “bem” e “mal”, “vida” e “morte”. Seus autores também nos falam no “novo” e no “velho” que se aplica a diversas situações, sob pontos de vista diferentes em cada passagem, mas que conduzem numa mesma direção: a vida, a eternidade, a união, a reconciliação, a paz, o amor, a alegria, a compreensão, a aceitação, a verdade, o nosso próximo e Deus.
Num mundo onde todos envelhecem, a Bíblia diz sobre sermos algo que inova (ou se renova), mesmo que, aparentemente, morra. Sua proposta é que internamente sejamos sempre jovens e revitalizados, não deixando que as situações do cotidiano façam de nós pessoas frustradas e que carregam consigo infelicidades. Porém, ao invés de sermos desgastados pelo tempo, somos convidados por Deus para nos tornarmos crianças novamente “
porque o Reino dos Céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mateus 19.14; NVI).
“
Como alguém pode nascer, sendo velho?” - perguntou o mestre Nicodemus a Jesus, quando o Senhor havia lhe declarado que “
ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo”. E, nesta passagem do Evangelho, Jesus estava dizendo a um notável estudioso das Escrituras que ele e os demais doutores da Bíblia precisavam nascer outra vez.
Todavia, a verdade é que o nosso estado de desconexão requer uma radical desconstrução afim de podermos enxergar a Vida, o que Jesus chamou de “novo nascimento”. E, certamente, aqui o Senhor não se referiu à re-encarnação, sobre alguém passar pela experiência ritual do batismo ou muito menos a pessoa tornar-se membro de uma igreja evangélica. Pois, estudando João 3.3 no seu idioma original (o grego
koiné), pode-se verificar que o editor do quarto Evangelho tentou transmitir aquele ensino através da palavra “
anóthen” que também significa “do alto” que, por sua vez, representa um nascimento que vem de Deus, conforme uma citação anterior que se acha logo no início do livro:
“
Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural (gr. de sangues)
, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus.” (João 1.12-13; NVI)
Certamente que o nascer de novo não depende do nosso próprio esforço. É fruto gerado pelo Espírito Santo através da santa semente plantada em nossos corações – a Palavra de Deus. Logo, o novo nascimento só pode decorrer da mais pura graça, sendo um presente dos céus dado aos homens, os quais, mesmo envelhecendo na idade, resolvem retornar para a escola da vida e serem alunos outra vez. São homens que deixam o Espírito agir em seus corações sem oferecer resistência a Deus.
O segredo do novo nascimento está no acolhimento da Palavra de Deus como uma criança, conforme nos ensinou Jesus:
“Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam. Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse: 'Deixem vir a mim as crianças, não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele'. Em seguida, tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou”. (Marcos 10.13-16; NVI)
Com a mesma inocência humilde de um pequenino, Jesus, o Verbo encarnado, foi recebido em seu tempo pelas prostitutas, publicanos e pecadores. Porém, os religiosos, os caras cultos, os estudiosos das Escrituras e os homens poderosos tornaram-se cegos à presença do Messias. Só que a tais pessoas a escola da vida reprovou.
Finalmente quero compartilhar que o novo nascimento não pode ser compreendido como algo pronto e acabado a ponto do homem gerado pela semente espiritual não precisar submeter-se mais a um processo de desconstrução e reconstrução.
Muito pelo contrário!
O novo nascimento é também o contínuo processo que, figurativamente podemos comparar a um rio cujo mover das águas não cessa. É o que Paulo nos ensina nestes versículos da carta à Igreja em Éfeso para que os seus destinatários se revestissem do “Homem Novo”:
“Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como os gentios, que vivem na inutilidade dos seus pensamentos. Eles estão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento do seu coração. Tendo perdido toda a sensibilidade, eles se entregaram à depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza. Todavia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo. De fato, vocês ouviam falar dele, e nele foram ensinados de acordo com a verdade que está em Jesus. Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade prevenientes da verdade.” (Ef 4.17-24; NVI)
Este Homem Novo do qual Paulo fala é ao mesmo tempo o Messias e o protótipo da nova humanidade recriada. Uma nova criação que se faz na pessoa de Jesus, em sua morte e ressurreição, de modo que nos tornamos também a “nova criatura” de 2 Coríntios 5.17, sendo chamados para viver em justiça e santidade da verdade.
Ninguém que ainda se encontre neste mundo está imune ao pecado. Porém, aí está a grande diferença da nova criatura para a velha. Pois, mesmo sem alcançar perfeição, quem é nascido de novo edifica-se em santidade através da verdade, abrindo o seu interior para o tratamento de Deus porque nada pode ser ocultado aos olhos do Eterno. Assim, a autêntica santificação deve ser buscada pela sinceridade sem o fermento da religiosidade que é a hipocrisia, conforme ensinou Jesus:
“Nesse meio tempo, tendo-se juntado uma multidão de milhares de pessoas, ao ponto de se atropelarem umas às outras, Jesus começou a falar primeiramente aos seus discípulos, dizendo: 'Tenham cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido. O que vocês disseram nas trevas será ouvido na luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos telhados'”. (Lucas 12.1-3; NVI)
Deus quer que sejamos uma nova massa sem o nocivo fermento da religiosidade, a qual corrompe o homem impedindo-o de ser sincero e de apresentar-se sem máscaras. Pois, enquanto a pessoa esconde-se por trás de um falso comportamento religioso, o seu interior permanece fechado em trevas e ela mesma impede a iluminação da Divina Luz. Então, tal homem não se encontra mais num estado de permanente renovação e volta a envelhecer espiritualmente, fingindo apenas ter a aparência de quem um dia brilhou. E seu verdadeiro rosto passa a ficar encoberto para que os outros não vejam mais suas humanas expressões.
Não é por menos que Jesus exortou seus discípulos a ficarem atentos quanto ao fermento dos fariseus (leia-se hoje em dia a realidade). Conhecendo a natureza humana mais do que ninguém, o Senhor sabia o quanto somos capazes de transformar o seu Evangelho numa perniciosa doutrina legalista e que nega a graça salvadora. E a história do cristianismo está aí para provar o quanto a injustiça da Igreja excedeu em muito a dos fariseus, dos saduceus e dos herodianos juntos. Uma Igreja que até hoje vem assassinando de diversas maneiras os seres humanos feitos à imagem e semelhança de Deus, pelos quais Cristo morreu, mas se vangloria em de intitular a si mesma como “santa”. E tais homicídios ainda ocorrem quando tentamos impor sobre as pessoas um evangelho de culpas, ensinando mandamentos de homens e roubando a verdadeira adoração ao Eterno, a qual deve ser celebrada com a sinceridade de João 4.23-24, como o louvor das pequeninas crianças.
Seremos uma nova massa se tirarmos de nós o velho fermento, tornando-nos aquilo que de fato somos. Pois, em sua essência, o homem foi criado puro como um pão asmo e ficou levedado pela adição do corruptível ingrediente do pecado. Mas agora, em Cristo, somos chamados para uma nova vida de pureza interior sem nada a ocultar, sabendo que estamos amparados pela graça salvadora de Deus, o qual aceita-nos como somos, não pelo que temos ou fazemos.
Ora, é no caminho da graça que devemos sempre estar para que sejamos renovados a cada momento. Compreendendo o que é a graça, o homem pode sempre continuar sua trajetória, corrigir rotas, levantar-se de cabeça erguida, retornar ao seu ministério e adorar o Eterno Criador com total liberdade, sem nenhuma culpa.
Que neste 2011 que se inicia possamos verdadeiramente andar assim, amparando-nos na divina graça e permitindo que o Eterno nos ilumine interiormente.
Caminhemos na novidade da graça! E, como dizem os judeus,
Shanah Tovah Umetukah.
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