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terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Congresso Nacional SUPRIME RECURSOS das Universidades Federais: ruptura orçamentária e ameaça à educação pública


Protesto realizado em 2019 em prol da UFRJ


Em 19 de dezembro de 2025, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2026 com significativas supressões de recursos destinados às universidades federais e institutos federais de educação superior (IFES) em um ano que já se anuncia eleitoral e de enorme relevância para o futuro das políticas públicas no Brasil.

Embora o texto aprovado contemple parcialmente o que o Executivo federal havia proposto no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) enviado, o resultado final revela recortes em rubricas essenciais do orçamento discricionário, que é a parcela em que as universidades têm autonomia para decidir onde gastar e que cobre despesas com água, luz, manutenção, segurança, limpeza, assistência estudantil e bolsas de estudo. Segundo entidades representativas, esse corte foi de quase R$ 400 milhões em comparação ao orçamento discricionário previsto para 2025, sem sequer considerar a inflação ou o aumento dos custos de contratos; apenas na assistência estudantil, o corte foi de cerca de R$ 100 milhões (queda de 7,3%).


Antecedentes recentes: o desmonte silencioso do financiamento universitário

A questão do financiamento das universidades federais não começou com esta LOA: ela é o resultado de uma trajetória de desinvestimento nos últimos anos, que atravessa governos e ciclos econômicos.


📌 Após a crise econômica de 2015–2016 (que marcou o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff), o orçamento discricionário das universidades começou a sofrer restrições, não por desdém ideológico, mas pela necessidade de ajuste fiscal frente a uma recessão profunda que comprometeu a capacidade de investimento público.


📌 No governo Jair Bolsonaro (2019–2022), as universidades federais registraram quedas reais no custeio — estimativas apontam que, entre 2019 e 2022, os recursos disponíveis para manutenção e bolsas caíram significativamente e ficaram cerca de 12% abaixo do que eram no início dessa gestão, mesmo antes da pandemia.


📌 Dados compilados por estudos independentes mostram que o total de repasses às universidades federais em 2026 será aproximadamente metade do que se destinava em 2014, quando se ajusta pela inflação — ou seja, em termos reais o financiamento público caiu drasticamente na última década, mesmo com a expansão do número de instituições e de estudantes atendidos. Alguns levantamentos indicam que o montante previsto para 2026 (aproximadamente R$ 7,85 bilhões em custeio) representa apenas cerca de 45% do que era destinado em 2014 e que os recursos para investimentos estruturais despencaram a níveis quase simbólicos, com pouco mais de R$ 300 milhões previstos — menos de 6% do que se destinava à infraestrutura há 11 anos.


Esse cenário de retração progressiva não é apenas uma estatística: ele se transforma em salas sem manutenção adequada, laboratórios desatualizados, problemas de segurança de infraestrutura e dificuldade de pagamento de contratos essenciais, que acabam por comprometer a capacidade de ensino, pesquisa e extensão.


Impactos práticos nos campi universitários

A redução do orçamento discricionário tem consequências diretas e imediatas:


🔹 Funcionamento cotidiano

  • Serviços básicos como limpeza, vigilância, manutenção predial, energia elétrica e água ficam vulneráveis quando não há orçamento adequado.
  • Equipamentos de laboratório e materiais de consumo essenciais para aulas práticas ou pesquisa podem ficar paralisados por falta de recursos.


🔹 Assistência estudantil

  • Cortes nos recursos destinados a políticas de permanência estudantil — incluindo alimentação, moradia e transporte — penalizam estudantes de baixa renda, justamente aqueles que dependem da educação pública para ascensão social e igualdade de oportunidades.


🔹 Pesquisa científica

  • Reduções no custeio ou no orçamento de agências como CAPES e CNPq prejudicam o financiamento de bolsas de pesquisa, convivendo com menos recursos para projetos essenciais, inovação tecnológica e produção científica que beneficia o país como um todo.


Além disso, muitas IFES já relataram que, diante das restrições, dependem crescentemente de emendas parlamentares para cobrir lacunas orçamentárias, o que fragiliza a autonomia institucional e cria vínculos políticos nem sempre alinhados com planejamento estratégico acadêmico.


Por que o Congresso decidiu cortar?

Há três forças principais em jogo:


🟡 Negociação político‑eleitoral

Em um ano eleitoral, parlamentares tendem a pressionar por uma maior fatia do orçamento em emendas parlamentares individualizadas, que podem ser usadas como moeda de troca política em suas bases eleitorais — mesmo à custa de políticas estruturantes como educação superior e ciência.


🟡 Disciplina fiscal

Parcela do Legislativo argumenta que cortes são necessários para respeitar limites de gasto ou para abrir espaço fiscal para outras despesas, pressionados por compromissos macroeconômicos.


🟡 Prioridades divergentes

Muitos parlamentares privilegiam obras pontuais ou demandas regionais de curto prazo (por meio de emendas), em detrimento de políticas de longo prazo como educação e pesquisa.


Essa dinâmica evidencia uma crise institucional no planejamento orçamentário brasileiro, em que o Congresso absorve grande parte do poder de decisão sobre prioridades públicas, restringindo a capacidade do Executivo de implementar políticas coerentes de médio e longo prazo.


Há espaço para veto presidencial?

Sim — constitucionalmente, o Presidente da República pode vetar total ou parcialmente a LOA (inclusive cortes específicos feitos pelo Congresso) antes da promulgação.
Um veto poderia, em tese, restaurar os valores originalmente propostos no projeto enviado pelo Executivo, incluindo maior dotação para as universidades federais e assistência estudantil.

No entanto, mesmo que um veto não seja derrubado pelo Congresso, a realidade prática do orçamento ainda dependerá de:


arrecadação efetiva de receitas;
execução orçamentária e financeira ao longo do ano;
decisões administrativas sobre liberação de recursos (que podem incluir retenções ou bloqueios, como já observados em 2025).


Ou seja, o veto pode aliviar a situação e indicar prioridade governamental pela educação pública, mas não garante automaticamente que o valor será todo repassado às universidades, dada a fragilidade do quadro fiscal.


Medidas compensatórias e ajustes internos nas universidades

Diante desse quadro, muitas instituições têm adotado estratégias de planejamento de crise, como:


✔️ Racionalização do custeio, priorizando rubricas essenciais e revisando contratos;
✔️ Busca de parcerias com setor privado e organizações internacionais para projetos de pesquisa;
✔️ Gestão mais rigorosa de bolsas e fundos de assistência estudantil;
✔️ Articulação com parlamentares, governos estaduais e sociedade civil para garantir apoio político e ampliar mecanismos de financiamento alternativo;
✔️ Pressão institucional conjunta (como ANDIFES e outras associações) para reivindicar recomposição de recursos no Congresso e diálogo com o Executivo.


Essas medidas, embora necessárias para “segurar a barra” no curto prazo, não substituem um orçamento público robusto e sustentável — essencial para manter a qualidade da educação superior pública e a pesquisa científica no país.


Conclusão — mais do que números, é uma escolha de país

A redução de recursos à educação superior pública não é apenas um tema técnico de orçamento: é também uma escolha política e cultural sobre o futuro da sociedade brasileira.

Quando o Estado prioriza programas pontuais, emendas parlamentares ou curtas vantagens eleitorais em detrimento de investimento em conhecimento, pesquisa, inclusão e mobilidade social, ele abre mão de políticas estruturantes que historicamente expandiram oportunidades e produção científica, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social.

Seja pelo poder de veto presidencial, seja pela pressão política de reitores, estudantes, professores e sociedade civil, esse debate deve continuar. Porque, no fim, trata‑se de assegurar que o Brasil tenha instituições capazes de formar, investigar e inovar — o que significa um país mais justo e competitivo no século XXI.


🟦 Nota sobre os impactos locais nas IFES fluminenses e sua relação com o planejamento municipal

No contexto do corte no orçamento federal para 2026, é essencial destacar que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) sediadas no estado do Rio de Janeiro — como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) — enfrentam um quadro de restrição orçamentária acumulado ao longo de quase uma década, que se agrava com o recente corte aprovado pelo Congresso. Essa realidade já tem repercussões concretas para o cotidiano dessas instituições e também para os planos de desenvolvimento territorial e municipal em toda a Região Metropolitana e no interior fluminense. 

A UFRJ, por exemplo, viu seu orçamento discricionário cair de aproximadamente R$ 784 milhões em 2012 para cerca de R$ 406 milhões em 2025 (valores corrigidos pela inflação), uma redução de mais de 50% em termos reais, segundo dados apresentados pelos gestores da universidade ao Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Friperj). Mesmo com resultados acadêmicos e avanços institucionais, essa queda impacta diretamente a capacidade de honrar contratos de manutenção, serviços essenciais e funcionamento cotidiano dos campi — com reflexos em toda a cidade do Rio de Janeiro, que abriga grande parte da comunidade acadêmica e seus serviços auxiliares. 

Da mesma forma, a UFF relatou que, diante de orçamentos reduzidos, opera com recursos insuficientes para garantir o pagamento de bolsas, a manutenção de restaurantes universitários e a contratação de serviços terceirizados, peças fundamentais para a permanência estudantil. A UFRRJ, que atende a municípios do interior fluminense, também tem alertado parlamentares para os impactos das restrições orçamentárias na capacidade de planejar e executar suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. 

Essas condições repercutem não apenas dentro dos muros das universidades, mas também para o planejamento municipal e regional. IFES são polos de desenvolvimento local: geram emprego, atraem estudantes de diversas regiões, fomentam atividades econômicas — de moradia estudantil a comércio e serviços — e colaboram com políticas públicas nas áreas de saúde, educação básica, agricultura, tecnologia e sustentabilidade. A redução de recursos compromete esse ecossistema, diminuindo a capacidade das IFES de contribuir com projetos urbanos, programas de pesquisa aplicada e iniciativas de desenvolvimento territorial que muitas prefeituras dependem para inovar e crescer.

Nesse sentido, a articulação entre IFES, governos municipais e a bancada federal fluminense, como a promovida pelo Friperj, é um indicativo de que o debate deve ultrapassar a esfera federal e dialogar com os planos diretores municipais e regionais, para que estratégias conjuntas de mitigação dos impactos sejam construídas — seja por meio de mobilização política, projetos integrados de pesquisa com aplicações locais ou mesmo mecanismos de cooperação técnica e financeira entre municípios e universidades, que podem atenuar parte das restrições orçamentárias em curso. 


📷: Fábio Caffé (Coordcom/UFRJ)

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