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| Jeferson Baldo/Agência AL |
Nesta semana, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovou o Projeto de Lei nº 753/2025, de autoria do deputado estadual Alex Brasil (PL), que estabelece a proibição da adoção de cotas raciais e outras ações afirmativas nas universidades estaduais e nas instituições que recebem verbas públicas do estado. A proposição, alinhada a uma agenda conservadora que tem ganhado força na política catarinense, segue agora para sanção do governador Jorginho Mello (PL).
O que diz o PL 753/2025?
Embora o texto aprovado não cite literalmente “cotas raciais”, ele omite esse critério das reservas de vagas que permanecem autorizadas, resultando na vedação prática dessas políticas. A proposta permite apenas três categorias de reserva de vagas:
- pessoas com deficiência (PCD);
- critérios exclusivamente econômicos (renda);
- estudantes oriundos de instituições estaduais públicas de ensino médio.
O projeto Legislativo também impõe multas pesadas de R$ 100 mil por edital que descumprir a proibição e prevê a possibilidade de corte ou suspensão de verbas públicas às instituições que adotarem critérios vedados.
Esse conjunto de dispositivos configura um ataque direto às políticas de inclusão que vinham sendo implantadas em ambientes universitários, especialmente nas universidades estaduais como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Como foi a tramitação?
O PL 753/2025 foi aprovado em sessão da Alesc realizada em 10 de dezembro de 2025, por maioria de votos, em uma votação simbólica — ou seja, sem registro nominal no painel eletrônico, ainda que a mesa diretora tenha citado os parlamentares contrários.
Sete deputados se posicionaram contra a proposta, entre eles Fabiano da Luz (PT), Padre Pedro Baldissera (PT), Neodi Saretta (PT), Marquito (PSOL), Dr. Vicente Caropreso (PSDB), Paulinha (Podemos) e Rodrigo Minotto (PDT).
Críticas políticas: retrocesso ou avanço?
Para os defensores da proposta, o argumento central é que as cotas baseadas em critérios raciais colidiriam com princípios jurídicos como a isonomia e impessoalidade, e que apenas critérios socioeconômicos deveriam ser considerados para a reserva de vagas.
No entanto, corretamente a oposição classifica o projeto como retrógrado, discriminatório e um retrocesso nas políticas públicas de inclusão. O deputado Fabiano da Luz, um dos principais críticos, declarou que a iniciativa “envergonha Santa Catarina” e que as cotas não são privilégios, mas instrumentos de correção de desigualdades históricas profundamente estruturadas na sociedade brasileira. Ele anunciou que o projeto será alvo de ação judicial assim que for sancionado, por considerar que a proposta viola princípios constitucionais e objetivos fundamentais da República, como a redução das desigualdades sociais.
Além do setor político, universidades e institutos federais, como UFSC, UFFS, IFSC, IFC e a própria Udesc, emitiram notas de repúdio à aprovação do projeto, destacando que a medida ignora evidências acadêmicas sobre a importância das políticas afirmativas e representa um ataque às práticas democráticas e de promoção da diversidade no ambiente educacional.
Por que a norma entra em choque com a legislação federal e o STF?
As ações afirmativas, incluindo as cotas raciais, são reconhecidas e regulamentadas em nível federal — como na Lei nº 12.711/2012 (Lei de Cotas), que estabelece reservas de vagas com critérios sociais e raciais para universidades federais — e já foram reiteradamente validadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como compatíveis com a Constituição. O STF considerou que tais políticas são compatíveis com o princípio da igualdade material, um dos pilares do texto constitucional, justamente por sua capacidade de corrigir desigualdades históricas.
A proibição em Santa Catarina, portanto, cria um proposital conflito normativo e constitucional, na medida em que restringe instrumentos de inclusão que são legitimados por norma federal e por entendimentos consagrados pelo STF. Há também a questão da autonomia universitária, prevista constitucionalmente, que garante às instituições de ensino superior a capacidade de definir seus critérios de ingresso e políticas acadêmicas.
Especialistas em direito constitucional e movimentos sociais apontam que o PL pode ser considerado inconstitucional por violar os princípios da igualdade material, da dignidade humana, dos objetivos fundamentais da República (como a redução das desigualdades) e por invadir áreas de competência legislativa da União.
Impactos práticos sobre direitos educacionais
Caso sancionado, o PL 753/2025 terá efeitos concretos sobre o acesso à educação superior no estado. As políticas de ação afirmativa estão historicamente associadas a ganhos de diversidade e inclusão no ensino, beneficiando estudantes de grupos racialmente discriminados que, de outra forma, encontram barreiras quase intransponíveis para ingressar nas universidades. Estudos acadêmicos identificam que essas políticas ampliam o acesso e melhoram resultados socioeconômicos para os beneficiários ao longo de suas trajetórias profissionais e de vida.
Eliminar ou restringir cotas raciais em instituições estaduais coloca em risco décadas de avanços na democratização do ensino superior e pode gerar exclusão adicional de estudantes marginalizados, além de enfraquecer a missão pública de assegurar igualdade de oportunidades no acesso à educação.
Caminhos de resistência: o que a sociedade civil e a oposição podem fazer?
Diante do iminente risco de sanção do governador e da promulgação futura da lei, a sociedade civil organizada, partidos de oposição, movimentos estudantis, sindicatos e entidades de direitos humanos têm diversas frentes de ação possíveis:
1. Mobilização jurídica
- Ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, questionando a compatibilidade da lei com a Constituição, a legislação federal e a jurisprudência consolidada do Supremo sobre ações afirmativas e autonomia universitária.
2. Ações no âmbito estadual
- Mandados de segurança ou ações civis públicas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) para barrar a aplicação imediata da lei em situações concretas, caso ela entre em vigor.
3. Organização popular e debate público
- Campanhas educativas e audiências públicas para ampliar o entendimento da população sobre a importância das políticas de inclusão e os efeitos negativos da lei, fortalecendo o debate democrático.
4. Resistência institucional
- Manifestação de reitores, professores e estudantes, como já ocorrido com notas públicas, ampliando a pressão sobre o governo e a opinião pública.
5. Ações parlamentares
- Obstrução legislativa e recursos na própria Alesc ou na esfera federal para pressionar pela revogação ou modificação da lei.
Conclusão
A aprovação do PL 753/2025 representa um ponto crítico na política educacional de Santa Catarina, marcado por um movimento político que busca limitar políticas de inclusão e retroceder em direitos adquiridos por meio de lutas históricas. Sua possível sanção significaria institucionalizar um retrocesso que, além de ferir princípios constitucionais e gerar conflitos jurídicos, ameaça concretamente o direito à educação equitativa e igualitária num estado de enorme desigualdade racial e social.
A resposta da sociedade civil e dos setores progressistas será decisiva para defender a inclusão, a justiça social e os princípios democráticos, utilizando todos os instrumentos legais e políticos disponíveis para impedir a aplicação de uma lei que — se sancionada — pode escrever um dos capítulos mais controversos da história legislativa catarinense.

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