A recente aprovação no Senado do Projeto de Lei n.° 2.162/2023, o "PL da Dosimetria", tem gerado grande polêmica, não apenas pelo conteúdo das alterações penais que propõe, mas, principalmente, pela forma como tramita no Congresso Nacional. Apesar do clamor midiático sobre o impacto da lei nas penas criminais, há um ponto jurídico crucial que deve ser imediatamente analisado: o suposto vício formal grave na tramitação do projeto.
1. O que é o "PL da Dosimetria"?
O projeto, que altera regras sobre a fixação de penas (dosimetria) e critérios de progressão penal, passou por mudanças significativas no Senado, algumas das quais modificam substancialmente o texto aprovado originalmente pela Câmara. Essa diferença entre o texto de origem e o texto votado pelos senadores é o cerne do problema jurídico.
Esse projeto fora originalmente apresentado na Câmara dos Deputados e ganhou destaque porque altera regras sobre a dosimetria da pena e progressão de regime, com impacto direto nas penas de condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito, como os relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Após ser aprovada pela Câmara no início de dezembro de 2025, a proposição seguiu para o Senado Federal, onde passou por votação e foi aprovado em plenário em 17 de dezembro de 2025.
2. O debate sobre suposto vício formal grave: por que alegam que ele compromete a validade do PL?
O vício formal grave ocorre quando o processo legislativo não respeita as etapas constitucionais previstas nos arts. 59 e 61 da Constituição Federal. No caso do PL da Dosimetria:
- As mudanças substanciais promovidas no Senado, sob certo ponto de vista, exigiriam novo exame e votação pela Câmara, em conformidade com o princípio do bicameralismo.
- Ignorar essa exigência pode, em tese, comprometer a legalidade do processo e gera uma nulidade formal. Ou seja, o projeto, na forma aprovada, poderia não ser considerado juridicamente válido.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem jurisprudência consolidada em casos de vício formal: leis aprovadas com desrespeito às etapas constitucionais podem ser anuladas, independentemente do mérito do conteúdo.
3. Fundamentos que podem ser analisados pelo STF
Além do suposto vício formal, outros fundamentos jurídicos poderiam ser levantados:
- Suposta violação do devido processo legislativo: alterações no texto sem retorno à casa de origem, em tese comprometeriam a validade da deliberação.
- Suposta violação de cláusulas pétreas: caso o projeto, direta ou indiretamente, reduza penas de crimes contra o Estado Democrático de Direito, poderia ser questionado como inconstitucional material.
- Ausência de legitimidade ou competência: se a tramitação ignorou etapas essenciais, existe o levantamento da tese de que a Câmara foi privada do direito de nova deliberação sobre as mudanças.
No entanto, um argumento mais sólido e de possível acolhimento imediato pelo STF seria o vício formal, pois ele não envolve juízo de valor sobre o conteúdo, apenas a observância das regras constitucionais de tramitação.
4. Probabilidade de acolhimento pelo STF
- Suspensão liminar: bastante provável, considerando a tese do vício formal, por envolver risco de efeitos imediatos sobre a legislação penal.
- Anulação total: também provável, desde que fique demonstrado que as mudanças no Senado são substanciais e alteram o mérito da matéria.
- Fixação de parâmetros sem anular: talvez o menos provável no caso do vício formal, pois o STF pode exigir que o processo legislativo seja retomado para garantir legalidade e segurança jurídica.
5. Por que a tramitação deve ser suspensa imediatamente?
Na minha opinião, a manutenção do projeto na pauta sem correção do vício formal pode gerar insegurança jurídica, afetando julgamentos, progressões de pena e políticas criminais. Por isso, entendi ser essencial que o STF conceda liminarmente a suspensão do PL, até que a Câmara possa analisar e deliberar sobre as alterações feitas no Senado.
Conclusão
O PL da Dosimetria, na forma aprovada no Senado, em tese apresentaria um vício formal grave capaz de justificar um pedido de anulação ou, ao menos, a suspensão liminar da tramitação.
A Constituição não admite que mudanças significativas em um projeto de lei sejam aprovadas sem novo exame da casa de origem, sob pena de nulidade.
Caso entenda que o Senado fez mudanças significativas na proposição, o STF, ao analisar a questão, tem forte fundamento jurídico para proteger o devido processo legislativo e garantir que qualquer alteração nas penas criminais seja fruto de trâmite correto, transparente e constitucionalmente válido.
Li o seu texto publicado no Blog do Rodrigo Luz sobre o PL da Dosimetria e a hipótese de anulação pelo STF por vício formal. Aqui vai uma nota explicativa clara e juridicamente fundamentada que você pode acrescentar ao final do seu post para atualizar o leitor sobre o estágio atual da tramitação e reforçar os pontos relevantes — especialmente considerando o momento imediato da aprovação no Senado e o envio para sanção:
📝 Nota Explicativa (Acréscimo posterior ao texto)
Desde a redação original deste texto, o PL 2.162/2023 (PL da Dosimetria) foi aprovado também pelo Senado Federal, por 48 votos a 25, e o texto final segue agora para sanção presidencial.
Isso significa o seguinte do ponto de vista do processo legislativo:
1. O Projeto ainda não é lei: a proposição, embora aprovada nas duas casas, ainda não foi sancionada nem publicada na forma de lei. Até que ocorra a sanção (ou eventual veto e deliberação sobre veto), não há norma jurídica vigente com esse conteúdo.
2. Controle de constitucionalidade ainda não é possível de forma concentrada: ações como ADI/ADC só podem ser ajuizadas após a lei existir formalmente — ou seja, após sanção e publicação.
3. Permanece relevante a tese de vício formal: como destacado no corpo do texto, a alegação de vício formal grave na tramitação (por alterações substanciais feitas no Senado sem retorno à Câmara) continua sendo a via processual mais adequada para questionar a validade da futura lei antes mesmo de ela entrar em vigor.
4. STF pode atuar precocemente por meio incidental: ainda que não caiba controle concentrado, eventuais questões sobre vício formal podem surgir incidentalmente em processos judiciais (por exemplo, em habeas ou ações penais que discutam a aplicação da lei depois de sancionada).
5. Sentido político-jurídico: a aprovação no Senado coloca a matéria no patamar de decisão executiva (sanção/veto) e política legislativa consolidada, mas não antecipa validade jurídica se mantidos vícios formais no processo.
Assim, enquanto a lei não estiver sancionada e publicada, não há objeto para controle concentrado, mas a análise de vício formal na tramitação continua sendo uma linha jurídica legítima e potencialmente susceptível de acolhimento pelo STF, inclusive em sede de controle incidental.
📷: Jefferson Rudy / Agência Senado.

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